Livros do ano, 2022 (Tatiana Faia)

Esta lista é uma espécie de balanço, uma enumeração imperfeita de alguns dos livros que mais gostei de ler em 2022. É um pouco hedonista, porque, parafraseando Susan Sontag, ler, tal como escrever, é uma forma de felicidade, e este foi um ano que não foi particularmente dado a hedonismos. Em 2020, durante o primeiro confinamento, comecei um clube de leitura com outra pessoa só. A Clara estava em São Paulo e eu em Oxford, todos os dias nos encontrávamos diante de uma câmara e líamos uma para a outra, ela um romance e eu outro. Este clube de leitura, que existe ainda hoje, cada vez mais me faz pensar no acto de ler como uma janela privilegiada, uma espécie do suave mari magno de Lucrécio, cujas vistas correm tangencialmente ao mundo que continua a girar loucamente. Estou a pensar nisto enquanto me sento para escrever esta lista paralelamente a uma janela que tem vista para um jardim que já não está, mas esteve, coberto de neve. A minha lista é também parcial em duplo sentido, não inclui necessariamente tudo o que amei ler em 2022 e inclui os livros feitos por alguns amigos.

 

On Grief and Reason de Joseph Brodsky (Penguin, 1997) – é uma colectânea de ensaios que inclui algumas das reflexões mais lúcidas que li este ano, sobre o exílio, sobre encontrar poetas e ler poesia, sobre espiões russos em Londres, sobre traições, sobre fazer amor num quarto cheio de espelhos em Roma, sobre regressar à Europa para um funeral (o de Stephen Spender), sobre Kavafis, Horácio e Marco Aurélio. Tenho um amigo inglês que gosta muito de citar uma frase de Brodsky: “Poets are never victims.” Quando se lembra desta frase, o meu amigo acrescenta sempre: “And he knew what he was talking about. He spent time in a Soviet prison.” É exactamente esse modo de falar sobre as coisas que transparece nestes ensaios.

 

Caro Michele e Famiglia e Borghesia de Natalia Ginzburg – Três novelas da década de 70 que falam de laços familiares (sobretudo dos laços entre mães e filhos), da sua inexorável mudança na Itália do pós-guerra. Caro Michele é um romance epistolar originalmente escrito em 1973. Uma mãe vai escrevendo a um filho que primeiramente desaparece da sua vida e depois de Itália, por causa do seu envolvimento com as Brigate Rosse. Assoma nesta novela um pouco a Inglaterra desolada de que Ginzburg havia escrito em As Pequenas Virtudes, e o desolado destino dos exilados, mas antes de tudo isto uma mãe que tem muita dificuldade em entender um filho e que tenta fazê-lo com um sentido de humor duro, que o expõe a ele e a ela num delicado equilíbrio que não é um esforço tanto de o entender quanto de sobreviver através de certas coisas. Famiglia, por outro lado, é uma das novelas mais belas que li este ano, sobre um casal de amigos que estiveram outrora envolvidos e que se encontram numa noite de muito calor para ir ao cinema e nunca mais se separam continuando a entrelaçar as suas vidas de uma forma que envolve as suas novas famílias, outros amigos, outras relações. Talvez não seja tanto uma novela como uma exploração do amor e da amizade, vista a partir do lado absurdo e irrecuperável da vida, e incluindo-o. A versão italiana do audiolivro de Caro Michele é narrada por Nanni Moretti. Talvez poucas vezes um audiolivro tenha tido um narrador tão adequado.

 

Postwar Polish Poetry (ed. Czeslaw Milosz) – uma antologia inglesa de poesia polaca, talvez A antologia de poesia polaca.

 

Mrs Dalloway, Virginia Wolf – reli Mrs Dalloway em Março, pouco depois do início do evento de 2022 que não me apetece nomear. Por um lado, é o romance que me lembra que Bloomsbury, que de resto para mim são mais autenticamente aquelas dezenas de metros que correm entre o British Museum e a livraria da London Review of Books do que outra coisa qualquer, é alguma espécie de centro do mundo e da contemporaneidade, mais do que simplesmente do modernismo, e que muito do que é Bloomsbury, pelo menos para mim, é a força das observações de Virginia Woolf neste romance. Pareceu-me desta vez, não sei porquê, que nenhuma personagem é tão tristemente lúcida como Septimus.

 

A Poesia é uma Mercadoria Inconsumível: Poemas e Recensões de Pier Paolo Pasolini (selecção e tradução de João Coles, Sr. Teste, 2022): é uma antologia editada e traduzida por um amigo e um dos editores deste blog, João Coles, onde em certo sentido se podem ler os poemas e as recensões que nos ajudam a entender Pier Paolo Pasolini como o artista de uma desesperada vitalidade. Um trabalho de edição rigoroso, bem cuidado e bem pensado, num pequeno livro que se transforma assim numa das melhores introduções que conheço à obra de Pasolini em qualquer língua.

 

La tia Julia y el Escribidor de Mario Vargas Llosa – penso que só li dois romances monumentais este ano, mas ambos pertencem a esta lista de livros do ano, o primeiro é La Tia Julia y el Escribidor, um romance divertidíssimo, sobre um adolescente aspirante a escritor, estudante de direito, com um precário emprego na radio e mais precisamente na produção de radionovelas, e do seu primeiro amor, também ele digno de radionovela, a tia Julia, divorciada e quatorze anos mais velha e também sobre o lendário Pedro Camacho, lendário autor boliviano de radionovelas. É fascinante ver a inteligência narrativa de Vargas Llosa, como este romance é e não é uma colecção de novelas dispersas entre si e ao mesmo tempo o retrato do que em teoria devia ser uma subcultura, a do melodrama nem exactamente pop das radionovelas no Perú, mas que é um fresco de todo um tempo, pontuado pela duração de uma paixão adolescente.

 

A Tale of Love and Darkness de Amos Oz – este romance caiu no meu mês de Agosto entre um par de releituras porque tenho um amigo com quem falo, infelizmente, de longe em longe que me disse com grande fervor (aquele fervor que normalmente me faz não querer pegar num livro) que era um dos melhores romances que tinha lido na vida. A primeira parte destas conversas costuma ser sempre a mesma, “olha lá, Tadeu, o que é que andas a ler?” O assunto de A Tale of Love and Darkness é exactamente aquilo que o título inglês parece prometer. No fresco de personagens inesquecíveis que Oz recria a figura maior talvez não seja tanto o pai quanto a mãe de Amos Oz, a sua inteligência misteriosa, a escuridão que o seu suicídio traz, a forma como a muitos anos de distância Oz tenta reconstruir o mundo em que isso aconteceu, não só o de uma criança a crescer no jovem estado de Israel mas o de relações familiares e entre pequenas comunidades que uma criança sensível talvez não pudesse entender completamente, mas sentir sim, e tão profundamente que isso se torna um bilhete de regresso a um mundo entretanto mais ou menos desaparecido.

 

Uma antologia de poesia italiana: 13 autoras: de novo uma antologia feita pelo João Coles e publicada pelo Sr. Teste. Pode ler-se ao lado de outra breve antologia de poesia italiana de que gosto muito, The Faber Book of 20th Century Italian Poems (Faber, 2004, editada por Jamie McKendrick), e em certo sentido elas completam-se. O João selecciona aqui, cuidadosamente, uma espécie de cânone alternativoda poesia italiana contemporânea. Não há um poema mau. Prolonga um pouco o trabalho que tinha sido iniciado em Um Pouco do Meu Sangue, outra antologia de poesia italiana feita pelo João, em 2020, para a Contracapa.

 

Feux de Marguerite Yourcenar: é um livro que tem qualquer coisa de ovidiano (de o Ovídio de Heróides), são uma série de histórias de amores dilacerados, angustiantes e angustiados. Sobre o amor enquanto vital à sobrevivência e enquanto evento a que é necessário sobreviver.

 

Sonhador definitivo e perpétua insónia: uma antologia de poemas surrealistas escritos em língua francesa, Regina Guimarães (selecção e tradução), Saguenail (prefácio). Há uma concretude no surrealismo que de vez em quando me faz falta. Esta belíssima antologia lembrou-me porquê.

 

Either/or de Elif Batuman – algumas das horas mais divertidas que passei a ler um livro este ano foram passadas com este bildungsroman de Elif Batuman. O subtítulo podia ser Como Kierkegaard pode assombrar a sua vida. Mas para lá do lado picaresco que é sustentado pelo sentido de humor de Selin enquanto ela avança de uma paixão mal correspondida, e consequente obsessão de que ela não se consegue libertar, para outras relações igualmente tóxicas, que culminam no entendimento do acto de perder a virgindade e da exploração da sexualidade, algures entre Nova Iorque e a Turquia, como algo que é transacional de formas complicadas, desenha-se um entendimento mais profundo do que significa estar vivo, o que talvez seja, não em menor parte, uma mistura de coragem, sensibilidade e sentido de auto-preservação.

 

Time of the Magicians de Wolfgang Ellenberger e Places of mind: a biography of Edward Said de Timothy Brennan. O segundo destes livros talvez não seja tanto uma biografia como uma hagiografia, e talvez não seja tanto uma hagiografia por causa da relação próxima que Timothy Brennan tinha com Edward Said, quanto por causa da vitalidade e da inquietude de Said enquanto intelectual público, enquanto exilado profundamente privilegiado cujo trabalho (e figura) espelha e se divide entre várias culturas na intersecção entre o Oriente e o Ocidente. Sobre o primeiro livro escreveu o Victor Gonçalves aqui. Time of the Magicians coloca em paralelo as vidas e o pensamento de Wittgenstein, Benjamin, Cassirer e Heidegger, para descrever como uma década do século XX mudou a história da filosofia. Algures entre a leitura de um livro e outro dá para mapear a inquietude e o fascínio que as palavras e o que algumas pessoas pensaram sobre elas exercem sobre o tempo em que estamos a viver. 

 

After Sappho de Selby Schwartz, Una Donna de Sibilla Aleramo e La femme gelée de Annie Ernaux –O primeiro destes livros podia ler-se como uma introdução aos outros dois até porque Sibilla Aleramo é uma das personagens de After Sappho, uma série de prosas breves sobre mulheres, intelectuais, escritoras e artistas, e o modo como as suas vidas e a sua produção artística se cruzam com a da primeira poetisa do ocidente, Safo, e com as vidas umas das outras, numa longa corrente de correspondências que começa com Lina Poletti, uma das primeiras mulheres em Itália a declarar-se abertamente lésbica, e que termina com Virginia Woolf e Vita Sackville-West. Essas correspondências vão-se tecendo contra o fundo de uma série de outras vinhetas, sobre leis e decretos que foram sancionando e institucionalizando a misoginia e a desigualdade de género na Europa. Sibilla Aleramo, que foi amante de Lina Poletti, publicou Una Donna em 1906, mas o romance foi escrito entre 1901 e 1904 e, claro, rejeitado para publicação em várias casas editoriais. Em certo sentido, há uma correspondência com La femme gelée de Annie Ernaux. Ambos são textos iminentemente autobiográficos, ambos olham para a instituição do casamento como parte de um sistema de opressão em sociedades patriarcais (ainda que em épocas e em sociedades relativamente diferentes). É um romance escrito em chiaroscuro o de Sibilla Aleramo, cruel, barroco, marcado pelos lugares-comuns de uma certa escrita da decadência, de uma época que não consegue ainda conceber a possibilidade de uma felicidade sem culpa fora das normas de uma sociedade opressiva, e nesse sentido sem dúvida com qualquer coisa do olhar de um Gabriele D’Annunzio sobre estruturas familiares, mas é ao mesmo tempo um texto corajoso, com uma energia resiliente, que resiste até aos clichés do tempo histórico fora do qual ele não chega a conseguir conceber-se. Mas La Femme Gelée de Annie Ernaux consegue, em parte porque é um livro de outra época (a data de publicação original é 1981). É um livro que consegue olhar para o trajecto de uma rapariga desde a juventude até um casamento e uma experiência de maternidade que parecem pôr fim a quaisquer aspirações individuais – intelectuais, profissionais, amorosas – e expor e, pelo menos em certa medida, evadir o tipo de desfecho que se encontra em Sibilla Aleramo. Três textos no feminino inquietos, a que talvez se pudesse acrescentar The Cost of Living de Deborah Levy.

 

Yannis Ritsos, Os Diários do Exílio (traduzido por José Luís Costa e Rui Miguel Ribeiro, posfácio de Claudio Russello, Edições do Saguão, 2022). Yiannis Ritsos escreveu estes diários poéticos em sucessivos “exílios” internos, em campos de concentração infames (Limnos, Makronissos) que existiram na Grécia durante a guerra civil que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, entre 1948 e 1950. A edição cuidada, com uma capa que emita os maços de cigarros que se fumavam nesses campos, o hors-texte que acompanha e edição e que Aragon escreveu em defesa de Ritsos, o excelente posfácio do Claudio, mas sobretudo a belíssima tradução seriam coisas que podiam explicar a gratidão que sinto por este texto finalmente existir em português. Mas tentar dizer isso é uma falsa aproximação. Os poemas que Ritsos escreveu nestas circunstâncias são o que Jorge de Sena descreveu num poema sobre não ter dinheiro para comprar livros (“Ode aos livros que não posso comprar”) como uma forma de ir reunindo e mantendo uma humanidade que vai escasseando. Os companheiros, lugares, objectos, trânsitos que Ritsos descreve têm um lado utilitário que envolve uma paráfrase de William Carlos Williams: as pessoas morrem miseravelmente, todos os dias, por falta de coisas que se podem ler em poemas. Não conheço nenhum livro de poemas que seja uma melhor demonstração disso do que este livro de Ritsos.

 

 

Três livros de poemas de pessoas que me são demasiado próximas que marcaram o meu ano foram Os Deuses da Resina (húmus, 2022) do Pedro Braga Falcão, que reúne três livros que ele me disse em tempo que eram sobre os seus pais e sobre os pinheiros em redor da casa onde ele cresceu. Duvido um pouco disso. Os poemas do Pedro são monólogos sobre a força da poesia enquanto música, enquanto pulsação para viver, sobre a paixão de que os poemas são um repositório, mas que é uma forma de habitar o mundo, de o ver criticamente, com tanta inteireza quanto possível. Paixão, na verdade o desejo, é explicitamente o tema de Desidério (não edições, 2022) de Ricardo Marques. Desidério é também uma espécie de balanço do percurso de poeta do Ricardo. Prata (elementário, 2022) de José Pedro Moreira é um livro sobre a prata, ou sobre Píndaro e a ideia expressa nas suas odes de que não há um prémio para o segundo lugar. Na mesma colecção gostei bastante de Titânio de Regina Guimarães (2022), e Sr. Estrôncio de Ricardo Tiago Moura (2020).

 

Um primeiro livro de um poeta novo, sobre o qual não escrevi, o que me pesa na consciência, e que não vi particularmente incensado por crítica nenhuma: Prelúdio e Fuga em Português Suave (Fresca, 2022) de Hugo Miguel Santos. É um primeiro livro marcadamente italianófilo. Talvez seja difícil de escapar ao facto de que os poetas tendem a decidir as suas genealogias literárias nos primeiros livros. A do Hugo é Pasolini e uma certa geografia literária da Itália do Sul, embora ele tenha estudado na Itália do Norte, mas talvez mais o Pasolini em estado de graça de A Longa Estrada de Areia, do que o de Escritos Corsários, e esta genealogia estende-se, é também a do desaparecimento de um amigo, e a que retrocede a um pai e a um avô. É um belo primeiro livro. Fica a nota.

 

Faltava aqui escolher um livro que li com Clara, no meu tal clube de leitura transatlântico para duas. Uma pequena história sobre a escolha desse livro. A 1 de Dezembro de 2022 dei por mim no aeroporto de Heathrow a ler-lhe, meio às escondidas, enquanto fazia tempo para apanhar um voo para Atenas, as três últimas páginas de O Desprezo de Alberto Moravia, um livro cuja leitura arrastámos interminavelmente durante meses. Nada nesse romance misógino é tão misógino como o seu final. Moravia é particularmente bom a escrever sobre a relação entre estruturas de opressão e corrupção moral – pense-se numa novela como O conformista. Antídoto para a amargura que essa leitura nos trouxe foi o livro que lemos em paralelo com esse, A Ilha de Arturo de Elsa Morante, durante muitos anos de resto mulher de Moravia (e é possível que qualquer coisa em O Desprezo revisite a ligação amorosa que Morante manteve com Visconti), que é um romance sobre a ternura e o melodrama da infância e da adolescência, que trazem Arturo até ao princípio da idade adulta, com a ilha de Procida como pano de fundo. É difícil não amar Arturo, o quanto ele quer morrer e o quanto ele quer viver. E é difícil não amar a sua madrasta, também ela uma adolescente, Nunziata.

José Pedro Moreira, Leituras de 2021

Esta é a lista dos dez livros que mais prazer me deu ler este ano. Não é a lista dos dez livros culturalmente mais significantes ou dos melhores que eu li este ano (o leitor poderá encontrar essas listas noutro lado) – hedonismo é uma boa maneira de uma pessoa se meter em problemas na maioria das situações, leitura é uma das raras actividades em que julgo que esta prática deve ser pelo menos tolerada.

É saudável reconhecer que é praticamente impossível fazer uma lista destas sem cair no ridículo. Tentem escrever um parágrafo a recomendar a leitura do Ana Karenina sem cair em lugares comuns. Eu certamente não consigo e resolverei o problema evitando-o. Estes livros são muito mais inteligentes do que o que quer que tenha a dizer sobre eles, por isso o melhor é não dizer muito. O senhor leitor imagine antes uma vénia silenciosa e veneranda.

 Fiz primeiro uma lista dos vinte livros de que mais gostei de ler este ano. Não foi fácil. Foi mais difícil ainda reduzir a lista a um total de dez. Incluo em baixo os outros dez livros que constavam na lista inicial.

 Incluo também uma lista de alguns livros que saíram em 2021 e que estão no topo da minha pilha de leituras.

 

Os meus dez livros de 2021

 77 Oníricas, John Berryman (trad. de Daniel Jonas)

Concisa, irónica, inventiva, auto-paródica – a poesia de John Berryman é uma das minhas descobertas do ano. E a tradução de Daniel Jonas é soberba: informada, culta, inventiva, uma tradução de poesia por um bom poeta. Cá fica um poema:

 

75

 

Turning it over, considering, like a madman
Henry put forth a book.
No harm resulted from this.
Neither the menstruating        stars (nor man) was moved
at once.
Bare dogs drew closer for a second look

and performed their friendly operations there.
Refreshed, the bark rejoiced.
Seasons went and came.
Leaves fell, but only a few.
Something remarkable about this
unshedding bulky bole-proud blue-green moist

thing made by savage & thoughtful
surviving Henry
began to strike the passers from despair
so that sore on their shoulders old men hoisted
six-foot sons and polished women called
small girls to dream awhile toward the flashing & bursting tree!

 

75

Examinando-o, considerando-o, como um louco
o Henry publicou um livro.
Nenhum mal adveio disso.
Nem as menstruadas   estrelas (nem o homem) se comoveram de súbito.
Cães em pêlo aproximaram-se para ver melhor

e praticarem as suas amigas manobras ali mesmo.
Refrescada, a casca rejubilou.
As estações chegaram e partiram.
As folhas caíram, umas poucas.
Um quê de extraordinário neste
entroncado unido volumoso verdazulado húmido

coiso obra do selvagem & prudente
sobrevivente Henry
começou a espantar os passantes do desespero
tanto que das suas espáduas purulentas os velhos desfraldaram
filhos de metro e oitenta e mulheres polidas chamaram
meninas a um pouco de sonho ante o cintilante & viçoso lenho!

 

 

Anna Karénina, Tolstói

E cá estamos, Anna Karénina. Serei breve. Uma das releituras deste ano. Li-o pela primeira vez quando saiu a tradução de António Pescada (Relógio d’Água), que recomendo. Um dos melhores livros que alguma vez li. E achei-o melhor ainda desta vez. “Li”-o desta vez numa versão audiobook, interpretado por Maggie Gyllenhaal. Ela é excelente. E há uns dias atrás vi o The Lost Daughter (Netflix, 2021), realizado por ela, uma adaptação de um romance de Elena Ferrante. Também muito bom. Mas não tanto quanto o Anna Karénina. E pronto, cá temos o Anna Karénina despachado num parágrafo.

 

A swim in the pond in the rain, George Saunders

Um livro recomendado por um amigo que é professor de Literatura Russa e que sabe o quanto gosto de Dostoiévski, Tólstoi e Tchékhov (Turguéniev não tanto). Este é talvez um dos livros mais difíceis de descrever na lista. O livro inclui um conto de cada um dos mestres russos (Dostoiévski, Tólstoi, Tchékhov e, bem, Turguéniev), cada conto é seguido de um texto ensaístico interpretativo. Aqui é que os problemas começam.

George Saunders é um leitor inteligente e perspicaz que ama estes textos e que os relê há anos, que os conhece de cor, que é capaz de ver coisas que não vemos.

George Saunders é um professor de escrita criativa, que ensina estes textos há anos, que há anos que dialoga com alunos sobre estes textos.

George Saunders é um autor, que há anos que procura soluções práticas para as questões narrativas que enfrenta.

Os ensaios são escritos de todos estes pontos de vista. Mas o leitor atento toma a primazia.

Muitas vezes lemos de maneira apressada. Somos sobranceiros a responder às questões que o texto invoca, por vezes negando a existência da pergunta. George Saunders é o leitor que nos faz voltar atrás e olhar com mais atenção. Que nos interpela com questões como “Que história está a ser contada aqui? Se é esta história que está a ser contada porque é que o escritor fez isto e não aquilo? Não seria muito mais fácil contar esta história de outra maneira? Ou talvez não seja essa a história que esteja a ser contada?”

É sobretudo um exercício de amor partilhado. Do prazer da descoberta de grandes textos e da exegese literária enquanto actividade social. Perdão se isto faz com que o livro pareça um bocado para o académico. É-o apenas no melhor dos sentidos: recordou-me de um seminário de Teoria de Literatura que assisti há mais de uma década atrás. Não interessa o tema, era no fundo um pretexto para um pequeno grupo de estudantes (não éramos mais de meia-dúzia) e a professora lerem grandes textos (Kafka, Goethe, Sófocles, etc.) e depois passar as quatro horas semanais do seminário a falar sobre eles. Esta foi uma das melhores experiências do meu tempo enquanto estudante universitário. Uma aprendizagem alegre, que prosseguia em debates entre cigarros na pausa para café, que fazia a imaginação pulsar rápido, que nos faz pensar em coisas que sempre estiveram presentes mas que não estávamos equipados para ver, ou, se víamos, que não éramos capazes de articular. Senti o mesmo ao ler este livro.

Criminal (série de banda desenhada), Ed Brubaker (argumento), Sean Phillips (ilustração)

O Criminal original (2006-2010) é uma das minhas séries de banda desenhada preferida. Como a descrever? Uma colecção de histórias de submundo do crime que recicla uma série de tropos do género heist. Há o assalto a um banco que corre mal, o carteirista toxicodependente, o rapaz que cresce neste ambiente e que tenta fazer nome, o patriarca violento, etc. Mas a consciência dos códigos do género nunca cai na caricatura, e as histórias que emergem são credíveis e excepcionalmente bem escritas. É consensual que Ed Brubaker se tornou o grande mestre da banda desenhada de crime. A meio do ano consegui comprar todos os números disponíveis da série mais recente (2019-...) com desconto. Aproveitei para reler os volumes originais e outras coisas de Brubaker: Gotham DC (um policial no mundo de Batman), The Fade Out e Fatale. Gotham DC é excelente, os outros dois são bons, mas estão um pouco mais abaixo em termos de qualidade. Criminal é um clássico.

Sabrina (graphic novel), Nick Drnaso

Comprei o Sabrina há um par de anos atrás. Na altura tinha sido o primeiro graphic novel a ser nomeada para o Booker Prize, e foi recebido por um entusiasmo crítico invulgar para um livro de banda desenhada e o autor foi exaltado como um prodígio (tinha 29 anos quando o livro saiu). Li finalmente o livro no início de 2021. Nick Drnaso é um prodígio. Se tivesse de reduzir esta lista a três livros este seria um deles.

Uma jovem está em casa dos pais, a tomar conta do gato. A irmã, Sandra, vem a casa, as duas irmãs conversam, partilham histórias de adolescência, falam sobre passarem férias juntas. Sandra deixa a casa. É a última vez que vê a irmã. Na cena seguinte Calvin, um soldado da Força Aérea, vai esperar o seu amigo Tommy, um jovem introvertido, ao aeroporto. A namorada de Tommy desapareceu há um mês, e Calvin, recentemente divorciado, convida-o para vir para a sua casa. A namorada de Tommy é Sabrina, a irmã de Sandra. Pouco depois descobrimos que Sabrina foi raptada e sofreu um fim violento. E, no entanto, esta não é uma história sobre um crime, mas um estudo sobre como um crime afecta os que são próximos da vítima, como lidam com a culpa de sobreviver à morte de alguém próximo. Torna-se igualmente uma história sobre a experiência de perda no mundo hiper-mediatizado de hoje, quando a notícia da morte se torna viral, e tema de uma série de teorias da conspiração.

Slaughter House-Five (graphic novel), Ryan North e Albert Monteys (a partir do romance de Kurt Vonnegut)

Mais do que “adaptação”, uma reescrita de Slaughter House-Five. Imensamente divertido e trágico. So it goes. Conhecia o trabalho de Ryan North da série da Marvel The Unbeatable Squirrel Girl, que ganhou uma série de prémios há uns anos atrás. Na altura li o primeiro volume e não me disse grande coisa. Mas Slaughter House-Five é tão bom que tenciono dar outra oportunidade a The Unbeatable Squirrel Girl em 2022. 

String Theory , David Foster Wallace

Os ensaios de Foster Wallace sobre ténis. Voltar a jogar ténis foi das melhores coisas que me aconteceu em 2021. Voltei a apaixonar-me pelo jogo, tornei-me membro de um clube local, comecei a jogar pela equipa do clube, e dei por mim a ler bastante sobre ténis. O livro de David Foster Wallace é o melhor livro sobre ténis que já li. É um dos raros casos de um livro sobre ténis que ama o jogo tanto quanto a linguagem, que invoca erudição filosófica e cultura pop para devidamente louvar a minúcia da excelência atlética. O ensaio sobre Federer é lendário (pode ser lido aqui). O meu preferido é o ensaio sobre Michael Joyce, um jogador que nunca entrou no top 50 do circuito ATP, mas que Foster Wallace admira e que acompanhou durante algumas semanas.

O primeiro ensaio do livro é sobre a experiência formativa de Foster Wallace enquanto jogador de ténis. Nas suas palavras, Foster Wallace foi “a near great junior tennis player”. Quando faleceu, os ex-colegas da equipa de liceu juntaram-se e dedicaram os courts onde costumavam treinar em sua memória. Isto nunca falha em me comover.

The Dream of Enlightment: The Rise of Modern Philosophy, Anthony Gottlieb

O segundo volume de uma empresa começada com The Dream of Reason, a criação de uma história da Filosofia Ocidental acessível a um público não especializado. O The Dream of Reason, que cobria o pensamento filosófico desde a Grécia Antiga até ao Renascimento, estava na minha lista dos livros do ano em 2017; The Dream of Enlightment, que começa em Descartes e vai até à Revoliução Francesa, não decepcionou. Resumir as ideias de Descartes, Hobbes, Rousseau, Locke, Espinoza e Hume em narrativas coerentes, elegantes e acessíveis é um feito acessível apenas a uma inteligência excepcionalmente organizada, fazê-lo com sentido de humor é quase um milagre. Aguardo impacientemente a publicação do terceiro volume.

 Tutti Frutti, Marco Mendes

O livro reúne as bandas desenhadas de Marques Mendes publicadas diariamente no Jornal de Notícias, entre os dias 3 de junho e 23 de dezembro de 2018, e ainda as bandas desenhadas rejeitadas. Peças humorísticas, autobiográficas, políticas, de uma enorme beleza.

Wolf Hall, Hillary Mantel

Este livro é fácil de enquadrar: o primeiro livro da trilogia sobre Thomas Cromwell, Wolf Hall segue a carreira de Cromwell durante a queda do seu patrono, o Cardeal Wolsey, e a sua ascensão a figura central na corte de Henrique VIII durante o processo que culminaria com o coroamento de Ana Bolena. Romances históricos que se comprazem com intriga palaciana e detalhe salaz abundam, mas a excelência da prosa de Mantel transcende o que é circunstancial. A maior surpresa do ano. O livro ganhou uma série de prémios e há anos que amigos me andam a recomendá-lo, ainda assim não esperava que fosse tão bom. Nem tão engraçado. Contém alguns dos melhores diálogos que li nos últimos anos. E comecei 2022 a ler o segundo volume da trilogia, Bring up the Bodies.

Os meus outros dez livros de 2021

Livros de 2021 no topo da minha lista de leituras para 2022

Tatiana Faia, Leituras de 2021 (e algumas (re)leituras por vir)

Há nesta lista várias omissões injustas e inexplicáveis até mim, mas tentei falar sobre alguns livros que me marcaram ao longo de 2021. Se tivesse elaborado este balanço noutro dia e olhado para o ano que passou de outro ângulo, outros livros podiam ter sido mencionados. Estas coisas valem o que valem. Quero apenas falar de alguns livros que me interessaram e me inquietaram ou que, por um motivo ou outro, me encheram de alegria.

 

O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir (tradução de Constance Borde e Sheila Malovany-Chevallier, Vintage, 1997). No princípio do ano tive uma daquelas discussões parvas com uma amiga que me dizia insistentemente que não valia a pena ler O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir porque estava datado. Esta conversa acabou da maneira que se está mesmo a ver. Quando lhe perguntei se ela tinha lido o livro ela respondeu que não. Eu fui ler O Segundo Sexo e prometi contar-lhe como corria. Há em O Segundo Sexo momentos de uma agudeza de pensamento, de denúncia da exploração e da opressão a que uma considerável parte da população mundial foi e é submetida (a que nasceu no sexo feminino), que nunca vai ficar datada e não é só pela enumeração sistemática da infelicidade gerada pelo patriarcado a que Beauvoir se dedica com uma lógica difícil de refutar, como por exemplo quando ela descreve as tarefas inúteis em que as raparigas são instruídas numa idade jovem, como varrer o chão diariamente, que só servem para perpetuar a sua opressão, para as estupidificar. Não é possível concordar com tudo o que lemos – como a afirmação de que uma mulher com um casamento infeliz nunca será uma boa mãe (Beauvoir simplesmente não tinha suficiente elementos estatísticos para dizer isto, é uma afirmação puramente anedótica e misógina; alguma desta misoginia fez, claro, escola entre outras feministas: pense-se num livro como Slip-Shod Sybils da igualmente eloquente Germaine Greer). Ainda assim, O Segundo Sexo permanece um livro essencial. Mesmo o que é datado pode ter bastante valor e interesse. Há uma energia na prosa de Beauvoir que é a energia dos visionários e dos vanguardistas.

 

La Corsara. Rittrato di Natalia Ginzburg de Sandra Petrignani (Neri Pozza Editora, 2018). Quando estou na fossa mesmo ponho no Audible Le Piccole Virtù de Natalia Ginzburg lido por Giovanna Mezzogiorno e embora este exercício não me deixe necessariamente de melhor humor, deixa-me sempre de coração ao alto. Acho que há poucos escritores tão bons a descrever pessoas como Natalia Ginzburg. Isto é, tão exímios a encontrar a exacta medida de alegria e melancolia que trazemos connosco e que trama o enredo das nossas vidas, que o explica e o condiciona. Este livro de Sandra Petrignani não é uma biografia exaustiva, é exactamente aquilo que o título diz que é, um retrato. E é um belo retrato. Encontramos Natalia Ginzburg no contexto da sua vida, das amizades que cultivou, das relações familiares e amorosas que a definiram. É ainda, a partir de Ginzburg, um fresco de algumas décadas extraordinárias na história de Itália. É uma vida singular e difícil a de Ginzburg, marcada pela guerra, pela morte trágica e precoce de dois maridos muito amados, por encontros e desencontros com amigos extraordinários. Este retrato não colige só o trágico, mas também momentos inesperados (o breve envolvimento amoroso de Ginzburg com Quasimodo no pós-guerra) e extremamente divertidos, como por exemplo quando Ginzburg resolve começar a escrever teatro e de Elsa Morante só recebe comentários negativos. Sandra Petrignani tem uma tendência a divagar. Esquecemo-nos, por exemplo, ao longo de dezenas de páginas, de Ginzburg para ouvir falar de Calvino, Olivetti, Einaudi ou Pavese. É uma prosa jornalística ágil, atenta, inteligente e que, quando divaga, mesmo longamente, divaga em direcção aos centros de gravidade que definiram a vida intelectual e emocional de Natalia Ginzburg. Um livro para todos os ginzburguianos como nós.  

 

The Foreign Connection: Writings on Poetry, Art and Translation de Jamie McKendrick (Legenda, 2020). É um livro de ensaios curtos, este, cada um deles de uma imensa erudição, cheios de ligações inesperadas e ruminações aguçadas, divertidas, irreverentes (uma passagem típica: “It’s odd to say so of the man who covered the Sistine Chapel ceiling with the history of the world, but the sensibility at work in Michelangelo’s poems is a narrow one.”). Coligem-se aqui então os ensaios (muitos deles em formato revisto) que Jamie McKendrick, poeta e tradutor inglês, foi publicando ao longo dos anos em periódicos. A foreign connection do título é sobretudo à literatura italiana, de Dante a Montale e daí a Bassani, Pavese, Pasolini, chegando a Valerio Magrelli e Antonella Anedda. Encontramos aqui, quase sempre, uma clareza necessária e de repente inesperadamente óbvia, como quando se defende que a tradução é uma forma de activismo literário. Outros textos só podiam ter sido escritos por um poeta, como aquele em que McKendrick especula que música exactamente é aquela que se escuta no famoso poema de Kaváfis, “O Deus Abandona António” e daí se tece uma ligação que vai de Shakespeare à música que em criança, em Liverpool, Kaváfis deve muitas vezes ter escutado nas ruas. Alguns ensaios são uma introdução à poesia inglesa escrita pela geração a que McKendrick pertence (Hofmann e O’Donoghue), outros levam o leitor através do mapa da poesia irlandesa (Heaney, Paulin, Muldoon) ou americana (Dickinson, Crane, Bishop). Muitas vezes a pintura e a literatura cruzam-se, quando se discute, por exemplo, o Dante de Botticelli ou os elos que ligam Catulo a Dante e Ticiano. Outras vezes resgatam-se ligações inesperadas entre pintores canónicos e obscuros, ou entre quadros emblemáticos e menores. Discute-se o que as obras de grandes pintores italianos, ingleses e indianos fazem a quem passa muito tempo a olhar para elas. Predilecções pessoais cruzam-se com autores e artistas marcantes nestes ensaios que nos lembram da necessidade de nos rodearmos de certos poemas, de certas imagens, de certas ideias, para que o nosso mundo se mantenha fértil e belo.

 

 

Like de A.E. Stallings (Farrar, Straus and Giroux, 2018). Penso que A.E. Stallings é uma das poetas mais interessantes a escrever hoje. Stallings é uma americana casada com um jornalista grego, há muitos anos radicada em Atenas. As suas crónicas no Times Literary Supplement sobre seja o que for são sempre uma grande alegria de ler. A sua poesia coloca-a na mesma família poética de Louise Gluck, Anne Carson e Alice Oswald. Os seus poemas são caracterizados por um grande virtuosismo formal que lembra Auden e aponta para a sua educação de classicista. Mas a matéria dos poemas, para lá da sua cuidada roupagem formal, são as injustiças que vamos deixando de estranhar, coisas domésticas, menores, quotidianas, vistas muitas vezes com grande sentido de humor e ironia (o like que dá título ao livro é o do Facebook, o primeiro verso do poema “Like, the Sestina:” “Now we’re all “friends,” there is no love but Like” – n.b. desde que o livro saiu, o Facebook acrescentou o botão do amo, o que evidentemente resolve tudo). O seu virtuosismo formal atribui uma dignidade acutilante àquilo que seria banal e insignificante (como o brinquedo de um filho que se perde, ou os objectos de que as pessoas se servem em situações temporárias e que fazem o leitor pensar nos objectos que os refugiados carregam consigo, com grande sacrifício, até às costas da Grécia). O cuidado formal que A.E. Stallings investe nos poemas, a métrica, a rima, o retomar de formas fixas, podem ajudar a revestir o que é quotidiano do poético, mas não é retórica isso. Antes aquela coisa difícil que só os poetas a sério conseguem fazer, de revelar o lado de epifania e transcendência das coisas mais banais quando vistas à luz de uma certa linguagem. Veja-se isso num poema sobre uma coruja vista na ilha de Spetses: “It’s not what we see, but what sees us/ Makes us who we are./ Do you remember years ago on Spetses,/ Under the evening star…/ We strolled along the sea road/ And spied a little owl/ Less a bird/ Than a small clay jar/ Balanced implausibly on an olive branch…/ Then she swivelled the orbit of her gaze upon us/ Like the Cyclops eye-beam of a lighthouse.”

Um outro poema de A. E. Stallings pode ser lido em tradução aqui.

 

Dora Bruder de Patrick Modiano (Folio Gallimard, 1999). No final da década de 80, lemos numa pequena nota introdutória, o narrador de Dora Bruder encontrou num velho jornal, Paris-Soir, datado de 31 de Dezembro de 1941, um pequeno anúncio sobre o desaparecimento de uma rapariga de 15 anos, Dora Bruder. Em Dezembro de 1941 Paris está sob ocupação nazi e Dora Bruder é judia. Dora Bruder tem coisas em comum com o narrador, de ascendência judaica, e com o pai do narrador, que pode ou não ter-se cruzado com Dora Bruder na altura do seu desaparecimento. Há depois o elo perturbador entre a Paris do passado e do presente: Dora Bruder e o narrador têm em comum o mesmo quarteirão de Paris, o Boulevard Ornano, onde ambos cresceram. Podia dizer-se que esta novela é uma espécie de conto policial, sobre a obsessão do narrador com Dora Bruder. Ou podemos especular que esta novela é ao mesmo tempo um comentário sobre a permanência fantasmagórica das grandes abstracções históricas sobre a história dos indivíduos, vista aqui como algo que os continua a obliterar ainda no presente, muito depois do seu desaparecimento. O desaparecimento inexplicado e inexplicável de Dora Bruder, por um lado, é uma forma de resistir a uma ideia que domina muita da literatura recente sobre o holocausto: a de que é possível extrair algum sentido deste evento para algum efeito de consolação, numa imposição perversa de um vago mecanismo de compensação emocional e moral que diz mais da forma como o lado mediocremente transacional do capitalismo invadiu certas estruturas do nosso pensamento ético do que de facto compensa ou explica alguma coisa. Como podemos nós querer dizer, há um sentido para isto, para a obliteração sistemática de pessoas como nós? Por outro lado, o inexplicável e o pouco sentido que podemos fazer dele são na maturidade da escrita de Patrick Modiano o que a ironia e a sátira foram nos seus primeiros romances (nomeadamente em La Place de L’ Etoile, uma obra que, no seu tom de sátira cultural e histórica, tem muitas coisas em comum com os primeiros romances de um escritor da mesma geração que ele, António Lobo Antunes). Ao excesso desse romancista jovem e polémico, brilhante e com um desejo extremo de se tornar visível, que satirizou irrepreensivelmente a hipocrisia da sociedade e dos intelectuais franceses em relação ao holocausto, opõe-se esta narrativa concisa, quase com a intensidade despojada de um film noir centrado em certos bairros de Paris, que é sobre o modo como a realidade às vezes se mistura perigosa e tristemente com a ficção. Lembra-nos que não podemos ficar demasiado acomodados com o lado sórdido e intolerável da história.

 

Três Cliques à Esquerda de Katerina Gógou seguido de Cancro de Sean Bonney (Barco Bêbado, Novembro de 2020, tradução de José Luís Costa e Miguel Cardoso). Escrevi sobre este livro aqui.

 

The Murder of Regilla: A Case of Domestic Violence in Antiquity de Sarah B. Pomeroy (Harvard University Press, 2007). No ano de 160 d.C., ou pouco depois, um romano chamado Bradua levou a tribunal um grego chamado Herodes Ático. Esse Herodes Ático foi no seu tempo um famoso milionário, professor de dois imperadores romanos do período antonino, Marco Aurélio e Lúcio Vero. Foi ele quem construiu em Atenas o teatro que tem o seu nome e onde ainda hoje é possível assistir a concertos e outros espetáculos na encosta situada a sudeste da Acrópole, um espaço que amo profundamente, de um amor que ficou um pouco estragado com a leitura deste livro. A acusação que Bradua faz contra Herodes Ático é a de que Herodes Ático tinha assassinado a própria esposa, Regila, que era irmã de Bradua e que se encontrava à data no oitavo mês de gravidez, à espera de um filho de Herodes. The Murder of Regilla é um livro que tenta reconstituir vários aspectos do mundo clássico que se encontram pouco documentados ou que são por norma menos estudados e por isso tendem a ser menos objecto de escrita de divulgação por parte de classicistas (Sarah B. Pomeroy, de resto, é autora de um outro estudo importante, e bastante acessível a não especialistas, sobre a vida das mulheres na antiguidade, Goddesses, Whores, Wives and Slaves: Women in Classical Antiquity, originalmente publicado em 1975): a vida de gregos poderosos na corte de imperadores romanos, a vida quotidiana de mulheres romanas na Grécia, que é um aspecto absolutamente singular da vida de Regila e as consequências (ou falta delas) do feminicídio na antiguidade. Tudo isto nos faz pensar sobre questões de poder, colonialismo e violência de género no presente. A Antiguidade é sempre um mapa para isso.

 

The Europeans: Three Lives and the Making of Cosmopolitan Europe de Orlando Figes (Allen Lane, 2019). Não parece, mas este é um livro sobre comboios, ou melhor, é um livro sobre o triângulo amoroso entre Turgueniev, a cantora de ópera Pauline Viardot e o marido dela, Louis Viardot. Mas é sobretudo um livro sobre a relação entre comboios, ópera e as paixões de um século, o XIX. Orlando Figes escreve aqui sobre as origens do mundo contemporâneo e das formas como nos fomos tornando consumidores de cultura, no melhor sentido desta expressão que é vagamente infeliz. Pelo meio, há um retrato inesquecível do jovem Turgueniev enquanto empregado de escritório, cuja ingrata função era registar e garantir que eram cumpridas as sentenças de prisioneiros condenados à pena capital (Turgueniev alterava-as frequentemente para penas bem mais leves). É também um livro sobre a vida imensamente criativa, e imensamente esquecida, de Pauline Viardot e dos pintores, escritores e compositores que orbitaram em redor deste triângulo. Enfim, o retrato de um século num momento de viragem, bem escrito e bem documentado, imensamente bom de ler.

 

Duas antologias de poesia portuguesa: Uma Antologia Dialogante da Poesia Portuguesa, editada por Rosa Maria Martelo (Assírio & Alvim, 2020) e Já Não Dá Para Ser Moderno: VI Poetas Portugueses de Agora editada por Ricardo Marques (Flan de Tal, Janeiro de 2021). Nuno Brito escreveu sobre a antologia de Rosa Maria Martelo aqui. De alguma forma são duas antologias sobre diálogos que poetas estabelecem entre si. Os diálogos entre poemas que Rosa Maria Martelo antologia são deliberados e convergem, parece-me, para uma breve história fascinante da poesia portuguesa, sobretudo contemporânea. Uma introdução lúdica, bem pensada e extremamente bela a alguns dos nossos poetas, por assim dizer, mais canónicos, visto de uma perspectiva comparada. Já Não Dá Para Ser Moderno: VI Poetas Portugueses de Agora sendo sobre o diálogo que se estabelece a partir de um traço que une os seis poetas aqui agrupados, o facto de que a sua poesia não ser uma de reacção a poetas anteriores, o que segundo o editor os singulariza, acaba por discutir o que se pode pensar como originalidade entre poetas a escrever na segunda década do presente século. É uma antologia que pensa, a meu ver, a marginalidade de um cânone em formação e a originalidade vanguardista dos poetas que agrupa. Concorde-se ou discorde-se com a tese do editor, é um objecto que faz um balanço útil e relevante da última década e que traz à baila uma característica da poesia contemporânea portuguesa de que pouco se tem falado e de que devíamos falar mais – o sentido de humor de certos poetas.

 

Três livros de poesia portuguesa que me acompanharam em 2021: As Orelhas de Karenin poemas de Rita Taborda Duarte, desenhos de Pedro Proença (Abysmo, 2019), Tojo: Poemas Escolhidos de Miguel-Manso (Relógio d’Água, 2013) e Atirar para o Torto de Margarida Vale de Gato (Tinta da China, 2021). Podia-se falar destes livros em conjunto a partir de um aspecto que Pedro Mexia define, no seu breve texto introdutório ao livro de Margarida Vale de Gato, como a prática de um “formalismo informal” (de um modo geral mais visível ao nível do cuidado com a linguagem do que do retomar de certas formas poéticas fixas). A outra coisa que os une é um sentido de humor inusitado, irreverente, de uma imensa inteligência verbal que expande em muito a nossa percepção daquilo que a linguagem pode fazer. Esta expansão é por vezes lúdica e concentrada. No caso de Rita Taborda Duarte, veja-se a este propósito “os resumos” de poemas em As Orelhas de Karenin, que por vezes brincam com a história da poesia contemporânea portuguesa e releem, às vezes parodicamente, às vezes pragmaticamente, os poemas mais extensos do livro. Ou assoma, em Miguel-Manso, na escolha de palavras inusitadas ou em desuso, que evidenciam por vezes um interesse quase académico na história do português enquanto língua, mas que se tornam centrais aos interiores cuidadosamente construídos pelo poeta, onde por vezes se entrevê a sua educação de pintor. Em Margarida Vale de Gato há uma atenção à polissemia de certos conceitos (e.g. elegia, história, prazer) que serve de instrumento a um comentário histórico e social lúcido e necessário, irónico e bastantes vezes (auto-)paródico (estou a pensar, por exemplo, no jogo entre título e poema em “A história foi enormemente exagerada,” numa composição em que a narradora erra de florista em florista num 25 de Abril em busca dessa flor que não se encontra em lado nenhum).

 

Passion Simple de Annie Ernaux (Gallimard, 1991). É um livro autobiográfico sobre uma paixão que se podia descrever como tóxica (obsessiva, desigual, quase meramente física) entre um homem casado e uma mulher divorciada que podia ser Annie Ernaux, mas, como sucede com a escrita biográfica desta autora, que se caracteriza por uma mistura de escrutínio pessoal e do tipo de impessoalidade que converte a sua expressão narrativa na voz de uma memória colectiva (na qual o individual se dissolve no histórico e vice-versa, o que é a característica marcante de um dos seus principais livros, Os Anos), esta mulher podia ser qualquer mulher, podia ser qualquer pessoa num estado de paixão e atracção sexual cegos e é justamente isso de que este livro é crónica, numa suspensão de juízos que é um ensaio atento sobre um estado mental a que, com sorte e azar, de vez em quando ninguém escapa. De um modo muito menos óbvio, um pouco mais oblíquo, é um livro sobre a relação entre a escrita e esse estado de paixão absoluta. A esse propósito, vale a pena deixar aqui um excerto da primeira página.

 

Cet été, j'ai regardé pour la première fois un film classé X à la télévision, sur Canal +. Mon poste n’a pas de décodeur, les images sur l’écran étaient floues, les paroles remplacées par un bruitage étrange, grésillements, clapotis, une sorte d'autre langage, doux et ininterrompu. On distinguait une silhouette de femme en guêpière, avec des bas, un homme. L’histoire était incompréhensible et on ne pouvait prévoir quoi que ce soit, des gestes ou des actions. L’homme s’est approché de la femme. Il y a eu un gros plan, le sexe de la femme est apparu, bien visible dans les scintillements de l‘écran, puis le sexe de l’homme, en érection, qui s’est glissé dans celui de la femme. Pendant un temps très long, le va-et-vient des deux sexes a été montré sous plusieurs angles. La queue est réapparue, entre la main de l’homme, et le sperme s'est répandu sur le ventre de la femme. On s’habitue certainement à cette vision, la première fois est bouleversante. Des siècles et des siècles, des centaines de générations et c’est maintenant, seulement, qu’on peut voir cela, un sexe de femme et un sexe d’homme s’unissant, le sperme – ce qu'on ne pouvait regarder sans presque mourir devenu aussi facile à voir qu’un serrement de mains.

 

Il m’a semblé que l’écriture devrait tendre à cela, cette impression que provoque la scène de l’acte sexuel, cette angoisse et cette stupeur, une suspension du jugement moral.

 


Queria terminar com uma nota sobre livros que não mencionei no texto principal, porque ainda não os li ou não os reli ou porque conto escrever sobre eles mais demoradamente ao longo de 2022, mas que me parecem de assinalar por um motivo ou outro.

A Lição do Sonâmbulo de Frederico Pedreira (Companhia das Ilhas, 2020), que foi distinguido com o Prémio União Europeia de Literatura de 2021 e cuja recepção crítica foi, a meu ver, inexplicavelmente omissa: não há assim tantos romancistas distinguidos com um prémio internacional na geração de romancistas portugueses a que Frederico Pedreira pertence (e são escassos até ver os romancistas portugueses nascidos na década de 80). Por outro lado, Frederico Pedreira tem um percurso enquanto tradutor, ensaísta, poeta e romancista que, de um modo mais geral, merece destaque e atenção e parece-me coisa de uma vileza incompetente e triste este tipo de menosprezo crítico por omissão preguiçosa ou facciosa.  

 

A Varanda de Ricardo Marques (Companhia das Ilhas, 2021), por motivos semelhantes ao do romance de Frederico Pedreira menos o prémio. É uma breve novela ensaística sobre a relação entre espaço (mental, físico), cultura (sobretudo literária mas também cinematográfica) e confinamento, um livro em tom conversacional que encerra uma reflexão mais profunda sobre o modo como estamos a viver agora e, regressados ao normal, o que pede mudança, revisão, rejeição de velhos padrões. É um livro que entra em diálogo com outro que discutimos aqui, A Torção dos Sentidos de João Pedro Cachopo, recenseado para a Enfermaria por Victor Gonçalves.

 

Dois livros editados no Brasil, mas acessíveis em Portugal, via encomenda pela internet ou Livraria da Travessa: São Miguel da Desorientação de Miguel Martins (Macondo, Dezembro de 2020), porque Miguel Martins é um dos grandes poetas de língua portuguesa, ponto final parágrafo, dogmaticamente e com imensa gratidão sempre que é possível lê-lo, e o mesmo vale para Mesmo o silêncio gera mal-entendidos: antologia 2000-2020 de Ricardo Domeneck (Garupa, 2021), exactamente pelos mesmos motivos. Alguns poemas desta antologia de RD podem ser lidos aqui.

 

Ventos Borrascosos de Fernando Guerreiro (100 Cabeças, 2019) é outro livro de poemas que segue sendo em geral ignorado pela crítica que escreve em jornais, coisa que para mim é motivo de perplexidade, preocupação e, de um modo geral, sinal do marasmo que vai caracterizando boa parte do que se escreve sobre livros em jornais portugueses e que mantemos o mau hábito de dignificar com o epíteto, convencional e em certos casos puramente ficcional, de crítica literária.

 

Pessoa: An Experimental Life de Richard Zenith (Allen Lane, 2021). Indispensável, incontornável, etc., sem ponta de ironia na enumeração dos ins-todos. Um livro a ser celebrado. Edição portuguesa para breve, diz-se.

 

Fernando Pessoa e Outros Fingidores de Maria Irene Ramalho (Tinta da China, 2021). Se por mais nada (e há, no entanto, bastante mais) porque coloca de novo em circulação e de modo facilmente acessível um dos mais belos ensaios que alguém alguma vez escreveu sobre um dos principais heterónimos pessoanos, “A doença do poeta,” a propósito de alguns dos poemas de “O Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro. 

 

Poemas de António Franco Alexandre é a reedição do ano, o que é quase desnecessário mencionar. No entanto, durante uns quantos meses, irei garantidamente continuar a alimentar esperanças pouco razoáveis em relação ao futuro do mercado editorial português, que me pareceu de um potencial digno de celebrações líricas infinitas assim que aquela gloriosa capa azul começou a aparecer nas minhas timelines das redes sociais.

Memories of Asia Minor in Contemporary Greek Culture: An Itinerary de Kristina Gedgaudaitė (Palgrave MacMillan, 2021). Um livro que quero muito ler. Em 1922 a Grécia procedeu a uma troca terrível de populações com a Turquia e tornou-se, pela primeira vez na sua história contemporânea, um país de refugiados. Os gregos que viveram durante séculos na Ásia Menor tiveram de recomeçar a sua vida noutro país, supostamente o seu, exceptuando que não viviam lá há seculos. Que memória fica deste evento histórico, deste lugar, deste corte, nas gerações que vêm a seguir? Este livro é um itinerário para essas memórias. Desconfio que este é também um livro muito necessário não só para entender a Grécia de hoje, mas sobre a relação entre trauma, violência histórica, identidade e persistência da memória.

WhatsApp p/Bitches de Ana C. Joaquim (Douda Correria e Poesia Incompleta, 2021) porque é um livro belo, vivaz e irrequieto, que, com riso mas sem catequismos ou agendas, questiona convenções e limites – sociais, emocionais e daquilo que achamos que é linguagem poética (escrito em português-brasileiro do WhatsApp). A edição é também belíssima.

Livros de 2019 (parte 2)

José Pedro Moreira

Modris Eksteins, Rites of Spring: The Great War and the Birth of the Modern Age, 1989 

Um estudo cultural sobre o mundo em mudança no princípio do séc. XX, desde a estreia do ballet Le Sacre du printemps até à ascenção de Hitler, e sobre como os grandes movimentos de massas que definem o período retomam os gestos ensaiados pelo Modernismo.

Nan Goldin, The ballad of sexual dependency, 1985

Uma sequência de fotografias que documentam anos vividos na margem da sociedade e o grupo, a “família”, que o olhar de Goldin capta. Pequenas narrativas vão emergindo: histórias de intimidade, de perda, violência, procura, amor.


W. G. Sebald, Austerlitz, 2001

O último romance de Sebald e talvez o seu melhor. Numa prosa contínua, sem parágrafos, o narrador conta uma série de encontros com Austerlitz, um historiador de arquitectura obcecado por estruturas de defesa, onde ficamos a saber a sua história, a sua infância em Gales, a sua relação com um dos acontecimentos históricos definidores do séc. XX.

Thomas Bernhard, Collected Poems, 2017

Um dos livros de poesia que me acompanhou este ano. Um Bernhard muito diferente dos romances e do teatro; uma voz mais lírica, mais exaltada e celebratória, menos resmungona.


Hannah Arendt, Origins of Totalitarism, 1951

Um estudo consagrado sobre como o totalitarismo acontece, como se estabelece e enraíza, usando o nazismo e o estalinismo como casos de estudo. Senti que era um livro que tinha obrigação de ler em 2019.

João Coles

The psychoanalysis of fire (Beacon Press Boston, 1968), Gaston Bachelard

Bachelard enriqueceu a filosofia e a ciência através do considerado inimigo desta última: a rêverie na literatura, ou a imaginação poética. Portanto, de um ponto de vista científico, apoiado em imagens literárias e em narrativas mitológicas, ou na chama delas, Bachelard esboça um estudo sobre o nascimento do fogo na história da humanidade e da sua componente libidinosa: toca em temas como hierarquia paternal e a desobediência inteligente, que será o impulso da coragem libertadora da curiosidade, a ansiedade de conhecer, o fogo sexualizado sem nunca (curiosamente) mencionar Freud, a fertilidade imaginativa do fogo na dilatação das ideias, o instinto de morrer e o de viver ou, nas palavras do autor, “o apelo da pira funerária”, entre outros. Um livro sobre os instintos; sobre o que se acende neste nosso cérebro de lagarto para o bem e para o mal; o que impele a natureza humana a querer conhecer e a auto-destruir-se: After having gained all through skill, through love or through violence, you must give up all, you must annihilate yourself (D’Annunzio, Contemplation de la mort).

O Tchekista (Antígona, 2012), Vladimir Zazúbrin

Em poucas palavras, o mais terrificante dos livros sobre a clandestinidade e o modus operandi do matadouro da Tcheka que traz a Srubov, o protagonista, grandes dramas morais. A violência contra a vida e a justificação incontestável das mortes pela revolução revela-se um choque para Srubov que se torna vítima de uma loucura febril. A transcrição de um dos telegramas de Lenine resume a sua desgraça: “Fuzilem sem perguntar nada a ninguém e sem delongas imbecis.”

PS: nomeada história de embalar do ano pelas várias associações e ministérios nacionais.

Il fascismo degli antifascisti (Garzanti, 2018), Pier Paolo Pasolini

Uma breve recolha de ensaios de Pasolini, escritos entre 1962 e 1975 em diversos periódicos, que nos dá luz sobre as diferentes evoluções do fascismo - culturais, linguísticas e políticas - em Itália. O rosnar de denúncia de Pasolini sobreviveu décadas e numa fase da nossa história em que os movimentos de extrema direita se agitam e ganham maior dimensão nos parlamentos, ler este livro e ler PPP assume-se como um acto corsário: compreender as formas anteriores do fascismo e do capitalismo que nos trouxeram aqui de forma a entender e lutar contra as suas novas mutações: ” […] o velho fascismo, ainda que através da degeneração retórica, distinguia: enquanto que o novo fascismo – que é toda outra história – deixou de distinguir: não é humanamente retórico, é americanamente pragmático. O seu objectivo é a reorganização e a homologação brutalmente totalitária do mundo.”

O uivo do coiote (Contraponto, 1996), Luiz Pacheco

Um conjunto de entrevistas reunidas feitas a Luiz Pacheco em 1985, 1988 e 1992, escolhidas, editadas e publicadas pelo próprio na Contraponto. Uma entrevista nunca é de uma autoria só, há dois intervenientes que guiam mutuamente os passos um do outro, improvisando quando necessário. E por isso poderíamos compará-la a uma dança: quando boa, parece que o par flutua; quando má, até nós sentimos calcados os nossos próprios pés. Mas estas pertencem a um bom tango. Enfim, este breve livro resume, como que em pequenas polaróides, a vida de um autor e de algumas das suas peripécias, da sua libertinagem, borracheiras, amizades e inimizades e “visitas” ao Limoeiro (não que fosse necessário contribuir ainda mais para o mito da figura marginal e desbocada de Pacheco), bem como da geração do Café Gelo. Podem contar nestas entrevistas com Luiz Pacheco sempre fiel ao seu estilo, cáustico quando necessário, com humor e larachas e mais larachas. Deste coiote solitário da literatura portuguesa - não digam escritor maldito que ainda vos chega à cara uma lambada pachecal vinda da orla do mundo dos mortos - esperemos ver num dia não muito distante a sua obra reeditada. Até lá, que nos nutram as bibliotecas.

A cidade das mulheres (Coisas de Ler, 2007), Christine de Pisan

Christine de Pisan (1364-1430) foi a primeira escritora, que até hoje se tenha conhecimento, a escrever sobre os direitos das mulheres e a insurgir-se contra a misoginia no mundo das artes na sociedade de Veneza do seu tempo. A cidade das mulheres de Christine (1404) em nada se assemelha ao La città delle donne de Federico Fellini, caso isso vos tenha ocorrido: quando Snaporaz entrou na pequena cidade governada por feministas saiu dali achincalhado, mas o que Fellini releva é uma sociedade desorientada e confusa. Christine de Pisan, pelo contrário, constrói uma cidade amena e racional, bem à moda do Renascimento, ao longo de passeios e diálogos com a Razão, Rectidão e Justiça, as três figuras alegóricas que a acompanham e preenchem a cidade de figuras femininas virtuosas sem as quais uma sociedade não pode viver: poetisas, intelectuais, santas e guerreiras: sejam exemplos Safo e Ortensia, Nicostrata, que teria inventado o alfabeto latino, e Leontina, que publicou escritos criticando Teofrasto, ou a força e coragem de Santa Catarina, Lampheto e Marpasia e todas as amazonas. Isto entremeado com conversas não tão inocentemente didácticas que pretendem desconstruir os preconceitos que Christine, mas não exactamente Christine nem apenas Christine, permitiu entranharem-se nos meandros da sua mente sobre o carácter vicioso e fraco da natureza feminina oriundos de um mundo predominantemente masculino.

Nota: enquanto editor da Enfermaria 6, permiti que o meu preconceito substituísse a capa da edição portuguesa por uma alheia e mais bela, nunca, porém, desconsiderando os meandros legais: ou seja, por decreto-lei de fealdade.

Scusate l’amore (Passigli Editori, 2013), Marina Tsevetaeva

Perdoem o amor , uma possível tradução para o título, é uma belíssima antologia de poemas desta autora russa do séc. XX que escreve despudoradamente sobre uma força, uma grande vertigem chamada amor. Tsevetaeva, numa poesia pejada de emoção, escreve de maneira ao mesmo tempo crua e lírica poemas sobre o cósmico e o grito surdo do amor a amantes, amigos e desconhecidos. No miolo maior do livro, a poesia de Marina entrega-se à urgência de amar, à necessidade constante de uma grande paixão (“tenho de ser amada de maneira absolutamente extraordinária para poder amar extraordinariamente”); são versos com uma sede de amor que precisa de ser renovada e consumada uma e outra vez e em todas formas: a paixão cega, o ódio pelo traidor sobre quem a vingança de olhos vermelhos se lançará, o ciúme pungente (“Como passas com aquela / fácil? Aquela sem traços de divindade? // […] logo tu que conheceste Lilith!”) e a vontade de se abandonar desprendidamente nos braços de alguém. A segunda parte do livro tem como protagonistas as vozes femininas de heroínas antigas e através delas fala-nos do amor impossível: da vontade de não querer mais sentir o corpo graças à violência do amor, como Fedra, que por um desejo exasperante (“uma úlcera em chamas”) suplica em vão a Hipólito algum alívio através de beijos antes de se suicidar; a renúncia de tudo ao corpo dem Eurídice que, contrariamente à tradição, não quer voltar para Orfeu e reviver de novo a dor; e a impossibilidade do amor divino numa sensual, erótica e ternurenta relação entre Maria Madalena e Jesus. O amor em Tsevetaeva é o desejo cego de consumar-se num fogo e depois noutro. Se o amor na sua poesia fosse o Etna, Tsevetaeva seria Empédocles.

Livros de 2019 (parte 1)

Ler furiosamente ou lentamente, mas ler. Ler por deleite ou para chupar informação, mas ler. Ler no quarto ou no comboio, mas ler. Ler com prazer ou com fastio, mas ler. Ler poesia ou prosa, mas ler. Ler todas as palavras ou ler na diagonal, mas ler. Ler contra ou a favor, mas ler.

É assim para os editores da enfermaria, um compromisso vital, quase biológico, com a leitura, porque sem ela a vida seria uma erro.

Numa subjectividade que não negamos ou ocultamos, cada um de nós faz a lista das melhores leituras de 2019.

Victor Gonçalves


La Faiblesse du Vrai (Seuil, 2018): um livro dentro do espírito do tempo que nos ajuda a pensar as implicações da pós-verdade. Myriam Revault d’Allonnes questiona as relações conflituosas entre a política e a verdade, monstrando que o problema principal da política não é o da sua conformidade à verdade, mas a forma como se constitui a opinião pública e se constroem os juízos de valor.

Uma Aproximação à Estranheza (INCM, 2017): Frederico Pereira acompanha o rasto e as marcas da estranheza, o seu processo de constituição em modo negativo e os traumas, pequenos e grandes, que se inscrevem em quem a sente. Como diz: “O uso da linguagem envolve o que Wittgenstein designa como a vivência do significado das palavras. Assim, percebemos que a sensação de estranheza decorre de uma interrupção ou quebra nessa vivência e não de algo intrinsecamente estranho na linguagem.”

O Pregado (1977/2011): Günter Grass é quase sempre magistral, apanha com uma facilidade divina qualquer lado do humano. Depois, imaginando e compondo novos mundos (poderosa escrita ficcional), sopra com vida mirabolante as personagens que coloca nos seus escritos. E isto também lhe permite trabalhar a língua em todo o seu esplendor. em O Pregado, como se diz na contra-capa, “Grass tece um interessante [eu usaria um adjectivo mais intenso] e hilariante estudo antropológico da cultura germânica desde o período neolítico até à década de 70”.

Tens de Mudar de Vida (2009/2018): Peter Sloterdijk é o melhor pensador da actualidade (digo-o sem forçar nada). Se quisermos saber o que se passa com o homem, sozinho ou acompanhado, sonhador ou trabalhador, consumidor ou ascético, vivo ou morto, temos de passar por ele. Este livro é sobre antropologia filosófica (daí a importância de se ter algumas bases filosóficas para o compreender bem), nomeadamente as antropotécnicas, isto é, “os procedimentos de exercitação mentais e psíquicos com que os homens das mais diversas culturas tentaram otimizar o seu estatuo imunitário cósmico e social face aos vagos riscos da vida e às agudas certezas da morte.” (Sloterdijk).

Sobre o Poder (2005/2017): Byung-Chul Han compete com Peter Sloterdijk para o lugar de pensador mais influente desta década. Mais sóbrio (no estilo e no manejo dos conceitos), desenvolve uma filosofia da frugalidade, anti-consumista e anti-capitalista, sem que seja, contudo, neo-marxista. É assim que a sua noção de poder, construída a partir dos pós-estruturalistas franceses, nomeadamente de Michel Foucault, deve centrar-se no que pode fazer para tornar os indivíduos mais livres e plenos e não nas técnicas, criticadas ou aceites, de domínio sobre o outro. Por isso diz: “É uma crença errónea supor que o poder opera unicamente inibindo ou destruindo. […] Um poder superior é um poder que configura o futuro do outro e não um poder que o bloqueia.”


Tatiana Faia

Patrizia Cavalli – My Poems Won’t Change the World (Gini Alhadeff, ed.), Penguin Books, 2018
Uma anedota famosa sobre Patrizia Cavalli, umas das mais importantes poetas italianas da actualidade, reza que durante algum tempo ela ganhou a vida como pintora e jogadora de póquer, e não necessariamente por esta ordem. Uma ironia mordaz e um sentido de humor tingido de uma ternura amarga lembram-nos que alguns poemas de repente nos podem tornar demasiado vivos à luz de algumas palavras, à força da representação de umas quantas situações. Há em Patrizia Cavalli a encenação de intimidades decadentes que brincam com as nossas fragilidades, com as nossas falhas morais e emocionais, e há qualquer outra coisa que é como uma inteligência cuidadosa que por gentileza se eleva acima disso e nos recorda que não somos tão óbvios como tudo isso. A poesia de Patrizia Cavalli é sobre a profundidade do humano.

Daisy Hay -Young Romantics: The Shelleys, Byron and Other Tangled Lives, Bloomsbury, 2011
Anna M. Klobucka – O Mundo Gay de António Botto, Assírio e Alvim, 2018
O livro de Daisy Hay tenta contrariar o mito dos poetas românticos como génios solitários, concentrando-se nos laços de amizade que uniram os jovens poetas românticos ingleses. O de Anna M. Klobucka revisita a vida e a obra de uma espécie de poeta tabu do primeiro modernismo português, António Botto, tentando reavaliar a sua relevância. De um modo ou outro, estes dois ensaios centrados sobre a figura de alguns poetas e sobre os laços que eles cultivaram tentam contribuir para que se escreva uma história mais exacta dos movimentos literários a que se referem. Pelo caminho, desarrumam o cânone, pelo menos um bocadinho, e isso não é pouco.

James Merrill – A different person, Knopf, 1993
Rico herdeiro de uma poderosa família milionária americana viaja até à Europa (pela maior parte mediterrânica) em busca dele próprio. Esta seria (e é de facto) a melhor descrição sensacionalista desta autobiografia de James Merrill, um dos maiores poetas norte-americanos do século XX. É difícil de explicar o quão impossível é de não se gostar deste livro. É sobre uma longa viagem conduzida às cegas, sem grandes planos ou objectivos além deste a que alude o título, de se tornar uma pessoa diferente, que termina talvez não com a descoberta mas com a aceitação de si próprio, com uma espécie de epifania sobre a alegria de estar vivo, que chega por prolongada exposição, em modo de tentativa, erro e ansiedade mais ou menos constantes, aos outros. 

Alberto de Lacerda – Labareda, Tinta da China, 2018
Alberto de Lacerda é um poeta que, como notava Pedro Mexia, não está particularmente identificado com nenhum cânone nacional. Nem especialmente identificado com a literatura de Portugal, nem com a de Moçambique, nem com a literatura de outros países onde viveu, a inglesa ou a norte-americana, talvez a pátria de Alberto de Lacerda sejam alguns outros poetas ao lado dos quais ele pertence. Poesia da paisagem e de quem nela vive, do encontro e do espanto, Labareda é uma antologia (relativamente) breve que colige alguns inéditos. Alberto de Lacerda escrevia poemas que são como artes de viver. E continua a ser um dos poetas mais raros do nosso cânone pessoal.

George Seferis – Six Night on the Acropolis, 2007
É o livro que estou a ler agora. Comecei a lê-lo em Julho, não longe da Acrópole, e perdi-o no caminho de volta a Inglaterra e tentei lê-lo numa biblioteca de línguas modernas, mas algures em Setembro o exemplar que lá estava desapareceu. Encomendei-o e levou seis semanas a chegar dos Estados Unidos, onde uma associação de gregos americanos, por qualquer questão de devoção que me ultrapassa, o mantinha em stock, e foi mesmo um dos poucos sítios em que consegui encontrar este romance do prémio Nobel grego à venda. Seferis é de longe mais conhecido como poeta, e tal como Kavafis, poeta de uma obra relativamente circunscrita. Num dos primeiros poemas que estão coligidos nos poemas completos, um homem pesa no colo o infindável peso de uma cabeça de mármore, a pesada herança de um país cujo presente não irá jamais traduzir as noções de glória que se atribuem ao passado. A vida de Seferis foi particularmente exemplar do nosso tempo. Refugiado da Ásia Menor, Seferis foi no seu próprio país, aquando da sua mudança para Atenas vindo de Esmirna, um estrangeiro. Este romance, Seis Noites na Acrópole, é sobre alguém jovem que, precariamente instalado em Atenas, se tenta encontrar a si próprio, entre um grupo de amigos literatos e diletantes, uma exploração do que poderá querer dizer isso, estar em casa ou estar em casa em qualquer parte do mundo. Um romance para hoje.


Vítor Teves

Diderot e a arte de pensar livremente (Círculo de Leitores, 2019) - Numa altura em que as figuras do século XVIII andam esquecidas (assim como muitos dos seus princípios), esta biografia ajuda a ressuscitá-las. Nela encontramos Diderot, um homem de pulso, a gerir toda uma enciclopédia e resistindo a todas as pressões do seu tempo. É um livro de leitura fácil, cheio de peripécias e humor, quer do tempo de Diderot, quer da sua vida pessoal. Interessante são as relações atribuladas com Jacques Rousseau, homem demasiado sensível, e com Catarina, a grande; assim, como o capítulo dedicado às suas mais importantes obras literárias: O sobrinho de Rameau e os diversos Salons. A ler.

Chalk – The art of erased Cy Twombly (Melville House Books, 2018) – Esquecendo polémicas à volta deste livro, esta pode ser a primeira e mais abrangente biografia até agora realizada sobre o artista norte americano Cy Twombly, falecido em 2011. Embora muito conhecido no meio artístico e literário, continua a ser um verdadeiro mistério. A biografia vem a esclarecer alguns pontos da vida obscura de Cy Twombly, com especial enfoque na sua vida amorosa, nomeadamente o seu relacionamento com Robert Rauschenberg e Nicola del Roscio. É uma boa entrada para quem quer conhecer um dos mais importantes pintores da segunda metade do século XX. .

Paradoxes de Robert Ryman (L’échoppe, 2018) – Este pequeno ensaio do crítico de arte francês Jean Fremón é um importante contributo ao estudo da obra de Robert Ryman, pintor falecido este ano. Fremón coloca Ryman na linha da iconoclastia – Plotino, Bizâncio, Malevitch – mas também em paralelo com a pintura norte americana dos anos 40/50 – Rothko e Newman (sobretudo). Interessante é encontrar um paralelo entre Beckett e Ryman, dois artistas que exploram o Paradoxo, um na escrita, o outro na pintura.  Numa época em que se fala de “pintura sem tinta”, Robert Ryman adquire uma importância extraordinária, como um dos seus principais precursores.

Hot, Cold, Heavy, Light – 100 Art Writings (Abrams Press, 2019) – O poeta e crítico de arte Peter Schjeldahl (1942 -) reuniu este ano, num único volume, os seus mais importantes textos críticos dos seus últimos 40 anos, exatamente 100 textos. Conhecido, sobretudo, pelos seus textos no The New Yorker, Schjeldahl reuniu textos publicados em diversas revistas, desde a Art Forum à Vogue. O livro está dividido em 4 capítulos, cada um correspondente aos binários Quente – Frio e Pesado - Leve. São textos de fácil compreensão, imaginativos e que prendem o leitor. É um excelente exemplo de boa crítica de arte, na linha dos poetas-críticos de arte Frank O’Hara e John Ahsbery.

Antologia dos Poemas (Relógio d’água, 2019) – Desde 2011 que não existia uma antologia de poesia de João Miguel Fernandes Jorge. Digo 2011 porque refiro-me à última Antologia realizada, a Antologia Açoriana. A deste ano tem a particularidade de trazer escolhas das últimas décadas, incluindo das obras híbridas (O próximo Outono e O Bosque). Preciosas são as notas e textos de Joaquim Manuel Magalhães, assim como alguns textos do próprio poeta. Esta pode bem ser a derradeira antologia e introdução à obra de João Miguel Fernandes Jorge, uma antologia que se destina, sobretudo, creio eu, a uma nova geração de leitores.

Anima Mea (Documenta, 2019) – A editora Documenta tem feito um trabalho extraordinário de divulgação dos artistas e pensadores portugueses. Neste ano de 2019 saíram inúmeros catálogos de enorme qualidade, alguns exemplos: o de António Bolota; o de João Jacinto; o de Manuel Rosa, o do Rui Sanches, etc. Entre todos os publicados escolho este de Alexandre Conefey, com textos de João Pinharanda e Maria Filomena Molder. Ambos os autores dispensam apresentações e a minha atenção recai sobre o texto de Filomena Molder, um texto pequenino, é certo, mas delicado. Depois de uma apresentação geral, Filomena passa para uma interpretação desenho a desenho; é aí que ficamos rendidos pela sua sensibilidade. Lido o texto, não conseguimos desprendermo-nos das suas imagens e palavras, este é o poder da boa crítica de arte.