Três poemas de Tiago Dias

Reflexões sobre o pé da bailarina

como pensar no peso
se o movimento encanta
espalha qualquer névoa
nódoa bolha de sangue ?
perto do chão
conseguir-se altivo idílico
como
questionar a dor interpelar o segredo
a alimentar a beleza de carregar o peso
enquanto agrada a multidão
muito mais por aquilo que dela
passa contorcendo-se ?
como
entender o limite equilíbrio
o entre: carregar o peso é dança

Sina de bom moço é colocar bem-me-quer na correnteza

ela estava entre
o entrudo e o carnaval
vendendo seus poemas
pintados no corpo nu
aqueles leitores jamais esqueceriam
do movimento de suas rimas
do verso quebrado em praça pública
da palavra rebolando
para caber na métrica perfeita
e de repente a poesia ganhava
finalmente um sentido social

Breves notas sobre o suor e a palpitação de mais um leitor

oito anos de idade não servem
para uma montanha russa
é preciso mais noites e dias
com oito anos não sabia nada
da noite dormia e sonhava
assim casou-se com um homem
velho quase sem cores e riso
exceto nas madrugadas
em que não se adormecia
controlava-se a respiração
pouco a pouco até que ela
crescesse engolindo a escuridão


[Ver perfil de Tiago Dias aqui]

As Aventuras do Senhor Lourenço (§26 processo disciplinar)

(cont.)

Há uma simetria estranha entre o encontrar-se a si mesmo e o perder-se a si mesmo. Era assim que Lourenço se sentia, nunca soubera tão claramente o que era, mas nunca também desejara tanto desvanecer-se, sumir-se no anonimato mais absoluto, talvez morrendo como um mendigo (a única verdadeira morte pessoal) ou buscando uma ascese incondicional (a ascese é uma forma de se estar morto em vida).

Lourenço, já o disse, não foi a pessoa mais inteligente que conheci, por vezes era mesmo muito lento a perceber as circunstâncias e tinha uma memória bastante fraca. Mas em certos dias, certas horas, certos minutos saíam da sua mente as análises mais lúcidas que jamais ouvi. Por isso, vestia bem pontualmente a máxima de Valéry: “Sabe demasiado para viver.” Faltava-lhe também a confiança ingénua no futuro, no seu futuro, julgava ainda que o essencial estava contra a vida, ela não aceita, com os seus permanentes saltos quânticos, qualquer verdade, uma angustiante efemeridade envolve toda a realidade, não há como fugir-lhe, pensava. Julgo que Lourenço tinha capitulado emocionalmente.

Na escola, depois das respostas ríspidas que deu a colegas e directora, uma paz podre permitia-lhe ficar no seu canto, absorto, lendo um livro qualquer de filosofia. Por vezes conversava comigo e com o Joaquim, formando-se um trio estranho. Mas esses diálogos concorriam com coisas mais interessantes: eu babava-me por uma colega nova de história, com um rabo firme e macio como mármore; Joaquim continuava a sua aventura sexual a troco de se deixar corromper pela teologia (entristecia-me vê-lo assim, mas ele assegurava-me que estava feliz, “camisa lavada, comida em cima da mesa e sexo oral fabuloso!”). Tinha mudado, sim, mas que importa. Antigamente, com uma palavra quebrava o espírito de qualquer um, era duro como um anjo. Mas não era feliz. Agora lançava bons afectos por cima da multidão, relativizava até a maldade do nazismo, tolerava a estupidez dos colegas, o desplante parvo dos alunos..., tinha uma cara sorriso e poucos vestígios restavam da sua maldita halitose.

Lourenço sempre tinha tido uma relação cordial com os alunos. Uma ou outra resposta ríspida, duas ou três expulsões da sala de aula, mas em geral tudo ficava resolvido com uma conversa a sós, no final da aula. Até que uma turma, a parte vital dela, se virou contra ele. A velha vontade de poder a funcionar. O líder começou por pedir-lhe explicações sobre o que tinha realmente feito ao bombista, se era ou não o herói que todos tinham dito ser. Lourenço respondeu que isso não era tema para a aula. Mas o Ricardo insistiu:

– Estamos nos valores éticos, não estamos? Falamos muito do que se deve e não deve fazer, do que é justo e injusto, do bem e do mal, falamos de imperativos categóricos e de carácter. Por isso, o que lhe perguntamos tem tudo a ver com as aulas.

Ricardo era o melhor aluno da turma, mas normalmente submisso, à maneira de um bom caçador de notas. Agora estava diferente, devia sentir-se, por uma qualquer razão, imune.

– Ricardo, volto a dizer que isso não interessa, é do foro privado.

– Não, stor, depois de aparecer em todas as televisões e jornais já é só privado, nós precisamos de saber se o que defende aqui nas aulas orienta a sua sua vida, não queremos mais um São Tomé.

– Não, Ricardo. Isso é do foro privado.

Mas mais alunos, meninas também, voltaram à carga, queriam compreender, por inquietação intelectual ou percebendo que podiam derrotar o professor, pô-lo a tremer, dominá-lo. O tom aumentou de volume. Lourenço, ainda meio estóico, procurou manter a calma. Até que não se conteve e começou a berrar, chamando nomes feios a alunos e pais. Do episódio reteve-se o insulto persistente a “grande parte da comunidade educativa”, a arrogância com que se pôs a salvo das críticas, o descontrolo pedagógico que se criou, como se fosse um principiante. A Direcção não lhe perdoou e pôs-lhe, com uma satisfação indisfarçável, um processo disciplinar. Lourenço corria o risco de ser expulso do ensino. Se isso acontecesse, teria de regressar para casa dos avós e tornar-se pastor, um pastor poeta talvez, prolongando o inimitável Alberto Caeiro.

Entrevista a uma vedeta das redes sociais

Uma frase da série televisiva Girls citada pela vedeta durante a entrevista

Uma frase da série televisiva Girls citada pela vedeta durante a entrevista

Ser vedeta maior dos facebuques não apascenta a alma deste escravo de trabalho que, à custa do par de anos a acartar cadernos de bolso a transbordar de frases enigmáticas, entusiasticamente acolhidas pelo crescente número de amigos e seguidores presentes nas redes sociais, virou manco, incapacitado para qualquer actividade laboral que exija ligar despertador, saltar da cama antes das onze da manhã. O seu destino é a grandeza. Os séculos XV e XVI agora na internet e no Bairro Alto. Facebuques, instagrames e tuíteres eram o trampolim necessário para a sua fama literária mas, emaranhado em frases misteriosas, poemas curtos e intensos e fotografias com filtro, a vedeta ficou presa às redes sociais, e a literatura já não é o seu ponto de chegada. Ainda pensa na escrita, não como algo urgente, a ser conquistado todos os dias, antes como um sonho, uma fantasia de verão, daquelas que se têm ao crepúsculo a trocar ideias com compagnons de route, vulgo amigos de facebuque. Não troca o certo pelo incerto. Dá a vida pelo tuíte perfeito, pelo tom de céu mais azulado que o seu android conseguir apanhar. Esta biografia é simples e brilhante: trinta e tal anos a partilhar tecto com os papás, possuidor de um curso de estudos portugueses genialmente por concluir, autor de várias trocas de contactos com o Instituto Camões que não deram em nada, notabilizado por estrofes e contos publicados em antologias e zines da moda e por uma actividade social intensa, consubstanciada em leituras de poesia e bebedeiras nos bares da capital.

 O talento nasceu consigo ou é fruto do trabalho?

Essa é fácil (abre o caderno com as notas facebuqueiras e respiga uma frase). "Talento é 1% de inspiração e 99% de transpiração.” Thomas Edison. Este cadernito é a minha vida (beija o caderno preto de capa mole, marca moleskine). Demorei anos a construir o muro da minha sabedoria. Anos a coligir e melhorar frases de famosos. A maceira que é juntar uma fotografia de um dia na praia a uma citação de William Shakespeare. As pessoas não fazem ideia, a fama exige muito.

Qual o sentimento de ser famoso nas redes sociais?

 Gratificação. Ver o nosso trabalho reconhecido é... Como diria o meu amigo Séneca, o esforço chama sempre pelos melhores. Nos facebuques não há melhor, cheguei a tão elevado nível de excelência que, postando frases como “Jantei verduras”, amealho nunca menos de duzentos likes. Ora, para quem começou do nada, a comer o pó levantado pelo sucesso dos outros, para quem se iniciou nestas lides com cinquenta amigos e postagens na ordem dos dois likes, não é coisa pouca ser considerado o Cristiano Ronaldo das postagens irónico-sarcásticas pelos melhores críticos.

Que críticos?

O Guerreiro.

O António ?

Outro. 

 De que trabalho mais se orgulha?

Sigo o lema de Confúcio. Escolhe um trabalho de que gostes e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida. Trabalhos não tive, só prazeres. O prazer de que mais me orgulho foi uma fotografia captada na Praça do Comércio. Se bem me lembro (sorriso malandro), a loira que aparece de costas era uma sueca que conheci numa festa Erasmus. Tirar a foto foi fácil, menos fácil foi trabalhá-la, passar das cores naturais ao filtro. Naquele tempo (recuamos a 2012), a tecnologia não era a mesma. Atingir os quinhentos likes, ser considerado genial pela minha amiga Cristininha, receber não sei quantos pedidos de amizade. É para todos? Não. É para mim, que cito Adorno sem ter lido uma linha da sua obra.

Que posição ocupa a literatura na sua vida?

 A literatura portuguesa incomoda-me. Não a leio. Nunca li. Quis ser um escritor americano e ainda não perdi esse sonho, falta-me aprender o inglês ou encontrar um bom tradutor ou até um bom ghost-writer, porque ainda não tive paciência para redigir os grandes romances que tenho idealizados (e não são poucos). “Não desesperes, nem sequer pelo facto de não desesperares. Quando já tudo parece ter acabado, novas forças surgem em marcha, e isso significa precisamente que estás vivo.” Quem o disse? Kafka. Enquanto não sou o tal escritor americano, contento-me com a glória nas redes sociais. Tenho um pombo na mão. É melhor do que dois a voar. Antes genial para o Américo do que um anónimo a flutuar num mar desconhecido.

Lê?

Se leio. Como responderia aos comentários dos meus seguidores se não os lesse? (intrigado). Ler livros? (coça a nuca). Ler é sobrevalorizado. Está tudo no facebuque e quem tem google, como dizer, googla, e quem googla, ora bem, é como olhar para a Terra a partir da Lua, vê-se tudo. Poemas, disso leio muito, não que goste. Mas para ser é preciso parecer.

Muitos escritores se debruçam sobre a dor causada pela reescrita. Que tem a dizer sobre isso?

Reescrever. Doloroso. Seria bom que cada postagem minha saísse bem à primeira. Infelizmente, os likes não vêm com primeiras versões. É preciso melhorar e melhorar e melhorar. Em termos literários, não reescrevo pelo simples motivo de não ter escrito. O que de meu saiu em papel foi vomitado, cuspido, esculpido pela sola do sapato. O mundo é complexo. Já ouviu falar da teoria da complexidade de Edgar Morin? (Digo que não). É melhor nem falar disso, ficaríamos aqui a noite inteira e, como sabe, as noites fizeram-se para amar.

Qual a sua opinião sobre Lobo Antunes?

Nunca li. Mas chato.

Diga-me, há pessoa que admire?

Havia. O César. Grande poeta, enorme leitor de poesia. Beberrão. Perdi-lhe o amor quando o apanhei a despejar cerveja no urinol durante a apresentação do livro do Carlos. Sacrilégio. Deitar cerveja fora. Por tudo o que é mais sagrado. Faço minhas as palavras de uma filósofa recente, de seu nome Lykke Li: never gonna love again.

Quais os seus planos para o futuro?

É longo o caminho que vai do projecto à coisa. Molière. Pretendo consolidar a minha glória cibernética, conhecer umas ninfas, morar em Lisboa, arranjar um tacho num jornal a cozinhar recensões, fundar mais umas zines, organizar uma exposição em que se misture versos da minha autoria com obras de artistas plásticos emergentes, ganhar um desses prémios literários atribuídos a tipos que nem assinar o nome sabem, entrar no Lux sem pagar. 

Incipere mori (do livro inédito e inacabado)

11.

uma mulher constrói o seu próprio rosto. a pele espessa corrói-lhe a ponta dos dedos. ou talvez tenha sido do fogo.

(afinal esta é outra história).

a mulher reconstrói o rosto devorado pelo fogo. carrega a desfiguração do mundo. um mundo amedrontado. entre pinceladas o fogo arde calcinando a penumbra que a cobre. coloca o corpo num mastro para se ver a arder numa morte calma e definitiva e sem mistérios.

 

12.

poderia começar por dizer que o teu cabelo é o lugar onde os pássaros pernoitam, mas não digo. ou então, poderia dizer que o teu corpo na plenitude da nudez é o espaço onde os homens se escondem, mas não digo. ou então, poderia dizer que a tua voz em forma de palavras é a verbalização de todos os pecados, mas não digo. ou então, poderia dizer que a tua pele de uma textura gasta, de aspecto doente é o inóspito da pedra, mas não digo. ou então, poderia dizer que os teus gestos vagarosos são angelicais na sua simplicidade humana, mas não digo. ou então, poderia dizer que todo este gesto é homenagem simples ao corpo imóvel que está sentado diante de mim na esplanada e que não conheço e és a estória inventada da minha memória e dos destroços que a tua imagem causou com a sua presença.

 

13.

acordas e és a imagem doentia do espelho. lugar de avesso que mostra a direcção exacta da sombra. colocas a roupa sobre o corpo, passas os dedos molhados pelos olhos, e sais. arrastas-te pelas ruas carregando o próprio espectro. deitas-te num banco de jardim debaixo de uma árvore de pouca luz, de ramos decepados. escondes o corpo na sombra e esperas. esperas que a morte seja uma realidade contínua.

 

14.

o corpo movimenta-se ao ritmo do vento. bate contra o vidro como se de um insecto se tratasse. ritual de construção do tempo. espécie de dança para a transformação. desenhos traçados sobre a pele como forma de adormecer a luz.

exausta cai sobre o vidro. um desmoronamento. depois, são-lhe retirados um a um os micro-pedaços sepultados no corpo.

percebemos agora a edificação labiríntica dos desenhos traçados na pele.

deitada, acaba por adormecer para a construção de uma morte imaginária. é a invenção da palavra que prolonga o seu renascimento. o nascer luzidio da música. uma música sem voz. plenitude do silêncio onde tudo se repercute.

o corpo coberto pelos minerais levanta-se novamente para a dança.

recomeça assim o ritual da tua morte. feridas abertas na plenitude do êxtase. 

Ir pensando sobre o fim do mundo

“porque, do vinho da sua luxúria, se embriagaram todas as nações; prostituíram-se com ela os reis da terra e, com o seu luxo despudorado, enriqueceram os comerciantes do mundo.”

Livro do Apocalipse, 18-3.

O primeiro texto de ficção conhecido, a epopeia mesopotâmica de Gilgamesh, contém a narração de um dilúvio devastador, inspirando provavelmente o Bíblico. Depois disso, quase todas as culturas e religiões, das mitologias escandinavas ao islão, escreveram a sua versão do fim do mundo. O homem é uma animal escatológico, vive na, e da, vertigem do Fim.

Talvez a esperança, como queria um lenda grega, ficasse na Caixa de Pandora por ser o pior de todos os males, talvez não se possa beber uma cerveja no Inferno nem jogar xadrez no Céu.

Numa certa perspectiva, a apocalipse não passa de uma impostura, mas mantém aceso o prolongamento, e até o desenvolvimento, até à plenitude por vezes, do sentido. Quando o mundo morrer, nada restará, daí que a filosofia nos deva preparar para a sua morte, estará aqui a nova grande condição de possibilidade ética (tudo o que escolhemos fazer só ganha verdadeiro significado confrontado com a morte do mundo, o mal está em precipitar esse fim, o bem em adiá-lo). Mesmo considerando que na sua matriz originária, ainda viva, a narrativa apocalíptica contém uma ambivalência irredutível: devastação absoluta ou transição final para uma realidade melhor, muito melhor (Paraíso).

Os progressistas (que se resumem alegremente como estando no lado certo da história, sem impurezas para extirpar) não acreditam no Fim, o progresso é infinito e vai esmagando todos os problemas que aparecem. Os conservadores (outro chapéu-de-chuva semântico bastante largo), por seu turno, não acreditam no Hoje, quando mais no Amanhã, desejam a permanência num passado mítico. Finalmente, os pessimistas, esses militantes do pior, crêem que haverá um fim efectivo, porque nem o tempo nem a esperança são infinitos. Vão-se, portanto, preparando para o apagão definitivo, fechando parcelas de luzes, trazendo pedaços de obscuridade às festas luminosas dos optimistas, consolidando a escuridão onde vivem.

Não há apocalipse sem hermenêutica, ela requer a descoberta de sinais precursores do Fim. Mas a hermenêutica vive, tensa, entre o certo e o errado, os signos com que desenha a realidade são somente uma aposta. De qualquer forma, prefere arriscar no trágico, tanto mais que os pequenos acontecimentos do quotidiano ganham assim significado. O arco hermenêutico é, porém, vasto, vai da ciência à religião. Quando sacamos dos óculos teológicos (mais vezes do que julgamos) amplificamos as catástrofes e vemo-las como anúncios messiânicos.

Muitos asseguram que o profeta apocalíptico está no pior de dois mundos: por enquanto, apesar do esforço hermenêutico, não tem razão, sujeitando-se ao ridículo. Quando o futuro lhe der finalmente razão, em princípio deixará de estar cá para se vingar dos incrédulos (embora alguns apocalípticos acreditem que uma imunidade especial lhes está reservada, nascendo para a Vida depois do cataclismo). Mas convenhamos que têm algum conforto nesta época bem menos optimista do que o século xx (entrecortado pelo pior niilismo das guerras totais, os opostos unem-se): terrorismo global, aquecimento global, migrações massivas, crises económicas e sociais, esgotamento dos recursos naturais...

Os pessimistas, esses que não acreditam na redenção, herdeiros do velho estoicismo, deslizam para um hedonismo cínico ao pensarem que tudo podia ser pior, aliás, que tudo vai ser pior. Os optimistas, quando não são totalmente ingénuos, conhecem alguns problemas graves que governam o mundo, mas acreditam no futuro, e os bloqueios reais à felicidade que vão aparecendo aceleram a sua urgência de prazer, de estarem, pelo menos agora, radiantes.

No Ocidente, o poder actual da ciência permite conjurar cada vez mais a apocalipse, as narrativas que a mantêm viva (quando, em contradição, parecem ganhar intensidade no islão radical). Paradoxalmente, vivemos como nunca sujeitos à sua vinda pela via da catástrofe ambiental. E aqui não há qualquer solução messiânica. O Antropoceno marca (finalmente?) o domínio absoluto do ser humano, a sua actividade é agora a principal força física no planeta. Nada está isento da nossa pegada. Aprendemos enfim, mas de outra perspectiva, como diz Bruno Latour, que a Terra é redonda, o que se faz num sítio e num tempo reflecte-se, como um eco mortífero, nos outros sítios e tempos. Assim, ameaçada na sua totalidade, a humanidade só poderá salvar-se também na sua totalidade. Ou então talvez possamos rever Melancholia de Lars von Trier, ler Hans Jonas, Rodrigo Fresán (o fim do mundo durará o tempo de um SMS idiota), talvez só a arte, como queria Nietzsche, e a filosofia tenham agora o poder de redimir.