Finados

Não me lembro mais dos teus olhos.

Isto é – me lembro sim, mas não daqueles
em que suponho (não me lembro) eu me queimava
quando a gente tomava chá:
mas só dos outros.

Um, dois milímetros de fresta (eu lembro bem)
donde saía uma luz fosca
que não chegava a iluminar a cara, isso não, imagina
mas que dava ao corpo todo
(ao corpo e às mãos, sim, sobretudo às mãos)
um halo mais solene
uma materialidade imaterial.

Das mãos me lembro bem, das últimas e das penúltimas,
pois quando entrava no teu quarto
ali pelas catorze
eram elas que me estendias, “Filho, és tu?”, ainda sonolento
na menção de me abraçar.

Sempre acordaste tarde, sempre foste um escândalo.
Hoje eu aqui leio o teu nome sobre o mármor
e é vento num cipreste
e um cão mija no além
mas dos teus olhos (não das mãos, das mãos absolutamente)
eu não me lembro nem a pau;
eu não me escandalizo.

(Quando ventava no cipreste
e um cão mijando não morreu
notei que algo se revelava
e estava a ponto de entregar-se
mas teus olhos se interpuseram.)

É tarde.

“Moço, moço!”

Acho que vão fechar o estabelecimento.

“Moço, ei!”

E um sino deu as vésperas e o sol sumiu e eu obstinadamente não me lembrei
[dos teus olhos.