Contra o optimismo

A base do optimismo é simplesmente o terror.

Oscar Wilde 

I don't believe illusions 'cos too much is real

The Sex Pistols 

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 Leio algures: «As pedras são degraus de outros caminhos...». Nunca fui muito com este género de ideia. Pedras são pedras em qualquer parte. Não acredito que exista alguém que goste de caminhar por um caminho cheio de pedras. Podem ser muito optimistas e mais tarde pensar que são «degraus de outros caminhos...». Mas, enquanto percorrem o caminho, duvido que não pensem: «Ora aqui está uma boa merda.».

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Não foi necessário ler Cândido de Voltaire para saber que sou pessimista. O optimismo nunca me atraiu. Sempre o considerei sem sal. E vendo bem as coisas é. Por exemplo: a chamada grande literatura é, toda ela, pessimista. Onde é que existe optimismo nos livros de Kafka, Dostoievski, Céline, Mishima, Hemingway, Faulkner, Cossery, Bernhard? Não me lembro. O mundo é irremediavelmente absurdo e está irremediavelmente condenado. E a esperança? A esperança é outra coisa. Talvez um dia fale sobre ela. Mas não associo esperança a optimismo. Um pessimista pode ter esperança. É possível. Só que a esperança não o cega. Por outras palavras: um pessimista é alguém que tem os olhos bem abertos.

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Os pessimistas são sempre mais criticados do que os optimistas. Se um pessimista chama a atenção para possíveis obstáculos na vida, há logo alguém que exclama: «Ai! És tão pessimista!». Mas o contrário não se verifica. Ninguém diz: «Ai! És tão optimista!». Ou: «Lá vens tu com o teu optimismo!». Os pessimistas são discriminados. São acusados de ver obstáculos em tudo, quando na realidade isso (o facto de ver obstáculos) só traz vantagens: os pessimistas são mais rápidos a desviarem-se deles. Os optimistas não. Tropeçam, caem, lamentam-se, depois vão ler Paulo Coelho e esperam, com isso, aprender a "caminhar".

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 Não acredito que a leitura de Nietzsche ou Schopenhauer tenha influenciado o meu inerente pessimismo.  Li-os pela simples razão de estar na moda, de ser aquilo que era esperado de mim. Andar com o Anticristo no bolso de umas calças de ganga rafadas fez milagres junto das raparigas mais susceptíveis. Vestir o preto, também. Mas voltemos ao meu pessimismo. Não sei qual será a sua razão, origem. Sinceramente, não me interessa. Mas sei que é inerente.

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O meu pessimismo explica-se sem dificuldade: a minha total descrença na bondade humana. É claro que há excepções: conheci, na minha curta vida (trinta e seis anos até ao momento em que escrevo estas linhas), pessoas muito boas, altruístas até à medula (embora ainda não tenha resolvido em mim a questão entre altruísmo e egoísmo, pois considero-os indissociáveis, numa relação simbiótica). O oposto também é verdadeiro: pessoas más não faltam. Conheci umas quantas e suplantam, sem dúvida, as boas. Exemplo: éramos crianças e jogávamos à bola no parque infantil do bairro. Sempre que uma bola ia parar a um certo e determinado quintal, surgia uma faca — vinda não sei de onde  — que a rasgava. Quem é que rasga, destrói, uma bola com a qual crianças brincam? Lá no bairro não havia só essa criatura. Havia uma outra, muito mais cruel, que, para além de rasgar bolas, também cortava as asas às crias dos pássaros que apanhava a fazer ninho nas “suas” árvores e no beiral da “sua” casa. Vi, tudo isso, com os meus próprios olhos.

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 Se tentasse justificar o meu pessimismo, com uma base filosófica, seria incapaz. Ainda não li o suficiente para estabelecer um “programa” — algo que parece ser muito necessário para resolver tais questões e para que os outros nos levem a sério. No entanto, penso que ele, o meu pessimismo, é indissociável da minha precariedade existencial: saber que a vida é um milagre e saber que ela é um absurdo. Viver nesse limbo.

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 Pessimismo pressupõe sofrimento? Há quem acredite que sim. Cioran acreditava que se podia ser pessimista sem sofrimento. Para defender a sua posição, Cioran estabeleceu algumas linhas de pensamento. Uma delas é deveras interessante: com as desilusões criar um sistema. O sistema do pessimista é baseado nisso mesmo: nas suas desilusões. É claro que poderemos contra-argumentar dizendo que para ter desilusões o pessimista teve, em primeiro, que ter ilusões. É um argumento válido, com o qual não concordo. A desilusão é, no pessimista, sempre a priori.

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O discurso político português (principalmente do Governo e de alguns representantes do Estado) foi invadido pelo optimismo. E isso deixa-me a pensar. Como considero que todo o discurso político é falacioso, considero o optimismo — inerente ao discurso — falacioso. É claro que esta ideia aplica-se, também, a qualquer tipo de optimismo. Pois o optimismo é isso mesmo: uma falácia.

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 Por que razão o pessimismo? Porque o optimismo assim me obriga. O optimismo (que eu atrevo-me a designar de hipócrita) mais não é do que um mecanismo coercivo. O optimismo, nomeadamente aquele patente no discurso político, só serve um propósito: acalmar a massa, submete-la a uma vontade que é, muitas vezes, pouco clara. Todo o discurso optimista é falacioso. Ao contrário do optimista, o pessimista não recusa a realidade tal como ela é. Assim, ser pessimista, escolher o pessimismo, é um acto de resistência.

Bestiário Literário

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Depois de ter passado o Verão de 1933 na aldeia de Bilignin, em Savoie (França), onde vivia Gertude Stein num imenso château ferme, a preparar os press releases das conferências que a escritora iria dar no ano seguinte nos EUA, acompanhado daquele zururum contínuo: “No, no, you’ve missed the entire point. Go back and try again”, e a passear pela zona rural de Savoie, com Stein ao volante, Alice B. Toklas ao lado, e os cães, Basket e Pepe, um caniche branco e um fox terrier mexicano, que no banco de trás pareciam levados da breca, Laughlin foi viver para Paris, tinha então 19 anos. Dali escreveu a Ezra Pound, e perguntou-lhe se podia ir visitá-lo a Rapallo, na província de Génova (Itália), onde o poeta vivia. Não esperava sequer uma resposta, mas dias depois recebeu um telegrama: “Visibility high”.

Pound deu-lhe cama, pão e poesia. Por assim dizer, é claro: um quarto no apartamento de uma senhora alemã, e o pão e a poesia na “Ezuversity”: termo cunhado pelo autor para designar as aulas que dava ao pupilo, e que na verdade não passavam de longos monólogos de Pound sobre a correspondência que recebera de manhã. Almoçavam, faziam a sesta e depois iam nadar ou jogar ténis. Pelo meio, e em dias bons, Pound fazia imitações de Joyce e Keats, e o pupilo descabia em si de satisfação. “His stories were endless, and very funny, and what I remember about them – over all those years – was that I never heard him tell an off-color story”, diria anos mais tarde Laughlin, em entrevista à Paris Review.

Nesse Outono, depois de ler alguns poemas seus, Pound disse a Laughlin que ele nunca seria um bom poeta, e que o melhor seria tentar outra coisa. O discípulo considerou (apesar de ter continuado a escrever e a publicar), voltou para Harvard, onde estava a estudar, e fundou a New Directions, a editora que queria publicar o que as outras não publicavam, porque sabiam que não havia leitor que estivesse para aí virado.

Pound escreveu aos amigos – William Carlos Williams, Kay Boyle, Jean Cocteau, entre dezenas de outros (“If you have a manuscript send it to this worthy young man") – e a pilha de textos para ler foi crescendo entre os livros e os arquivos, as cartas, a máquina de escrever e o tabaco e os cachimbos que cobriam a sua secretária. Laughlin fez um brilharete. E explica na entrevista: “That was no problem. In those days – it was fairly soon after the Depression – the big publishers just weren’t doing much literary publishing.”

Publicou Tennessee Williams, Karl Shapiro, Lawrence Ferlinghetti, Fitzgerald (o Crack Up, quando ninguém tinha interesse nisso, e o Gatsby, quando já estava fora de catálogo), William Carlos Williams, Henry Miller, Herman Hesse, Ezra Pound, Dylan Thomas, John Hawkes, Nabokov. Depois, Pound sugeriu-lhe que se dedicasse também à literatura internacional, porque para perceber poesia era preciso trabalhar com várias línguas, e Laughlin começou a publicar traduções: Rimbaud, Baudelaire, Rilke, Valéry, Kafka, Cocteau, Borges, Blaise Cendrars, Queneau, Lorca, Mishima e mais uns quantos.

“What I’m writing now is my auto-bug-offery. Wild stuff. Mostly fictional. What I wished had happened. The Way It Wasn’t would be a good title”. Laughlin esteve a preparar a sua autobiografia até morrer; aconteceu em 1997, tinha então 83 anos. Reuniu fotografias, poemas, reproduções de cartas e de capas de livros, postais e recortes de revistas e jornais e papéis com anotações. Nove anos depois, foi publicada em livro pela reestruturada New Directions. O arquivo foi organizado por temas, dispostos por ordem alfabética.

Bergman: “Now if you had Bergman’s Three Strange Loves on your list I could anecdotalize about that. This is an important film because it has my eye in it”. O olho era efectivamente o de Laughlin, na capa do Cosmological Eye que Bertil levava na mão; o livro, de Henry Miller, saíra pela New Directions em 1939. Céline: “The terrifying French novelist, Louis Ferdinand Céline – an enormously powerful and slashing, satiric, misanthropic writer. But what power of the imagination! We did three books of his. He was overpowering.” Cocteau: “I wish that nice Marse Jean Cocteau were still around. He took me to lunch at the Grand Véfours in the Palais-Royal and explained clearly all about flying saucers. He understood mechanical things. He would advise me. He was amiable.” Ferlinghetti: “Before I die I’d like to discover another rip-snorter – you know, like Ferlinghetti!” Japan: “Here around Kyoto, the old capital, which sits in a bowl of wooded hills, they have some beautiful little temple shrines in groves, all beautifully kept and as peaceful and lovely. At one of them we were given ceremonial tea – green stuff, quite thick & frothy – and sat on the matting by the open side for a long time looking out at the wonderful landscape of wooded hills.” Love: Cicero noted that an old love pinches like a crab.” Lewis: “Wyndham Lewis wrote ‘Why don’t you stop New Directions, your books are crap.” T. S. Eliot: “In a 1946 letter to Pound, WCW [William Carlos Williams] says that TS Eliot is ‘vaginal stoppage’ and gleet.”

“America”, “Bookselling”, “Elizabeth Bishop”, “Cultural Wasteland: USA”, “Ginsberg”, a reprodução de uma carta de Laughlin para Hemingway de Junho de 1950 e a resposta do escritor, “Herman Hesse”,  “India”, “Jack Kerouac” (também reprodução de uma carta para o editor: “I write intros to each author and my intro to you will be that you are “beat” because you took more chances than any other publisher"), “Joyce”, e por aí adiante, a bater terreno sobre as palavras até chegar o fim.  

No L, de “Lustig”, Laughlin recorda a primeira vez que teve contacto com o trabalho de Alvin Lustig. Foi em Los Angeles, em 1939, quando Lustig tinha 24 anos. Um amigo tinha-lhe dito que ele devia investigar sobre um tipo que andava a fazer umas coisas meio estranhas – “queer things”, dissera-lhe – para capas de livros. Na autobiografia, depois da nota do editor, foram incluídas imagens de algumas capas que Lustig fez para os livros da editora: Illuminations, de Rimbaud, Amerika, de Kafka, The Man Who Died, de D. H. Lawrence, Flowers of Evil, de Baudelaire, e Miss Lonelyhearts, de Nathanael West. A mais conhecida é provavelmente a que fez para o Three Tragedies (1955), do Lorca, de um rigor simbólico e domínio em termos de composição que dizem continuar a servir de inspiração aos designers que trabalham com livros: conjugação de títulos com tamanho reduzido e tipo de letra discreto com elementos desfiliados e emprestados a outros sistemas – assemblage, se quisermos – de modo a conseguir um design minimalista. Quando por aí se julga que o nome dele não se vai aguentar sozinho, comparam-no a Klee, Miró e Rothko.

The Way It Wasn’t, o livro, deu origem depois a um blogue, com o mesmo título e os mesmos conteúdos, tentando fazer uma reprodução o mais fiel possível da autobiografia em papel.

Para uma primeira aproximação àquilo que foi Laughlin, leia-se o que escreveu a Dylan Thomas: “New Directions is the best Publisher for you in America because I fight for my books. None of the big houses will fight for a poet these days.” Para começar, isto serve.

 

Vindicación de la poesía (y de tantas otras cosas)

Fotografia da autoria de César Rina

Fotografia da autoria de César Rina

 

Recuerda que tú existes tan sólo en este libro, 
agradece tu vida a mis fantasmas,

Luis García Montero

Las siguientes reflexiones no me pertenecen. Como todo en esta vida son producto de notas y lecturas, de experiencias y conversaciones. Lo importante de las ideas no son su autoría, sino la movilidad que alcancen y el poso que transmitan. Aprendí lo siguiente de Rilke, Margarit, unos cuantos poemarios subrayados y las lecciones de Luis García Montero.

Creo en la utilidad de la poesía como acto de contestación ante un mundo que no espera. No sólo se trata de un empeño por la belleza. Implica un grado de rebeldía en el momento en que los versos se comprometen con las personas, con sus inquietudes y sus anhelos. Además, la belleza –entendida como perfección- necesita de un tiempo que nuestras calles adolecen. Implica tomarnos en serio, detener el reloj y profundizarnos. Esa búsqueda no es fructífera en las rebajas de los centros comerciales ni en los encuentros de idolatría. Precisan de una intimidad, de una soledad que por sí sola es revolucionaria. Es decir, la poesía como aprendizaje y como terapia. Hemos colmado nuestro espacio de objetos vacíos. Planes y redes que tienen como principal objetivo alejarnos de la soledad, apagar las voces interiores y escondernos de nosotros mismos.
            
Los poemas requieren un arduo proceso de escritura y una especial sensibilidad en la lectura. Para entenderlos hay que esforzarse palabra maldita en la ética del consumismo sin espera. No permite la relajación de los sentidos. Por eso los best sellers colman las estanterías. Uno puede leerlos sin prestar demasiada atención. Renuncian al detalle en aras de la velocidad.

Tampoco son buenos tiempos para los artesanos. La dedicación, la filigrana, han perdido su sentido en nuestro mundo homogéneo. Creo en la victoria de las creaciones lentas y ahí, la poesía, se erige como baluarte de la lentitud. Inventamos la civilización para ganar tiempo. Todos los progresos técnicos nos han permitido ahorrar horas y sin embargo, no conozco a nadie con demasiado tiempo libre. Cuantos más minutos nos regala la ciencia, más tiempo necesitamos en el trabajo o en los transportes.

 La lectura de un poema implica la renuncia del reloj para conseguir un espacio propio, atemporal, de silencio y reflexión. La interpretación viene precedida de un ejercicio e introspección, personal, en el que el abanico de experiencias del lector busca sentido a los versos. Se trata de intensidad. Los poemas no dan la menor tregua a la relajación, contienen la respiración desde la primera palabra. La poesía ha de ser exacta y concisa. Busca la complicidad. No describe historias imaginadas, sino que se sienta tranquilamente con el lector a tomar un café y compartir impresiones a partir de las experiencias personales. No hay mejor manera de combatir un mundo cada vez más conectado y menos relacionado. Un horizonte líquido donde las personas tienen una importancia relativa y están sujetas a los intereses y necesidades de cada momento

 Creo en los poetas porque me han hablado del misterio en un mundo que cada vez cree tener las cosas más claras. Lo incomprensible, lo oculto, es tachado de mitológico. Por estos motivos ha triunfado el consumo de ocio basado en los receptores pasivos, sin tiempo ni ganas para dudar. Los versos dejan intuir horizontes desconocidos que atraen al ser humano capaz de percibirlo. Por ello nuestra felicidad Light, la de las respuestas claras y las sesiones de psiconálisis, ha fabricado una imagen negativa del misterio.

Para escribir poemas se precisan tres elementos claves que me permiten, en la mayoría de los casos, confiar en el emisor. En primer lugar, es necesario vivir intensamente, sentir sin barreras, creer en la importancia de las sensaciones. También se acompaña de un profundo conocimiento de sí mismo, sin más compañía que las voces recriminatorias del silencio. Sólo pueden hacer poesía aquellos que han aprendido a escucharse. Por último, el poeta se vale de otras lecturas para encajar su concepción del mundo en la tradición literaria. Esto evidencia un trabajo previo de lectura y comprensión, sin relojes ni alarmas.

 De entrada, el lector-escritor de poesía no teme adentrarse en un mundo de sensaciones no siempre agradables. Los poemas son siempre el fiel reflejo de lo que uno ha vivido, pensado o entendido. Están íntimamente ligados al amor. Pueden compararse a las cajas negras de los aviones, almacenando todas las experiencias en un pequeño frasco.

 La poesía surge del proceso por el cual una persona profundiza en sí mismo en busca de las palabras clave que transmitan una sensación. Representa palabras sin rostro, un refugio donde el poeta puede explicarse sin dar la cara.
            
Literatura es una palabra latina que significa el arte de escribir y leer. Sin embargo, poeta viene del griego poietés, es decir, el que hace o crea. Este significado no tiene relación con la escritura. La poesía es anterior al texto, ya que su esencia es primitiva. Es una forma de vida, un modelo de comprensión del mundo y del amor –aquella ciudad que uno nunca termina por conocer-. Se puede ser un gran poeta sin haber leído ni escrito nunca un verso. Las librerías están llenas de falsos poetas.

El engranaje de los versos nada tiene que ver con la preparación intelectual o el sistema educativo. Van de lo particular a lo universal. Aluden a sensaciones que sienten por igual todos los seres humanos, independientemente de cuestiones sociales, culturales o económicas. Son más profundos que todos los métodos y teorías. De esta manera la poesía se concibe como un modo de vida más que como un oficio reglado, por más que los malos y ególatras lo nieguen. Mi abuelo, pastor de cabras en las Hurdes de posguerra, analfabeto, recitaba coplillas sin el ánimo de ser escuchado o aplaudido. Sus pareados emergían de las horas de soledad en el monte, y las palabras sólo pretendían ayudarle a conocerse.

Creo en la poesía porque renuncia a la originalidad. Sólo hay novedades en las formas porque el mensaje, como ya hemos mencionado, ataca a los instintos primitivios, obviando su racionalidad. Trabaja con matices para desentrañar problemas que nos afectan a todos. No se trata de una escritura en vertical. Hace referencia al tratamiento personal del mundo con la lengua. La verdad en poesía no es una cuestión de principios, sino de logros. El poema debe ser convincente, capaz de llegar al mayor número de personas posible para construir, entre el lector y el verso, una concepción común.

Creo en la poesía porque siempre es justa. Todos los versos que transforman la percepción del mundo del receptor son buenos. No hay favoritismos ni contratos editoriales. La poesía no se nutre de dinero ni de halagos. Se convierte en realidad en el mismo momento de ser pronunciada. El poeta no habla de lo quiere, sino de lo que necesita decir. Utiliza los versos como válvula de escape, lo que le permite conocerse a sí mismo y navegar con brújula por la memoria.

Creo en los poemas que toman una instantánea perfecta con palabras, en los que fotografían un sin fin de sensaciones, experiencias, sentimientos e intuiciones. El poeta construye un edificio perfecto en la que cada columna es vital para sustentarlo. Pero además, le sirve de comunión íntima, con todo el sentido litúrgico que se quiera. De la nada, como un demiurgo, modela el barro y da vida a lo inerte. Una construcción donde el juego y el azar eligen en cada circunstancia las palabras adecuadas. Esto significa que cada poema tiene su propia dirección, existe antes de ser nombrado y sus caminos son incontrolables.

Por último, defiendo la poesía porque revaloriza los sentimientos en unos tiempos malos para el amor. Los poemas permanecen, anclan las sensaciones en un para siempre que nuestra sociedad líquida no está dispuesta a aceptar. Sometidos al consumo objetos obsoletamente programados, tememos las sensaciones, los esfuerzos y los compromisos que puedan hacernos perder tiempo y dinero.

An Education

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“If you are interested in the world you live in and the way men think and act; if you are interested in finding a purpose in your own working and learning, Black Mountain will attract you.” E depois: “If you are interested in an education which asks the best you have to give; if you are willing to give yourself to education all day every day; if you can put aside preconceived notions of the world and of yourself, you will like Black Mountain.” Lê-se na descrição que introduz os boletins do arquivo online da Universidade de North Carolina (EUA).

O Black Mountain College abriu em Setembro de 1933, num terreno de 700 hectares a 15 km de Asheville, North Carolina, com enormes blocos montanhosos em volta, um salão à beira-rio, casas de madeira aqui e ali, e uma quinta. O edifício principal – Robert E. Lee Hall – funcionava normalmente como centro de conferências, com dormitórios, salas de aula e escritórios, e no pórtico central, cadeiras de baloiço desalinhadas e oito colunas brancas a perder de vista. Naquele ano, excepcionalmente, o espaço fora arrendado por John Andrew Rice, ex-professor no Rollins College (Florida), que, juntamente com outros colegas, decidira abrir um colégio de artes. Era, lembre-se, o ano da nomeação de Hitler, da Grande Depressão nos Estados Unidos, do encerramento da Bauhaus por pressão do regime nazi e da perseguição a artistas e intelectuais europeus: Klee, Nabokov, Thomas Mann, Freud, Weiss, Grosz. Era o ano do Down and Out in Paris and London, de George Orwell, e do Elogio da Sombra, de Tanizaki.

 

Uma outra educação

“We want a student who sees art as neither a beauty shop nor imitation of nature, as more than embellishment and entertainment; but as a spiritual documentation of life; one who sees that real art is essential life and essential life is art.” Josef Albers dava o curso de artes visuais desde 1933, ano em que fora obrigado a deixar a Bauhaus. A vigilância apertava cada vez mais, e a América de então significava liberdade, o estrangeiro transformado em pátria, já que a verdadeira pátria se havia tornado, para todos eles, estrangeira. Com Anni Albers partira, então, para North Carolina, com um convite na algibeira para dar aulas no Black Mountain College, considerado na altura, e tendo em conta o contexto internacional, um autêntico “oásis espiritual”.

Antigos alunos contam que Albers, nas suas aulas, insistia vezes sem conta na importância de olhar para toda a obra humana de um modo amplo, não selectiva ou cronologicamente, para conseguir perceber de que formas as coisas se relacionam e interagem.

De resto, era essa a ideologia do colégio. Rice acreditava numa educação a la John Dewey, o filósofo americano que, na primeira metade do século XX, quis varrer das escolas e faculdades uns quantos dogmas e vender a ideia de uma “nova educação”, a “educação progressiva”, baseada em ideais como o da liberdade e descoberta individuais. Adaptado à realidade do colégio, o modelo traduzir-se-ia em qualquer coisa como: ensino prático e experimental das artes, tidas como prioritárias no currículo, sem testes, créditos e níveis. Quando o aluno se sentisse preparado, submetia-se a uma avaliação. Alunos e professores formavam uma "pequena comunidade cosmopolita", uma espécie de nova civilização convencida da urgência de dar aos seus membros os apetrechos necessários para a vida do admirável mundo novo.

Havia dois cursos que eram sugeridos aos alunos: “Plato I”, dado por Rice, e o de desenho, por Josef Albers. Depois, podiam escolher entre música, literatura, economia, matemática, línguas, história, teatro. Rice costumava dizer que o importante era aquilo que faziam com o que sabiam, pois saber, simplesmente, não era suficiente (“What you do with what you know is the important thing. To know is not enough”).

Depois das aulas (que decorriam em pequenas salas, com cinco, seis alunos por sessão), os alunos trabalhavam. Como as propinas eram pagas consoante o escalão de rendimentos, o colégio não tinha fundos por aí além, e assim as contas ficavam mais ou menos equilibradas. Além disso, era uma forma de eliminar as distinções e esbater as diferenças de classe. As tarefas variavam de dia para dia. Apanhar maçãs e fazer sidra, preparar as mesas para servir o chá, transportar carvão no camião do colégio, um velho Chevrolet, guardar lenha. Instalar sanitas e lavatórios, ajudar o carpinteiro, limpar os terrenos de pastagem, trabalhar no campo, na apanha do milho, na estrada, na floresta.

Dewey, em carta de 1940 a Theodore Dreier, professor e também membro fundador, referia-se ao Black Mountain College como “um exemplo vivo de democracia, e um modelo para a contracultura dos anos 60”.

 

Magical Summer

Em 1948, John Cage visitou o colégio para dar uma série de concertos de peças de Satie, acompanhados de breves palestras. Nas memórias escritas dos antigos alunos, é lembrada a “Defense of Satie”. Cage, na altura, terá dito que Beethoven esteve errado o tempo todo ao julgar que a estrutura musical se baseava na harmonia, e que graças a Webern e Satie esse erro pôde ser corrigido.

Concertos, performances (inclusive uma de Arthur Penn, a partir da peça de Satie, “La piège de Meduse”), palestras, saraus, e um número infindável de encontros com Buckminster Fuller, arquitecto americano, para explorar as múltiplas possibilidades de reinvenção da cúpula geodésica, projecto que o tornaria conhecido. Aconteceu de tudo naquele Verão. Mary Emma Harris, em The Arts at Black Mountain College (1987), afirma que aquele “Verão mágico” de 1948 marcou o fim do reinado dos artistas europeus no colégio e a emancipação dos jovens americanos, que estiveram ali em representação da arte que iria ser produzida nos Estados Unidos durante os próximos vinte e cinco anos.

Cage regressaria mais tarde, em 1952, ano em que compôs a peça 4’33’’, para estrear aquela que dizem ter sido a primeira performance de sempre, numa sala estreita, com janelas a todo o comprimento e uma lareira em pedra escura quase à altura do tecto. “Theatre Piece No. 1”. Cage, de fato preto, falava sobre a relação entre a música e o Budismo Zen, Olson lia, Robert Rauschenberg reproduzia canções da Édith Piaf num fonógrafo, David Tudor ensaiava num piano preparado e Merce Cunningham, dançava, enquanto ao lado, numa tela, era projectado um filme com bebés a chorar e o barulho de cães a ladrar.Tudo isto em simultâneo, e o público em volta.

 

Black Mountain Poets

Ao longo de 24 anos, o colégio funcionou como uma espécie de laboratório avant-garde, que acolheu artistas como: Willem and Elaine de Kooning, Cy Twombly, Jacob Lawrence, Richard Lippold, Kenneth Noland, Ben Shahn, Lyonel Feininger, Ernst Bacon, Béla Bartók, Helen Frankenthaler, Franz Kline, William Carlos Williams, e Charles Olson, um dos editores da Black Mountain Review, revista de poesia, ficção e crítica literária que em 1957 publicou Ginsberg, Kerouac, Philip Whalen, Gary Snyder e excertos do manuscrito de Naked Lunch, do Burroughs. Foi Olson, aliás, que com Robert Creeley, poeta e professor no colégio, e uns quantos americanos do pós-modernismo, formaram o grupo dos Black Mountain Poets, sob influência, diz-se, da Beat Generation.

Huxley também lá esteve, com Gerald Heard, em 1937, um ano depois de ter sido publicado o seu Eyeless in Gaza. Corre por aí que esteve para inscrever o filho lá. Depois foi a vez de Alfred Einstein, que veio com a irmã. Ah! E claro, Henry Miller, que haveria de escrever, anos depois: “From the steps of Black Mountain College in North Carolina one has a view of mountains and forests which makes one dream of Asia” (Black Spring, 1936).

Um verdadeiro rebuliço colégio adentro, que, no entanto, não conseguiu evitar que o número de alunos no colégio foi sendo cada vez menor. As instituições da altura, altamente conservadoras e dispostas a não abandonar os métodos de ensino tradicionais, não quiseram investir um único tostão. Em 1957, já sem dívidas mas incapaz de se aguentar mais tempo, o colégio acabou por fechar.