“a melodia do olho”

nicholas ray fazendo a barba com barbeador elétrico
na cama com a bunda de fora
na limousine vestido de paletó e gravata
nicholas ray tossindo no silêncio da noite
nicholas ray calado no cinema durante dez anos
nicholas ray morrendo de câncer
e fumando diante das câmeras
nicholas ray o sujeito que escreveu
experimentar a morte sem morrer
me parecia um objetivo natural

nicholas ray cujas imagens
da errância revelam por um instante
à razão de 24 fotogramas por segundo
quantos passos em chamas uma existência
caminha ao longo de uma vida
nicholas ray fazendo da ordem
"go ahead, cut"
suas últimas palavras
o gesto poético derradeiro
de quem sempre doou ao mundo
a melodia incerta e certeira
de seu único olho nicholas ray
um homem que sempre filmou
à altura da vida
e que se deixou filmar
à altura da morte