Manchester

Edvard Munch

Edvard Munch

Subitamente irrompeu uma brecha na luz de Manchester, de onde irradiaram as trevas, aquelas que conhecemos e desconhecemos (pensar o abominável é já, diz-se, desculpá-lo um pouco) e às quais dedicamos cada vez menos caracteres indignados. Se nos habituarmos, vencem-nos. E nós habituamo-nos. A odiosa revelação de um niilismo, preenchido por círculos de escorpiões, que sente comprazimento na razia de vidas quase ainda por viver, vidas de futuro, cheias de entusiasmo e esperança, vem agora ter connosco como um mal esperado. Estamos no limiar de um abanão profundo, convocaremos, porém, ainda velhos rituais de compensação (homenagens, textos fúnebres, vagas policiais, vinganças jurídicas). Mas fazemo-lo sabendo que em breve algo virá novamente comer vidas e alegria, o terrorismo desbragado (acredito num terror que se quer conjurar a si mesmo) é um glutão insaciável, e nós, que vemos Manchester nos mass media, espectadores panópticos, aguardamos tristes pela próxima garfada. As vítimas de sangue (ainda tão juvenil, raios!) deixaram-nos e afogaram de dor quem as amava, como sabemos há muito mais do que 22 cadáveres. Queira alguma coisa bondosa que o magnífico enxame de estrelas, que nos visita tanto melhor quanto a noite for escura, reponha uma certa justiça.