Notas sobre o real

Professora bem instalada no mundo académico (vide as pernas varicosas, o perfume de mau gosto e a roupa formal que os anos oitenta não souberam reter) assiste a palestra jogando uma espécie de tetris para o século XXI num ipad.

O director do centro de estudos literários aterra com a testa no tampo da secretária, não resistindo ao garrote infligido pela gravata. Sonhando com a ascensão social, os professores presentes na reunião demoram a acudir o desmaiado.

O grande especialista em cinema contemporâneo desfila com uma echarpe do preço de um T-0 na Costa da Caparica, deixando entranhada na casa de banho uma grotesca fragrância de fezes.

O melhor aluno do curso cantava e dançava numa boy band e lia Paulo Coelho e ainda massajava as costas da professora de história dos descobrimentos.

O professor mais respeitado da faculdade não lava as mãos depois de sacudir as gotas de urina do pénis. 

Para detectar o carteirista disfarçado de turista basta olhar-lhe para as mãos. A alma do ladrão reside nas manápulas tatuadas. 

A pessoa que em Portugal mais escreveu sobre uma obra de Foster Wallace não leu mais do que duas páginas dessa mesma obra. Assim vive um país, ignorando.

Constituíram um grupo de estudos, organizaram o colóquio, candidataram-se a financiamento para publicação das actas do dito colóquio. O dinheiro ganho foi desbaratado num hotel, jantando e bebendo whisky. O livro não chegou a sair. 

Mais de metade das pessoas presentes na palestra sobre o monarca assassinado adormeceu. Dormir de olhos abertos é a sesta dos académicos.

A professora doutora leva com vários "acorda" no ouvido mas, como esse ouvido é o mais afectado por AVC recente, a excelsa académica não deixa de roncar.