ENQUANTO PAULINHO NOGUEIRA TOCA A ÁRIA NA QUARTA CORDA DE JOHANN SEBASTIAN BACH

          para a Violeta

         

Tornam-se vãos e violam-me 
os passos da vizinha apressada, pisoteando
as escadarias, tal como os avisos pontuais
da homilia que dentro em breve se inicia.

Fecho a porta ao mundo, em doce espanto,
por saber que ele toca em torno de um ré maior
que só existe na medida em que eu o escuto.

Toco com ele e voo e soo e invento
serem os meus cabelos a exacta extensão
desta pauta, dos arpejos, das suas mãos.

O meu corpo transforma-se numa caixa 
de ressonâncias, num livro onde se encontram
inscritos os mais belos enigmas 
pitagóricos.

Assim é, assim será, para sempre,
cada vez que repetir no parco espaço
deste quarto, estes pouco mais 
de três minutos

em que me faço viola, caixa, cordas 
e braço.