O mundo a nosso favor

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Primeiramente visto por amigos e familiares como escriba promissor (uma década encavalitou-se noutra e de obra da sua autoria não se vislumbrou página), mais tarde, com o crânio ornamentado com farta cabeleira branca, descrito como estrela atormentada por sombras da infância que tardava em se afirmar e, num ponto mais avançado da carreira artística, como ocasional consumidor de aguardente, comentador desportivo na tasca do Eustáquio e adepto de estilo de vida baseado na estupidez, Jordão lacerava os céus de Lisboa com luminosidade de pedinte.

O astro literário reservava os fins de tarde para a partilha de saberes com Ramiro, discípulo, admirador e mamífero que, na ânsia de aprender cada vez mais, esbardalhava a reforma da tia a alimentar e embebedar o mentor. Em parte por ter lido Platão e admirar a figura de Sócrates, em parte pelo trauma de nunca ter conseguido transpor mais do que quatro frases da sua lavra para o papel, Jordão ensinava de cabeça, gabava-se de rasgar livros, de cuspir na poesia, de não abrir as cartas que lhe enviavam, inclusive as que continham contas por pagar, de possuir uma inteligência que dispensava leituras e memorizações, gozava com académicos e com críticos literários, por si apodados de tarefeiros. A aversão de Jordão à escrita - uma descomunal aversão entrelaçada com paranóia e impulsivas vontades de deitar fogo a tudo o que fosse papel – descomprometia-o de atitudes racionais. Jornal da bola dobrado em cima de mesa de café propiciava-lhe uma raiva que ascendia do estômago para os braços e punhos, e não havia quem lhe travasse o movimento dos dedos e dos dentes na altura de rasgar e de morder o periódico diário. Ramiro, o escolhido pelo mortal deus para eternizar um legado de idiotice, era quem mais lidava com esta falta de pensar: Jordão eriçava-se, ameaçava interromper as lições se descobrisse punhalada na relação, ou seja, se intuísse que o protegido se entregava a leituras, mesmo que essas leituras contemplassem a mera bula de medicamento. Modesto em termos de pensar, inibido no que tocava à busca de fonte de alimento intelectual, Ramiro seguia tão à risca as instruções do mestre que, gradualmente, até de saber ler se esqueceu.

Na manhã de 5 de Novembro de 1996, dia em que se comemorava o vigésimo aniversário do último dia em que pela última vez tocara numa caneta, Jordão vestiu-se a rigor, limpou a cera dos ouvidos, perfumou-se, botou gel e after-shave, e compareceu na estação de comboio em que se combinara encontrar com Ramiro para a lição final, ou espécie de graduação, que consistia em raptar, atar a uma árvore e incinerar aquele que para o mestre representava a maior ameaça à paz mundial, Lucrécio, o escritor mais premiado da aldeia. Delgado e nada viçoso, Lucrécio deixou-se iludir pela simpatia da dupla de falsos admiradores e, por isso, nem esboçou tentativa de resistência física. Regado de gasolina e já em chamas, miou que se martirizava pela sobrevivência da literatura. Jordão orgulhava-se do crime praticado, reduzir a cinzas o inimigo era obra maior, feito ao nível de Mozart, e ainda mais se comprazia por ter transmitido ao discípulo o que de mais profundo guardava na alma. “Destrói o sentido dos dias, prescinde da realidade que te ensinaram na escola”, desabafou, espezinhando as cinzas, “e o mundo muda a teu favor.”

O karma branco

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Ambrósio curava-se, havia mais de um milénio, de desgosto da alma, de cratera aberta pelo amor, pela aniquilação do amor às mãos de louca senhora, quando consigo essa mesma louca senhora se cruzou. À custa de intermináveis sonhos e rememorações mantidos vivos, os sentimentos que por ela nutria acudiram-lhe em simultâneo à boca, e por essa razão regurgitou e tombou, desmaiadíssimo, para o lado. Acudido por transeuntes versados na aplicação de palmadas em rosto desfalecido, Ambrósio safou-se de segunda morte causada por furo no peito, reergueu-se das trevas e, vexado, zonzo, cumprimentou a mulher que lhe partira o coração, soprou algo tolo como parabéns por te teres livrado de mim, ou parabéns por teres encontrado nesse gordo feio o amor que comigo não tinhas, ou parabéns por ainda me afogares em lágrimas como no dia em que fugiste. Nisto, o gordo feio, que comunicava com o mundo por via de zurros, zurrou, quiçá manifestando indignação – não se encontrava presente no evento qualquer intérprete de zurros -, e logo a senhora lhe espetou cenoura entre a dentadura, acto que, para surpresa geral, inclusive do zurrador, contribuiu para harmonizar-lhe as ideias. Ambrósio virou-lhes as costas. Por muito que desejasse ou amasse aquela mulher, nada voltaria a ser como fora, ou como imaginara que poderia ter sido, o passado existia porque ele próprio o mantinha aceso, a arder como uma fogueira, mas o passado era essa coisa invisível, uma energia de fogo que lhe consumia o pensamento, que lhe bloqueava o acesso a amigos, a outras mulheres, o passado era Ambrósio escavacado, anti-social, sonâmbulo, patético. “Amo-te sem saber como deixar de te amar”, despediu-se Ambrósio, sem olhar para trás, e caminhou, primeiro lentamente, à espera de ouvir alguma resposta desse irrecuperável passado, depois a ritmo mais acelerado, acatando o silêncio e o desprezo como formas de retribuição,  de não ser amado. Sem se aperceber de que a mulher o perseguia à distância, Ambrósio andava de cabeça pesada, prometia olvidar, virar a página, não perder mais noites de sono a alimentar fantasias, rasgar a imagem da louca, arrancá-la das profundezas do seu ser. Uma mão, a mão dela, pousou-lhe no ombro ao enfiar a chave na porta do prédio, e ele, esgotado, não encontrou palavras que acompanhassem os seus confusos sentimentos, que incluíam raiva, dor, repulsa, saudade, melancolia e desejo. “O que mudaria se te dissesse que continuas a ser o homem da minha vida?”, perguntou-lhe ela, despida de camuflagens, com aqueles lábios vermelhos prontos a engolir as estrelas, com aqueles olhos pretos como a noite mais escura. “O que se alteraria entre nós se te revelasse que nenhuma destas inutilidades com quem durmo e convivo contribuiu para te esquecer?”, voltou ela a perguntar, como se estivesse pronta para não obter resposta de indivíduo habituado mais a sentir do que a agir. Pela primeira vez em muito tempo, Ambrósio tocou na face da mulher, sentiu-lhe o cheiro com as narinas encostadas ao cabelo, deu-lhe a mão e afirmou que mudaria tudo, e ela beijou-o, e nesse momento o gordo feio explodiu num fogo de artifício que maravilhou a população.

 

 

 

Aceitação é a espada que corta a resistência

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Esquartejado por uma dor lancinante provocada pela esposa, um peso no espírito pouco explicável em termos racionais, uma aflição por vezes miudinha, outras vezes avassaladora, comparável a uma impiedosa faca estracinhando carne, vísceras, tendões, ossos, até chegar à alma, Túlio rebolava para o trabalho esquecido das razões pelas quais tanto se aborrecia com relatórios e subserviências do mais variado calibre, tendo mera consciência de que se não comparecesse no escritório, não teria como subsistir, nem como alimentar o inocente bebé que noite sim, noite sim lhe roubava horas de sono com um ruidoso choro que chegava a dar a sensação de rachar o tecto. Cumpria com sacrifício as tarefas que lhe eram impostas no serviço, não perdia de vista o relógio e a passagem dos segundos e dos minutos, ardia numa delirante febre que despontava ciúmes e tremores na perna, o pânico consumia-lhe a atenção, sentia-se tentado a pedir a demissão, a pregar um soco em alguém, ignorava diálogos, interacções, repisava as mentiras da mulher, acontecimentos e diálogos mil vezes na sua mente remastigados, disseste isto, fizeste aquilo, mentiste aqui, traíste acolá, meditava sobre o que lhe sucedera, sobre o que lhe poderia ainda ocorrer se não se desligasse de tão inconsequente pessoa como aquela com quem, num momento de clara perturbação, se casara. O bicho encolhia-se em posição fetal no comboio, apertando o dilacerado peito, rogando a uma força maior que aquele mal-estar se extinguisse, que lhe surgisse algo ou alguém que lhe enchesse outra vez o coração de luz, que o resgatasse daquele purgatório sem fim. Abria a porta de casa com aparente tranquilidade, fazendo cara de Buda, ainda influenciado pelas palavras apascentadoras do monge da rádio que lhe ensinava a respirar, abancava a jantar como se ali não estivesse, negligenciando o bebé, que atirava comida para o chão e esfregava as porcas mãos nas paredes, e a mulher, suave mulher, que mantinha o sorriso e um falso optismo que nada acrescentavam ou retiravam à infelicidade que entre o casal se intrometera, fingia mastigar, acenava que sim, que o dia correra bem ou assim assim ou igual aos outros, que tudo regressava ao seu lugar, que perdoava por não haver outro remédio para quem amava a não ser perdoar, mas a cada novo dia aparecia mais mirrado e enrugado e pronto para se entregar a uma morte rápida, indolor, trazida talvez por um frasco de comprimidos e uma corda à volta do pescoço.

Túlio lera algures, provavelmente numa revista abandonada na clínica do dentista que quinzenalmente visitava para chumbar um dente, que um coração partido demorava cerca de três meses a sarar. Essa tão científica previsão fora lida poucos dias após o choque ou, como lhe chamava, o dia em que fora transportado da realidade para um submundo de lágrimas e infindos prantos. Esperara ardemente pela passagem dos malfadados noventa dias, esses noventa dias multiplicaram-se por dois e depois por outros dois, o coração sangrava, Túlio esvaía-se em sangue, as acções da esposa ardiam-lhe na imaginação. Encontrando-o pálido, um conhecido citou-lhe um sábio antigo: não há mal que dure cem anos. Meio ano, oito meses, soava a eternidade. Sofria ainda como um condenado, sem saber para onde se virar, com quem falar ou que fazer para se livrar daquele peso morto que era a enxurrada de memórias e de destruição. Que queres fazer hoje?, perguntava-lhe a estremosa esposa, depois dos seus erros ainda mais estremosa. Túlio, acobardado, calava a verdade dentro de si entranhada, temendo exteriorizar o nojo que por ela sentia, evitando comentários insultuosos, que não a queria mais à frente, que vomitava pensando nela, que olhar-lhe para a cara era o suficiente para que o dia lhe saísse mais azedo. Quero-te daqui para fora, disse-lhe uma vez, talvez pouco convincentemente, uma vez que ela não o levou a sério e ainda gozou com o seu efeminado tom de voz. Raspa-te para longe, berrou-lhe noutra ocasião, mas ela, rainha da miséria, gargalhou, e com a gargalhada enterrou-o numa lama depressiva feita de culpa e de silêncio e de repressão e de raiva.

Espremido pelo sofrimento, desesperado por encontrar alívio, Túlio submeteu-se à meditação, a idas diárias à missa, à leitura regular de passagens da Bíblia, adquiriu crucifixo, alterou hábitos alimentares, dedicou-se à prática de exercício, mudou de café para algo mais calmante, como chá de ervas, comprou caderninho que em pouco tempo ficou abastecido de afirmações positivas e de intenções para o futuro, e a sua personalidade não tardou a evidenciar progressos. Sorria mais, surgia mais amigável e tranquilo em termos de aparência, preocupava-se quase nada com a labuta, adquiria roupagem supimpa, ceava em restaurantes da moda, tratava de si, no fundo, como mandavam os manuais de auto-ajuda e os líderes espirituais com que se ia cruzando, nomeadamente os jovens fumadores de haxixe que em bares e cafés lhe viravam as cartas do tarot e lhe mostravam o caminho dos astros. Mas sempre chegava a altura de se deitar na cama. Tropeçava nas pernas da mulher, enfrentava-lhe a carantonha antes de dormir, e aí todos os esforços de superação emocional e mental caíam por terra. Aos poucos, instalou-se na mente de Túlio a convicção de que, de modo a curar-se do mal de amor, teria de apagar a mulher, não somente afastar-se, pedir o divórcio, apagá-la, matá-la. Gizou um plano. Gizou uns dez planos. Em nenhuma altura ganhou astúcia e determinação para os pôr em prática. Envenená-la trar-lhe-ia problemas com a polícia. Esmurrá-la até lhe desencaixar o cérebro do crânio idem. Esquartejá-la e enterrar os pedaços em diferentes regiões do país também não dava a impressão de ser ideia bem estruturada, que tivesse possibilidades de o livrar de buscas e de interrogatórios policiais. Assim, e visto que a desesperança e os desejos de vingança comandam o animal por educar, Túlio aproveitou o apetite sexual, em certa noite pela esposa evidenciado, para se esgueirar para debaixo dos lençóis e, por intermédio de duas barras de dinamite, rebentar com ela, com o prédio e com essa inútil coisa, a vida.  

 

Acácia investe na figura 

Chegou ao emprego à hora de sempre e Itamar já lá estava. Disse-lhe: 
— Grande molha que apanhaste! 
— Está a chover há meia hora. 
— Eu vi pela janela. Chegou uma carta para ti. 
— Ok. Está onde? 
— Já foi. 
— Deitaste-a fora?! 
— Não, está na tua secretária. 
Subiu as escadas e ali estava ela, dirigida a Adalício Adamastor, Rua Etc e Tal, Lisboa. Letra de criança, coisa estranha. Abriu-a. “Podemos ver-nos? Vai ter àquele bar onde costumas ir.” Brincadeira, por certo, e que bar seria aquele? Até poderia ser engano, mas o nome Adalício Adamastor não era acaso, e a Rua Etc e Tal ainda menos. Começou a trabalhar e esqueceu a carta. 
No dia seguinte, a mesma coisa: “Não apareceste. Posso ter uma conversa contigo?” Claro que era brincadeira, mas quem seria a criança? Durante o dia, demorou mais a esquecer, mas esqueceu. Até que, na quarta-feira, veio mais outra. “Queres almoçar?” Quem seria? Acácia costumava testar-lhe a fidelidade, teria pedido a outra para escrever aquelas palavras? 
Chegado a casa, perguntou: 
— Temos envelopes cá em casa? 
Não tinham. 
No dia seguinte, não havia nenhuma carta. Adalício pensou que Acácia percebera que acabara. 
ubiu as escadas, sentou-se para trabalhar, logo o telefone tocou, era Itamar. 
— Há uma chamada para ti. Posso passar? 
— Podes, claro. 
Itamar reencaminhou para a extensão 736, Adalício cumprimentou mas só ouviu respiração do outro lado. Uma e outra vez até que Itamar deixou de transferir. 
Ao fim do dia, foi para casa. Acácia agia como sempre, fingindo não ter feito nada. Perguntou-lhe: 
— Estás contente com o telemóvel que compraste? 
Disse que sim e ainda acrescentou que andava a usá-lo muito. 
No dia seguinte, não aconteceu rigorosamente nada, e o fim-de-semana correu a cerveja e futebol. 
Chegou segunda. De novo: 
— Chegou uma carta para ti. 
Voou pelas escadas. 
A mesma letra de criança e apenas uma frase: “Preciso de te ver.” 
Já não trabalhou direito. Quando Itamar voltou a reencaminhar-lhe uma chamada, explodiu: 
— Quem é, caralho? 
— Calma, Adalício. Tens o telemóvel desligado e só queria dizer-te que deixaste a carteira em casa. 
Acácia tinha o desplante de não lhe desligar na cara. Nada disse, uma vez mais fingiu. Horas depois, nova chamada, e quem não fingiu foi Adalício: 
— Olá, Acácia. 
Mas não era Acácia quem estava do outro lado. 
— Quem é a Acácia? Já não me reconheces? 
Claro que a reconhecia, só não podia julgar nunca que fosse ela. 
— Sou a Adosinda. 
Adalício quase caiu da cadeira. Quase derrubou o jarro que tinha em cima da mesa e deixou cair o telefone, e ainda por cima começou a respirar pesado. Ouviu do escritório: 
— Tudo bem, Ada? 
Disse que sim. 
Era estranho não se ter lembrado de quem sempre fora inesquecível. Tinham sido namorados antes de casarem, Adosinda tinha dois filhos, ele zero. Nunca mais se tinham falado depois de uma birra que durara a vida toda até então. Adalício matara entretanto o desejo de matar-se, mas não o sofrimento. Disse só: 
— Como é que estás? 
— Estou muito bem. Porque é que não apareceste? 
— Onde? 
— No sítio do costume. Não recebeste a minha carta? 
— Sim, mas não sabia que eras tu. 
— Pois é, esqueci-me de assinar. — Tudo sinistro. — Podemos encontrar-nos no sítio do costume? 
Adalício disse que sim, assumindo que esse sítio só podia ser o Botequim do Fumo. Atirou uma desculpa a Acácia, saiu depois de tomar banho em perfume. Vestiu a melhor camisa já no carro. 
Quando chegou, já ela lá estava. Vestido branco, salto alto, um perigo. Mais velha e ainda sem idade. Pediram os dois bebidas, jogaram conversa fora. 
Ela mordia os lábios, ele não tirava os olhos dela. Mais por glória do que precaução, disse-lhe: 
— Sabes que agora sou casado? 
— Imaginei que sim. 
Tocavam-se debaixo da mesa, mas ninguém trai com os pés. Depois de um copo veio outro, a conversa só tinha um sentido, e ela ainda lhe disse: 
— Houve uma coisa que nunca chegámos a fazer. 
— Há ali uma pensão. Por vinte euros arranjamos uma cama. 
Dirigiu o caminho, reservou o quarto, abriu a porta. O primeiro beijo soube a whiskey velho. Perguntou-lhe: 
— Vais deixar o teu marido? 
— Já deixei. 
— Por mim? 
— Claro que não. 
— Mas queres ficar comigo? 
— Ficar contigo? 
— Sim. Que eu deixe a minha mulher e moremos um com o outro. 
Ela riu, surpresa e divertida. Ele humilhado. 
— Claro que não. 
Adalício, deitado e nu, sentiu-se de joelhos e mais despido ainda. Resistiu como pôde: 
— Ainda bem, também só quero ter um caso. 
— Eu sei, a Acácia desconfiava. 
Despido, ficou gelado. 
— A Acácia?! 
— Sim. Quis provar que eras infiel. 
Tinham-se conhecido na aula de Pilates, e Acácia pedira-lhe que o testasse. Não sabia sequer que o seu nome era Adosinda, chamara-lhe “meu bem” o tempo todo. 

Ménage

 

Naldinho tava só a estrela-do-mar no chão, todo arreganhado.

Afrouxaram o cinto dele num repente: tome abrir bermuda, folgar percatas, a zorba azul à mostra. A camisa pólo foi no bruto, rasgaram do cós à gola. Daí pra frente uma das mulheres, acima, posicionou as mãos nos peitos dele e danou-lhe conhecimento:

VUCO! VUCO!

VUCO! VUCO!

No movimento de sobe e desce, Naldinho era só um saco de estopa, dava nem um pio. O bucho branco, mole que nem geléia de mocotó, não se aguentava na pressão. A boyzinha logo que cansou as articulações cedeu espaço pra outra. Mesmo embalo:

VUCO! VUCO!

VUCO! VUCO!

Foi no último movimento que Naldinho abriu os olhos, tossiu na pressa de saber onde tava: o coração voltara a tilintar lá por dentro. O povo que acompanhava a ocorrência aplaudiu as socorristas.

Severino Figueiredo edita a revista literária Gorfo e escreve no blog tristemascurto.blogspot.com / Contato: osevfig@gmail.com