Eu falo para aqueles que correm de seus corações numa tarde de sol

Numa esquina você espera o ônibus
bem na frente do ponto de ônibus
bem na frente de um terreno
um terreno do tamanho da sua mão fechada
mas o terreno é um campo aberto
bem aberto, bem mais que seus dentes
bem mais que a justificação da caminhada
talvez até mais impenetrável que suas unhas

mas seria imponderável calcular um momento ou o todo
ao redor. seria pesado, do tamanho de um olhar que a gente
nunca quer ter.

eu falo para aqueles que correm de seus corações numa tarde de sol
e levam no bolso o passe do ônibus com todos os créditos
eu falo para aqueles que correm descalços pelo asfalto das ruas desossadas
e desatentos não tropeçam nos buracos

eu esfolo os olhos numa tentativa de fala
mas nada
nada
nada
parece alcançar a pequenez necessária
que se deve ter para que escutem a pele

eu falo para aqueles que subiram em suas cabeças e viram de lá
que o mergulho é algo que inunda
e corro atordoado por tantos muros
atento a tantas cercas
e falo para aqueles que ainda correm
falo correndo para aqueles que ainda estão

eu levo no bolso um peito aberto
um rebento
um sopro
uma barragem estourada

e agora te vejo ai
e te aviso:
teu ônibus vem,
mas demora. Os teus pés não precisam da espera, porque são asas.