Traição à traição de Antonio Gamoneda a Georg Trakl

Canção do Solitário

Oculto na harmonia é o voo das aves. Ao crepúsculo, em cristalinos prados violados pela corça, 
sobem glaucos bosques às cabanas silenciosas. 
 
Débil na escuridão é o rumor das águas. E as sombras húmidas 
 
e as flores do verão são tangidas pelo vento. 
 
Esplende na noite a cabeça do homem pensativo e a chama ténue do decoro arde no seu 
coração. 
 
Serenidade da ceia; porque o pão e o vinho estão sobre a mesa às mãos de Deus 
 e o teu irmão contempla-te do silêncio nocturno dos seus olhos, descansando das aflições do 
caminho. 
 
Oh, era uma morada celeste na medula da noite. 
 
Nos quartos, engolidos pelo silêncio em haustos de ternura, a sombra dos antepassados, os 
martírios fulvos, 
 
o lamento piedoso de uma estirpe que se extingue com o seu último descendente. 
 
Das negras horas da loucura, em umbrais de pedra, desperta mais radioso aquele que sofre, 
e é cercado com força pelo azul do orvalho, pelo resplandecente declinar do outono, 
 
pelo sossego da casa e pelas lendas do bosque. 
 
Eis a medida e o preceito, assim se ocultam os caminhos 
 
daqueles que se afastam na desmesurada paixão da morte. 
 
 
João Moita 
- traição à traição de Antonio Gamoneda a Georg Trakl 

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Arethusa

Tradução de Ricardo Domeneck 

 

I

devíamos nos posicionar bem
estão chegando os corredores
vindos do leste
carregando o abril em caixas 

sob seus pés
nosso fôlego torna-se névoa
sopra como rebanhos compressores
ao pasto dos sonhos

cai a neve penduram-se ovelhas
como roupas vazias sobre o comedouro 

II

é abril e rumoreja
a loucura pastando
são nuvens-cordeiro
que mamam em nós? 

no quartel-general bebem
a água dos mapas 

caímos para cima
em direção ao reflexo
as sombras na órbita

prontas para atravessar

III

colunas são nem
troncos nem chaminés
caímos quebramos
as cúpulas das matas 

ficamos como mámore
de olhos fechados
farpa de lança à direita 

respiramos fundo, michel
gotas que são reunidas
após o sucesso da fuga