Da ausência dos passos na areia

para o Filipe Marques, com admiração e amizade

 

I. 

no alto do estio
a flor abre-se ao apelo
da voz, no topo do insondável. 
visitará de novo a onda
o seu navio, no casco golpeará 
o poema dos marinheiros. 

 

II. 

a ilha de Pharos é um promontório
sagrado, na nossa casa onde deus dorme. 
seguirei os passos do frio rumo
às estrelas pendentes no dorso
de alguém triunfando sobre a eternidade. 
e de noite o meu coração
é recortado no interior de uma vala
desocupada. 

 

III. 

colossal, as colunas
deitam fumo nas horas
declinantes da madrugada. 
um suspiro poderia
retê-las, dar-lhes força -  
silenciá-las. 

deita-te de ti para mim
diz a ousadia do primeiro
verbo, a chama
textual. 
também os pássaros sabem
o nosso futuro, a separação
de mim para ti

IV. 

e a maré pensará voltar
nos braços dos cabelos e da nudez. 
a morte é uma suspeita
que apalpa o tempo, 
desfazendo-o. 

só nós, os inclementes, saboreamos
a terra, 
o terremoto do poeta a casa especial
um messias perdido na voragem
dos sulcos
da sua vinha.  

- o sangue embalsamado – 

V. 

é o tempo contínuo
que liquida
as suas escolhas. 
fomos expulsos, dizias. 
fomos traídos, 
eu sei. 
a idade mais longe poupar-nos-á. 
um silêncio desperta
nos ramos e na pedra. 

VI. 

abrimos a morte com as mãos  
da noite. 
as sete palavras já foram anunciadas? 
a carne palpita desde o alto? 
cheiro a giesta quando sou homem

navego nos lírios na ausência
de deus, 
uma palavra sólida.

Dezembro de 2016