o dia dos teus anos

começo hoje a festejar o dia dos teus anos
dona filomena me aponta por chegar sempre tarde à casa
minha mãe fala devagar o meu nome
dona filomena me aponta por chegar sempre triste 
e subir as escadas como se derrubasse o mundo
minha mãe fala baixo o meu nome
eu peço: mais alto, por favor
é que dona filomena às vezes grita no apartamento do lado
se eu fosse um náufrago
e teu nome uma concha
escutaria o que os vizinhos já conhecem
é que dona filomena nunca pisou nesse prédio
minha mãe esquece meu nome quando desligo o telemóvel
carlos, desculpe-me
há dias que sou eu mesmo
em outros sou dona filomena
e também minha mãe
e também o tavares quando não abre a tabacaria
quando eu era um náufrago
e teu nome uma ilha
as coisas não costumavam mudar de forma
pois era eu mesmo
e eu mesmo
e às vezes você (eu mesmo)
mas logo hoje festejo o dia dos teus anos
e celebro o apartamento como uma instituição
pois teu nome e dona filomena e a tabacaria
e todas as coisas bonitas e tristes da cidade são o mesmo 
maço de papéis quando: uso óculos escuros
lavo as mãos na água fria
sento de costas e deito a cabeça na janela do metro
mas logo hoje (o dia dos teus anos) sou dona filomena
e também a paragem do autocarro e também algumas prendas
e sobretudo eu mesmo e a alegria do mundo
logo hoje
a casa respira tempos que não são teus