Enquanto

enquanto
procuramos
dinheiro
e trabalhamos
por comida
              é possível ouvir
              o impassível
              pulsar do útero

e de nós está tão próximo
que um arfar contínuo –
antes tão esquecido –
novamente traz à mente
a ideia sempre renovada
de um gestar.  

e o murmúrio
de uma árvore
que brota do chão
fica guardado no ar
esperando que nós,
criadores de línguas
aqui permaneçamos –
quando não, cheguemos! –
apenas para ouvi-lo. 

é o rumor renovado
que nos ideia a esperança
de sermos cegos
ao menos um dia –
que em vigília, em vida,
a vida em nós haja

*

–  mas assim passamos
enquanto
procuramos
dinheiro
e trabalhamos
por comida: 

um zunido sem estrondo
nos chama do dentro
pedindo inquietar-nos,
e nos põe em movimento
onde antes éramos somente: 

um dia sucede ao outro
e mais um e mais um,
e neste rupestre escrevinhar
de traços na parede
divagamos o lento gastar dos dias,
o nosso romper em vagas
contra as rochas do cais,
                           devagar. 

com a mão de margaridas
arrancamos, pétala a pétala,
a esperança de um vaticínio: 

bem-me-quer, mal-me-quer
débito ou crédito,
açúcar ou adoçante,
câncer, coração ou dormindo? 

e se quiseram de verdade que
realmente fôssemos felizes,
ao final ficaremos com as mãos cheias
dos magros galhos de margaridas:
e ali sim estará a predição:
e aí sim entenderemos.