Primavera Fria - Haikus


Como o amor 
as nuvens —
certeza de precipitação. 

Que sabem as flores 
do vento 
de tempestade? 

Enquanto se espera 
pelo verão 
secam as flores. 

Num canto escuro 
secam as batatas —
batateiras em flor. 

Cheira a madeira 
ferro e terra —
meu esperma imberbe. 

Vazio o regador 
espera 
os dias secos. 

Cresce apenas o silêncio 
e o vazio dos pipos —
aldeia. 

O verde cheiro 
da infância —
chove. 

Torre de Dona Chama, Abril 2019

L,o,r,e,a,l,P,o,r,q,u,e,E,u,M,e,r,e,ç,o,!

 

“Este é o espaço em que deveria colar
  um verso de um grande poeta, certo?
Um de um homem de barba rija para
me levarem a sério, certo?”

                          - Barbara Stronger


Mereço sim! E,u,P,o,s,s,o,T,u,d,o,!. Sob
retudo por ter de aturar o idiota x e y
das 10h às 15h sem respirar. Mereço
porque estou farta de fritos e de copos
amassados com dedos gordurosos.
Depois de muito secar o cabelo e
de esticá-lo na prancha elétrica
,,,,,,,,,,,
 ,,,,,,,,,,
  ,,,,,,,,,
   ,,,,,,,,
   ,,,,,,,
  ,,,,,,
xxx
 ,,,,,
   ,,,, O meu rabo de cavalo fica pronto. 

Pronto para fazer ricochete na cara
de mais algum imbecil que me possa
aparecer pela frente a pedir-me o
número de telemóvel! Não se vê
que sou Lésbica? God sake! E

nisto vem o poeta da esquina dize
r-me que isso de piadas não é belo!
Mas quem foi que disse que eu pro
curo a beleza? Essa gente é cansativa!
Sempre preferi um enorme nariz de
Honoré Daumier a um rabo de David.

Barbara Stronger


Captura de Ecrã (9175).png

Honoré Daumier - “Vista de um atelier”, 1855.


Herbertinhos, 24 de Março de 2015

 

“não, obrigado, estou bem, nada de novo”

      - Herberto Helder  (Servidões)

“ isto de militares custa a distingui-los,
feitos em forma como os galos de Barcelos “

- Eugénio de Andrade

 

Quando morre uma grave ave
há sempre um buraco fundo
um cravado pescoço duro por cobrir
na velha e húmida floresta.
Quem cobre o velho ninho? 

O balcão abriu às 7 horas e já havia
uma fila que dava a volta ao quarteirão.
Todos traziam uma mochila com três
quatro cinco seis livros: Meninos de letras
entre lágrimas e versos decorados em cima do joelho
- era o tempo de tirar a senha e esperar.
Enquanto esperavam sonhavam-se originais
e escreviam poemas com versos com
cabeças tochas casas absolutas. 

Os ingressos foram todos vendidos
e a cidade sem ave tinha agora
mil pedrinhas chocalhando uma
atonal irritação:
Um canto vomitado de uma ave
morta.
E todos eram Felizes!

Ao fundo das escadas um cego de um olho
enrolava beatas e ria-se. Sabia que o
Dilúvio começara e nem tão cedo haveria árvore.

Golconde by Rene Magritte.jpg

Magritte - “Colconda”, 1953.

[Porto, cidade livre de armas nucleares e de chuva radioativa.]

 

Ascensão

1

a Sr.ª Bouvard
decidiu organizar
um festival de poesia
e pediu-nos
um saco de livros
pagamos os portes
e devolvemos
todos os que não forem vendidos
nós dissemos
ok

2

o evento foi um sucesso
um urso foi domesticado
por uma leitura a capella
de The Wasteland
houve fogo-de-artifício vegan
e uma competição
onde os concorrentes
recitavam de memória
poemas de Herberto Helder
enquanto comiam malaguetas
o vencedor
recebeu um voucher
para uma sessão de spa
e foi levado em triunfo
ao hospital mais próximo
tarde demais
lamentou um cronista
no jornal local
só a acção rápida dos bombeiros
impediu
que o fogo alastrasse

3

todos os nossos livros
ficaram por vender
e ainda estamos à espera
que os nos devolvam
no seu lugar veio
uma mensagem
da Sr.ª Bouvard
quase um ano depois
estamos a organizar
um festival de poesia
não nos querem enviar
um saco de livros?

4

o muito aguardado
tomo poético
da Sr.ª Bouvard
viu por fim a luz do dia
causando enorme comoção
entre os guardiães
da Palavra Poética

houve quem rasgasse
a camisa metafórica
e bramasse
aos céus metafóricos
o dia puro e claro
foi defenestrado
ototoi popoi da!
a Palavra Poética
precisa de ser purificada

5

mas o que fazer?
até o coração mais puro
precisa de directrizes

sacrifício humano?

hecatombe?

pelo menos
uma queimada de livros?

os tempos já não estão
para essas coisas
o que importa
é que nos sintamos bem
connosco próprios
decreta o oráculo
com mais seguidores no youtube
e depois ensina
como colorir
dentro das linhas

6

por isso na edição seguinte
do festival de poesia
improvisou-se um altar
e a Sr.ª Bouvard
em vestes de sacerdotisa
presidiu à cerimónia
lendo um poema do seu novo livro

aquele com o verso
tra la spiga e la man qual muro è meso?

no final
houve sessão de autógrafos

Oshiri-san

as tuas coxas nipónicas
convidam ao teu
tori afunilado de bambu

as tuas coxas nipónicas
sugam todo o
vinho doce das vindimas da
minha casa

oshiri-san
o meu mês de outubro foi
muito pouco apropriado
para um rapaz de dezanove anos

ainda nem tinha fermentado o
pó desta terra europeia e sem samurais
e já me queria homem cosmopolita
fluente em kanji
contanto que levasse
bolinhos de bacalhau na lancheira
para o nosso piquenique a dois

agora vejo claramente

o teu funil encharcado 
em todo o seu atrevimento
não era um dorama mexicano -
mas também sempre foi verdade que
o teu abismo e o meu não abismo eram como
dois origamis de tremoços
duas gueixas ao sol