Quatro pinturas de Yiannis Kontinopoulos, seguidas de um breve texto

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Με λένε Γιάννη και μου αρέσει πολύ να ζωγραφίζω. Όταν δεν ζωγραφίζω, μου αρέσει να κοιμάμαι. Αν και για να πω την αλήθεια, δύσκολα καταφέρνω να κοιμηθώ. Ένα κουνούπι γυρίζει πάνω από το κεφάλι μου και χαλάει τα όνειρά μου. Υπάρχουν φορές που καταφέρνω να το πετύχω πάνω σε μια λευκή επιφάνεια. Τότε το κουνούπι με τη στραπατσαρισμένη του μορφή εισβάλλει πιο δυναμικά στα όνειρα μου. Αποφασίζω να ξυπνήσω και να ζωγραφίσω. Σκέφτομαι να ζωγραφίσω έναν χώρο στον οποίο το κουνούπι θα ζει ευτυχισμένο έτσι ώστε εγώ να κοιμηθώ ήρεμα στα όνειρα μου. Όποτε καταφέρνω να κάνω μια ζωγραφιά που αρέσει στο κουνούπι, καταφέρνω να κοιμηθώ. Καταλαβαίνω πως το κουνούπι με ενοχλεί γιατί του αρέσουν τα όνειρά μου. Ευχαριστώ το κουνούπι που με ξυπνάει για να ζωγραφίσω. 

Chamo-me Yiannis e gosto de pintar. Quando não pinto, gosto de dormir. Mas, honestamente, é-me difícil dormir. Um mosquito ciranda em torno da minha cabeça e arruina-me os sonhos. Às vezes consigo esmagá-lo numa superfície branca. Então o mosquito na sua forma esmagada invade-me mais fortemente os sonhos. Decido acordar e pintar. Penso em pintar um espaço onde o mosquito possa viver alegramente para eu poder dormir pacificamente em sonhos. Quando consigo pintar algo que agrada ao mosquito, consigo dormir. Percebo que o mosquito me incomoda porque lhe agradam os meus sonhos. Agradeço ao mosquito que acorda para que pinte.

Paisagens em estado de possibilidade sem limites: "Behind the Horizon" de Alexandra Roussopoulos

Behind the Horizon
Alexandra Roussopoulos
Galeria Nitra
Atenas
26 de Setembro a 24 de Novembro

1.

Este é um breve texto sobre alguns quadros de Alexandra Roussopoulos, vistos numa pequena galeria num dos bairros centrais de Atenas. Às vezes, parece-me que darmos por nós na presença de certas imagens convida um certo tipo de atenção silenciosa, que deixa que uma sucessão de coisas que estão enterradas dentro de nós venham à superfície, se tornem de repente objectivas ou objecto de (re)descoberta. Este ciclo de quadros revela o lado ao mesmo tempo familiar e estranho de algumas paisagens e dos seus horizontes. Podiam ser as nossas paisagens, daí apontarem acidentalmente para os nossos elos com certos lugares. A objecção que se pode levantar a esta ideia, claro, é a de que estou aqui a propor uma empatia egoísta em relação a certos objectos de arte. Que talvez haja nisto um certo romantismo imaturo. Talvez, um pouco. E então?

2.

Em Março de 2020, Alexandra Roussopoulos, uma pintora suíça e francesa de origem grega, radicada em Paris, viajou para Atenas para preparar uma exposição que deveria ter tido lugar nesse mês, mas que só veio a acontecer, na forma em que agora se vê, no final de Setembro. Alexandra Roussopoulos viu-se confinada ao seu estúdio em Atenas, sem poder viajar de regresso a Paris e sem saber quando esta exposição que agora se pode ver na Galeria Nitra, em Atenas, ia acontecer. Nas semanas seguintes a pintora lançou-se ao trabalho de compor os quadros que hoje formam o conjunto da exposição Behind the Horizon. Alexandra explica ao diário grego Kathimerini que teve de alterar a sua técnica de pintar à medida que as semanas foram passando, por receio de que os materiais que tinha encomendado se esgotassem. Há nas imagens uma qualidade de erosão, que sugere o lado fugaz e efémero de paisagens vistas a partir de dentro, desconstruídas e de novo montadas a partir da memória.

3.

Os quadros de Behind the Horizon ocupavam quatro paredes na galeria Nitra. Lá fora, no final da tarde de sábado, atenienses bem-vestidos circulavam pelas ruas interiores de Kolonaki. Homens em jeans e sapatos caros cortando pelas estradas nas suas vespas e pequenos grupos de estudantes com encontros marcados em esplanadas em redor de pequenos jardins urbanos. Por um momento, entre amigos nestas ruas interiores, esqueço-me deste ano, da impressão que carrego, de há meses, que a terra está doente. A irmã da amiga que me trouxe para ver esta exposição está a estudar para se tornar pintora, o que na Grécia, antes de se entrar na faculdade, não corresponde a qualquer educação formal. Um aspirante a aluno de Belas Artes estuda aqui e ali com quem puder, até fazer o exame de admissão à universidade. Há poucas vagas e é muito difícil de entrar. A irmã da minha amiga vai vendo exposições aqui e ali, tirando notas, falando com outros pintores, numa espécie de educação amadora que na verdade traduz a impossibilidade de ensinar alguém a ser essa coisa, um pintor. Explico à irmã da minha amiga que me agradam as pequenas galerias. Concordamos que são espaços que estendem uma espécie de convite. Há uma liberdade muita grande em entrar e sair de pequenas galerias, sem ter de pagar entrada, sem explicar ao que vimos, em certo sentido a antítese de museus. No trabalho novo há um lado experimental que é também o de ver algo pela primeira vez, sem saber o que esperar. Há nisso outra forma de liberdade: do peso da tradição, dos nossos próprios preconceitos e expectativas.

4.

Não contei ao certo quantos quadros Alexandra Rossopoulos pintou no seu confinamento ateniense. Creio que talvez entre oito e dez. Os quadros sugerem que o que fica atrás do horizonte, o título que enquadra a exposição, são sedimentos e sedimentos de paisagens que se foram tornando na memória da pintora: fragmentos que foram sendo justapostos até se tornarem às vezes estruturas que nos fazem pensar em fino gelo e no lado tridimensional e esquemático das paisagens, ou que, noutros quadros apontam para a representação da suavidade de cores de certos entardeceres em dias longos de verão.

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Nenhuma das paisagens é urbana, embora uma ou outra sugira essa possibilidade nos volumes que se avistam no horizonte. Há qualquer coisa de difusamente reminiscente de Turner, mas também de Hokusai. Há horizontes em certos quadros que parecem pertencer a um passado profundo, superfícies de infância vistas por um olhar adulto (isto parece-me sobretudo verdade acerca de uma paisagem de montanha e floresta onde se veem escuras árvores), o que, por outro lado, nos faz pensar na distância a que a memória segura certas passagens – com um certo anoitecer que é o tom em que a lembrança persiste face ao esquecimento, apoiando-se em alguns pontos salientes.

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Outros horizontes são claros e abertos e o movimento do olhar do plano da terra para o horizonte faz-nos pensar no que está para lá dessa distância enquanto meta, enquanto futuro: paisagens em estado de possibilidade sem limites. Porque não são paisagens humanas, as destes quadros, a sua presença em frente do nosso olhar parece não pedir nada de nós, mas antes sugerir a possibilidade de que nos podemos perder numa vasta paisagem que, no entanto, mesmo com os seus pormenores dissonantes, parece sempre acolhedora, possível de navegar. Há no exercício de olhar os quadros de Behind the Horizon algo de profundamente libertador, fora do tempo e fora das circunferências que, para lá dos confinamentos, habitamos. O conjunto de Behind the Horizon recorda-nos que o tempo da terra é outro tempo: silencioso, vasto, misterioso, em certo sentido fora da história, que é preciso respirar com essa história paralela do planeta, que coexiste com a nossa. Pontos de referência, coordenadas parecem refazer-se de quadro para quadro, reorganizar-se constantemente na sugestão da possibilidade de movimentos com que estas paisagens poderiam ser cruzadas. Mas, abarcando amplos espaços, mesmo nas mais pequenas telas, é o próprio movimento das paisagens que gera essa impressão: o que nestes quadros se move acompanha o nosso movimento interior em direcção à memória das paisagens que carregamos connosco. Há aqui qualquer coisa de uma paixão silenciosa, paradoxalmente premeditada, mas constante e resoluta.

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5.

Os meus três quadros preferidos são quase miniaturas. Três fragmentos de paisagens marítimas em três entardeceres diferentes, o último é um fragmento da rebentação. Talvez a mesma paisagem vista de diferentes ângulos, a diferentes horas. Não podendo dizer ao certo se se trata de perspectivas diferentes sobre a mesma paisagem, ou três paisagens diversas, sugere-se ao mesmo tempo o que disso no princípio: a familiaridade das paisagens e a sua estranheza. Os diferentes tons apontam para o modo como o transcorrer das horas sobre um determinado horizonte pode traduzir um sem número de emoções. Vastas paisagens, mesmo se apenas representadas em fragmentos, pintadas durante um período em que confinamento se tornou a obsessiva palavra chave de todos os vocabulários, sem nenhuma narrativa fixa, lembrando-nos que a amplitude do horizonte é como sair para fora, como regressar à possibilidade de encontro constante com algo em estado de recomeço.

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Nota: Gostaria de agradecer a Alexandra Roussopoulos a disponibilização das fotografias dos quadros que podem ser vistos nesta nota.

INFERNO(S)

“Einziger, ewiger, allgegenwärtiger,

unsichtbarer und unvorstellbarer Gott”

- Schoenberg

…………………………………………………………………………….

Mutatis mutandis, eis outro homem,

não esperava encontra-lo por aqui, até

há muitas razões para simpatizar com ele:

certo humor desconcertante,

a bagagem psicanalítica e toda a cinefilia,

mais as ganas de fundir high e low

culture, num momento em que, a bem dizer,

essas diferenças já pouco significam,

e muito graças a ele;

                                     aqui está,

não refugiado na floresta,

mas gravado e difundido

na internet:

                     todo um outro universo,

o mundo mudou, e claro que sabemos mais

do que se sabia outrora; mesmo assim,

«o que acontece primeiro como tragédia

repete-se depois como farsa», disse alguém,

e ele pegou na frase e fez dela título

para um dos seus muitos, muitos, muitos

livros.

            Farsa tristonha:

na hora de se comprometer politicamente

cedeu ao humor; proferiu o conselho intolerável:

fez birra de enfant terrible,

disse que votaria num monstro.

                                                           Risos.

Aqueles que os deuses querem

perder…

                 E poderemos invocar, outra vez,

Ignorância? Ele conhecia o seu presente

e, dolorosamente, o passado.

Mas cedeu à piada, ao jogo

do desconcerto; a melhor arma

fez-se veneno, tentação

na roleta vertiginosa, volúpia

da cegueira.

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Vítor Teves - “Inferno” (um poema de Pedro Eiras), 2012-2020. [Mutatis mutandis, eis outro homem].

TOLDO

Vítor Teves - “Toldo” - I - XII, 2018.

Nota: Sempre odiei (e odeio) a palavra “Ilustração”; não procuro, nem quero, ilustrar coisa nenhuma. É possível pintar poesia sem ilustrá-la. A ilustração de poesia é reducionista e desinteressante (na sua maioria). 10 anos depois de “Um toldo vermelho”, esta é uma pequena série à volta do livro, uma leitura “emocional” do livro, apenas isso, uma versão entre outras que fiz. Esta é uma versão de 2018, existem muitas mais. A dimensão do papel é fundamental, são trabalhos intimistas e constituem apenas um “quadrado” no seu todo: 4 + 4 + 4 =12. Alguns zonas estão esborratadas (pelo fixador) porque assim o quis. Foi feito a pastel seco e esferográfica. Dedico esta série a todos aqueles que pensam que: a) o desenho só pode ser feito com grafite; b) os que acham que a pintura tem de ter entre 3 a 5 metros; c) os que acham que a pintura só pode ser feita a óleo. Isto é Pintura: a) colorida; b) de pequenas dimensões; c) e sobre papel (sim, papel, nada que não tivessem já feito).

ps- Quando for grande vou pintar hortênsias.

Vítor Teves, 01.2020

The Torso - poema de Robert Duncan

THE TORSO

 

Most beautiful!      the red-flowering eucalyptus,

           The madrone, the yew

 

        Is he …

 

So thou wouldst smile, and take me in thine arms

The sight of London to my exiled eyes

Is a Elysium to a new-come soul

 

                         If he be truth

                         I Would dwell in the illusion of him

 

His hands unlocking from chambers of my male body

 

                 such an idea in man’s image

 

          rising tides that sweep me towards him

 

                         …homosexual?

 

                                    anda t the treasure of his mouth

 

                         pour forth my soul

 

                                     his soul              commingling

 

I thought a Being more than vast, His body leading

                  into Paradise,      his eyes

                                quickening a fire in me,         a trembling

 

               hieroglyph:          At the root of the neck

 

         the clavicle, for the neck is the stem of the great artery

             upward into his head that is beautiful

 

                                    At the rise of the pectoral muscles

 

the nipples, for the breasts are like sleeping fountains

       of feeling in man, waiting above the beat of his heart,

       shielding the rise and fall of his breath, to be

       awakend

 

                                    At the axis of his mid hriff

 

the navel, for in the pit of his stomach the chord from

     which first he was fed has its temple,

 

                                 At the root of the groin

 

the public hair, for the torso is the stem in which the man

      flowers forth and leads to the stamen of flesh in which

      his seed rises

 

a wave of need and desire over         taking me

 

                              cried out my name

 

              (This was long ago.      It was another life)

 

                                                and said,

                           What do you want of me?

 

 

I do not know, I said.        I have fallen in love.        He

        has brough me into heights and dephts my heart

                        would fear         without him.       His look

 

            pierces my side     .       fire eyes     .

   

          I have been waiting for you, he said:

                                        I know what you desire

 

                       you do not yet know        but through me     .

 

         And I am with you everywhere.         In your falling

 

         I have fallen from a high place.            I have raised myself

  

                          from darkness in your           rising

 

                                                     wherever you are

 

                my hand in your hand         seeking        the locks, the keys

 

I am there.            Gathering me, you gather

 

                    your Self.

 

       From my Other is not a woman but a man

 

      the King upon whose bosom let me lie.         

 

                                                                                                                          Poema de Robert Duncan        1968

Nota: “Torso”, pintura-colagem do poema de Robert Duncan - ”The Torso”, é um livro de artista. É dedicado ao poeta Ricardo Marques.