Que máscara?

Qual máscara   diz ele   tem a voz enevoada

caem lágrimas da espada   roja-se no chão

contorce-se num palco   esfrega as esferas

e logo assoma de um asilo de menores

e oferece-se para encher uma pequena chama

visto a máscara   diz ela   confiante

todo o azul está no tecido   toda a tragédia

viveu num tempo em que já ninguém se amava

e continuava contigente   implícita   hiante

e ele dizia-lhe   despe-te   mas não tires

não a tires   suplicava   que dizes

ela olhava-o confiante tinha tido na mão

outas esferas   outros cristais   sabia   bem sabia

que cedo ou tarde as cortinas haviam de ceder

que dizes   queres   queres que não me dispa   mas

e acrescentou a última palavra como se

com se de um poema se tratasse   mas

então não me queres ver os lábios e ele

convocou a noite   esconjurou a neve

e rastejou até um pequeno buraco   que máscara

e entretanto como sempre acontece quando

os comboios se completam ou as locomotivas

ela achou que era tempo de parar com as charadas

foi fazer-se em aço e deixou que as grades

que as rodas de metal lhe contornassem as costas

como quando aquele jovem com ela jovem

percorria as costas do seu corpo com um dedo

com um dedo só que escorregava demasiado

que máscara   pensava ela   ou estamos sós

ou tudo não passa destes lábios que não vejo

e ele olhando   vendo nela a contorção das esferas

não tem já coragem fica a provar o chão

já ninguém se amava já ninguém se tocava

que máscara   estava ela lá dentro   rebuscada

peca   manca   ouviam-se tantas ao mesmo tempo

tantas aves a fazerem sombra   que máscara

que ruído   espera-me sentada   e ela a sós

com um certo juízo de si encafuava-se

num embrulho de papel e num instante

alguém tinha já desertado   a estação ficou cheia

de pouca gente   tinha um aspecto vivido

e uma janela   ou seria uma pomba   assomava

e dizia quando farás de mim um homem

que máscara   diz ela enquanto recordava

os lençóis que estranhou não terem sangue

que máscara   diz ele   a quem nunca pesaram

as palavras   as rasgadas   como os vestidos

que transpiram o teu rosto   e ela   e ela

que diz ela   não a ouço   esteve na minha cama

na altura ainda havia tecto   eu olhei para ele

ela olhou para ele   trocámos de posição mas ficámos

sempre em cima um do outro   que lhe dirá

à noite quando se vestem de lençóis brancos

devem pensar   que máscara   que máscara

poderás tu vestir   dizem um ao outro

e tu só tens um pensamento na cabeça

não a tires   não a tires   não a rompas   deixa-a posta

não quero ver o que os teus lábios dizem.