Amante à moda Antífona; Uma visita; Mãe; Fibra; Cinemascope

AMANTE À MODA ANTÍFONA

queria um perfume de longe
deu-lhe um atavio encarnado
pediu um ônix
trouxe-lhe as minúcias de um salmo
esperava um paiol
entregou-lhe um feixe de blandícia
sugeriu um cruzeiro
deu-lhe o eclipse
pediu um carro zero
deu-lhe uma safra inteira de sigilo



UMA VISITA

O ourives - vir de tão
longe - no centro da sala
despliega um céu de
rubro terciopelo e
a mãe em seus vestidos de
beleza simples não
escolher nenhuma
estrela



MÃE

estranho só agora
posso medir esse tempo em
que vivemos chamando um
pelo outro - aquela perenidade
menor a cada dia


FIBRA

Arranca do corpo a
camisa listrada levemente
defumada de suor e salga
Nas ranhuras da pedra
água e detritos de um
sabão de cor azul - 
tempo inestimável
Até prender-se à grade
da janela deixando que
a gravidade e o vento
refaçam esse afinco: arrancar
fio por
fio
a memória dura de esvair-se


CINEMASCOPE

Longe, sob a luz do deserto, move-se um coágulo mínimo de poeira, até então imperceptível e que, através de um raro concerto de intuição e estratégia, o protagonista - único ser que o distingue, tem certeza tratar-se de um desafeto.
Desvencilhado agora da indeterminação e da interferência difusa das imediações, esse ponto já se encontra sob a mira de um rifle prestes a alvejá-lo. E após um silêncio mais denso, tudo se resolve num só estampido que o eco se encarrega de multiplicar pelas entranhas do canyon.
Aos poucos a música retorna, enquanto ao longe o vulto se contorce fulminado por esse único projétil que atravessou a pradaria e foi se alojar num ponto vital.
Feito o acerto, o protagonista retorna ao lugarejo, onde passará agora a demonstrar sua destreza em planos mais fechados.