Conheço apenas três estações e não há

Conheço apenas três estações e não há
ano que não seja coxo – três estações
apenas: a da luz
prolongada, a da luz estiolada
e a do regresso do calor.
Retornam os dias e retornam
os poemas sobre os seus ciclos.
Olá, coração estragado
como um piano deixado ao sol e à chuva,
como uma aurora boreal
sobre a feiúra dos arrabaldes.

A avenida mais imunda é o início
do que chamo de casa: uma fileira
de terrenos baldios com bichos mortos
apodrecendo entre o mato e as pedras;
torres emulando castelos de princesas
ou coqueiros de néon imitando praias
na entrada de motéis; carcaças de carros;
depósitos de materiais de construção
deixados ao léu; o entardecer
regurgitado por máquinas fumarentas – 
a luz crua, escassa, puída
que resseca narizes e gengivas
e arreganha caninos que sentem fome. 

O meu reino é uma legião
de cavalos magros, de prostitutas
de braços como gravetos e de rapazes
aos quais a noite vêm
e deposita ovos escuros em seus peitos abertos.
Olá, inverno súbito nos estertores
de uma sexta-feira. Faz frio e o metal
das placas de trânsito e dos carros estacionados
é o fio de uma espada gelada
a separar entranhas e a torturar o tédio.
Por vezes chove e um bueiro
transborda e retornam à sarjeta
lixos e ratos. Por vezes
dorme-se se com o coração acariciado
por um sussurro brando, por uma garoa,
e instala-se a suspeita
de uma manhã, de um céu 
lavado estendido sobre a infinitude 
dos subúrbios calcinados.