11 Perguntas sobre a internet

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Montaigne dizia, nos alvores do cansaço civilizacional ocidental (talvez ele tenha reinventado o niilismo produtivo, depois do grande cepticismo grego, que estranhamente não foi incorporado por Roma, porventura devido à sua gigantesca aposta na ética estóica), que não fazemos mais do que nos entre-glosar (já que interpretamos mais as interpretações do que as coisas, escrevemos mais sobre livros do que sobre outros temas).

Na era da Web2, da sagração da internet, parece haver ainda mais sobre-sentido, nada, ou quase nada, carece de explicação (pensar a sua qualidade é outra coisa). Usada por 40% da população mundial, a internet parece conter todas as ideias possíveis sobre todas as coisas, reais ou imaginárias, passadas ou futuras. Googlem qualquer assunto, por mais excêntrico que seja, e verão que numa fracção de segundos obtêm uma biblioteca disposta a ser imediatamente consultada. Glosando Walter Benjamin, trata-se, pois, de pensar a informação, os discursos de sentido, nos diferentes suportes, na era da Web2 (parece que a 3 se fará em torno de algoritmos que escapam a quase todo o humano, mas era previsível que a internet viesse a prescindir da nossa supervisão), de investigar como isso mudou mais o mundo do que qualquer outra revolução, política, tecnológica ou económica, antes dela. E mudar o mundo é mudar o homem, trata-se talvez desse sobre-homem de que falava Nietzsche, não mais energético e eticamente sobredotado, à maneira de um Superman, mas de um outro homem.

Portanto, o que direi, e disse, aqui é somente um exercício de glosa; socorrendo-me de Dostoïevski, mutatis mutandis, eu sou glosador e o mais glosador de todos. Por isso, se encontrarem na análise que vou fazer o pecado da paráfrase, julguem-me sabendo qual é a minha, e a vossa, condição.

Perguntas sobre a internet:

1- Espaço de subversão ou de normalização? A massificação traz sempre a mediania, a maioria torna-se dominante e, portanto, normalizadora. A partir daí impõe uma racionalização e um controlo sobre, justamente, os que a querem subverter, no interior (super-progressistas) ou exterior (super-conservadores).

2- Saberá a Google mais acerca de nós do que nós mesmos? Talvez, ela trata mais, e mais rapidamente, informação sobre mim do que eu próprio. Mas, vantagem que pode desaparecer em breve, ela ainda não reconhece muitas mentiras, por exemplo, ainda a posso levar a “pensar” que sou genial.

3- Se 80% do tráfico é gerado por 0,3% do conteúdo, não estaremos a andar em círculo? Há essa possibilidade, há muito “déjà vue”, reinvenções da roda na internet. Mas acredito em bolsas de criatividade, desde que não haja adição à popularidade.

4- O novo pensamento dominante é a primeira página do Google? Em muitos casos, sim. Mas há quem não ligue, os outros arranjariam sempre uma forma de se juntarem ao rebanho.

5- Os justiceiros da Web (“piratas”) são o metrónomo moral que devemos seguir? Nalguns casos, noutros são meros buscadores de fama ou de proveitos materiais. Aliás, é bom que não haja santos na internet (já chegam os analógicos para as festas de Verão), vive-se bem melhor ao pé dos impuros.

6- Estará a internet no centro do processo democrático tradicional? Ela não é um média como os outros, muito mais se podem exprimir, o anonimato promove a participação e a sinceridade das opiniões. Neste sentido, é menos um campo da democracia participativa (onde quase sempre os mesmos têm a palavra) e mais um espaço de igualdade e de democracia directa.

7- Pode a internet aumentar a transparência governativa? Devia, mas os políticos parecem evitar, ou retardar, esse desconforto.

8- Estará a internet a promover novas formas de elitismo? Talvez, há ferramentas e procedimentos que só alguns dominam. Todavia, quase tudo parece acessível, os níveis de dificuldade são sempre esbatidos pelos inúmeros tutorials que originalmente ou pouco depois editam os mais variados tipos de “livros de instruções”.

9- Poder-se-á salvar o mundo vendo vídeos de gatos? Esta frase pode rapidamente passar a sintagma conceptual, quer pelo número elevado, e crescente, de pessoas que vê esses vídeos, inclusivamente eu, quer porque designa uma nova forma de alienação fácil de usar (à semelhança de “A religião é o ópio do povo”). Porém, creio que é possível deleitarmo-nos com os malabarismos dos felídeos e ao mesmo tempo sentirmo-nos inspirados a agir contra uma qualquer injustiça ou a desenvolver fragmentos de beleza. Nem todo o lúdico é anestesiante.

10- A internet altera a nossa identidade, auto-identidade e auto-estima? Bem, a não ser que digamos banalidades ou tenhamos um discurso tão esotérico que se torna incompreensível, arriscamos o “não gosto”, de polegar para baixo ou em discurso verbal ofensivo. Na internet pululam os profissionais do ressentimento, e mais tarde ou mais cedo atacam, em alcateia, tudo o que mostre alguma positividade. Daí que alguns possam começar a duvidar da sua inteligência e integridade ética.

11- A internet instituiu uma nova economia da visibilidade? Talvez, mas analisada a questão com mais cuidado, creio que se mantêm as condições ancestrais: erotismo, anormalidade, maledicência, extraordinaridade..., isto é, o velho critério dos extremos e da sexualidade. O surpreendente é que são os “normais” que elegem estes campos, como se quisessem fugir, por projecção, da sua própria banalidade ou falta de impacto erótico que provocam nos potenciais parceiros. 

Para finalizar: I love internet.