Manoel de Barros e a Poesia Cínica: o novo livro de Patrícia Lino

É uma grande alegria para nós deixar aqui esta recomendação: a nossa colaboradora regular, Patrícia Lino, acaba de publicar Manoel de Barros e a Poesia Cínica: o Círculo dos Três Movimentos com Vista ao Homem-árvore, uma proposta de interpretação para um novo modo de ler um dos poetas maiores do Brasil. O livro está disponível para ser encomendado pelo site da Relicário Edições, aqui.

Pela nossa parte deixamos aqui a capa e um excerto do prefácio de Pedro Eiras e Joana Matos Frias. Muitos parabéns, querida Patrícia!

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Desconversa preliminar (Pequeno excerto)

Joana Matos Frias & Pedro Eiras

 

À segunda vez que se nasce, assiste-se ao próprio nascimento

 

Almada Negreiros, Nome de Guerra

 

 

– Queres começar?

– Ah, os gravadores, as máquinas…

– As máquinas condicionam-nos…

– Não há coisa pior para travar o discurso…

– O que é que nós queremos dizer? Que é absolutamente espectacular o livro da Patrícia. Basicamente é isso, não é?

– É. Pronto, já chega, podemos desligar… (risos) E é espectacular porquê? É espectacular porque é autobiográfico, porque é muito a Patrícia.

– Isso é muito coerente com o que é o projecto autoral Patrícia Lino, nas suas diversas manifestações. Porque tudo o que ela tem feito é sempre autobiográfico, muito sólido, tudo se intersecta com tudo, às vezes sob uma capa de coisas diversificadas na sua aparência.

– Faz parte de um todo, não é um objecto absolutamente fechado, porque vem de toda a experiência da autora, de todas as leituras e pesquisas anteriores, e depois continua a cair e a enraizar e a crescer outra vez, à imagem daquele percurso quase iniciático do Bernardo da Mata…

– O homem-árvore…

– Isso fascina-me muito no livro, o facto de ele construir uma narrativa nada óbvia, que não estava pré-definida, que não estava forçosamente ao dispor de todos os leitores; a Patrícia descreve a poesia a partir de um percurso de amadurecimento, com uma enorme ousadia. O que está longe de ser óbvio para a leitura de um objecto lírico, que nós costumamos pensar isolado do tempo…

– E a que ela dá uma historicidade, sobretudo dá uma historicidade que é imprevisível, e que, do ponto de vista biográfico, como nós sabemos, lhe permitiu conciliar uma formação clássica com aquilo que depois é a sua paixão talvez mais recente, mais de juventude, pela literatura brasileira, em particular por uma certa poesia brasileira, e isso é bastante surpreendente na aproximação a um objecto como a obra de Manoel de Barros, que tem sido submetida a muitos lugares-comuns em termos de análise crítica.

– A Patrícia faz tudo isso sem violência nenhuma, o que é espantoso. Porque de repente temos Diógenes a dialogar com Manoel de Barros – e vice-versa… Ir convocar uma figura arquetípica do pensamento, da cultura, entre gregos e romanos, para ler um poeta contemporâneo, já tem sido feito. Agora, conseguir que eles estejam em perfeita sintonia, e que esses 2500 anos de distância desapareçam, porque os autores se tornam contemporâneos um do outro, é espantoso.

– Sobretudo porque não é aquele tipo de comparatismo fácil que acaba por submeter a leitura de uma obra contemporânea a uma perspectiva historicista (aliás, a Patrícia cita esse famoso verso do Carlos Drummond de Andrade em que ele confessa estar «atrasadís­simo nos gregos»). Mas o que ela faz é uma coisa muito mais natural, que é fazer parecer incontornável que uma certa inclinação na obra do Manoel de Barros seja lida à luz desse kinismo – para utilizar o termo que a Patrícia resgata –, à luz desse kinismo de raízes tão ancestrais na nossa cultura ocidental. E isso de repente é como se fosse absolutamente natural, não tem nada de forçado, não tem nada de historicista, não tem nada de desfasado no tempo, não há décalage, é como se aquela leitura fosse quase obrigatória (apesar de tão inovadora e tão surpreendente).