Nasci para ser crente

"Não voltes para casa", li a mensagem num balneário, rodeado de homens nus, cansados e felizes por terem abatido umas centenas de calorias a pontapear uma bola. Ainda gargalhei com as anedotas daqueles jagunços, com a entufada confissão de um quarentão que pela primeira vez na vida se encontrava a ler um livro, e logo um de dificuldade máxima,  Anita nos Açores. Ri até quando o Crispim apontou para o pénis do Margaça bradando: "Que portentoso dedal." Mas estava arrasado. Comemos bifanas e bebemos imperiais  e gozámos com as barrigas de uns e com as carecas de outros numa tasca dos subúrbios. Fartinhos, todos fartinhos das mulheres, largámos repetidas imprecações contra elas: tão acabadas e varicosas e feias e balofas e viciadas em telenovelas brasileiras e sexo uma vez por trimestre e seguindo a posição que menos indispunha o Senhor. Cada um deles ia-se desprendendo do balcão à medida que o telefone exprimia o ansioso descontentamento da patroa. "Combina-se para a semana que vem", dizia-se. Despachava-se a malta com frases de incentivo, tais como vê lá se para a semana movimentas melhor as tábuas ou pareces um cavalinho a saltar dentro de campo ou mais pareces uma puta do que um guarda-redes. Poderia ter seguido o método do Carlos, que gasta o ordenado com a mulher mas mantém o vigor com a Ana, com a Cristina, com a Rute, com a Raquel e com qualquer empregadeca que decida contratar para o seu café. Fui-me deixando levar pelas circunstâncias. Dar o braço a torcer uma, duas vezes, partir o braço de tanto torcer. A esposa esmifrou-me. Acumulei sémen até ao pescoço. Naquela noite pernoitei no bar, mofei a atirar ao ar cascas de tremoço e a empinar garrafas de cerveja e a meditar sobre a minha condição de homem casado sem sítio onde dormir. Olhei vezes sem conta para o telemóvel, tentando descortinar o significado de "não voltes para casa". Homem novo na costa? Mais um cão? Veneno da sogra contra mim? Não me atrevi a voltar para casa. Conhecendo-a de ginjeira, o mais certo seria levar com um martelo na testa se me atrevesse sequer a rodar a chave na fechadura. Nasci para ser crente. Já acreditei em Deus, no álcool, nas mulheres, nas crianças e nos animais. Acreditei até no poder do nada. Nesta fase em que me encontro, acredito em bares de alterne. Não me orgulho de ser quem sou. Quando o senhor prior me pousava a santa hóstia na língua, julgava que me salvaria, que teria um bom emprego, uma boa mulher. Agora acredito que não definharei se abocanhar ao mesmo tempo as duas mamocas da Shirley.