Canções de verão: duas antologias

OCaso algures no Dodecaneso, 2021

Uma antologia breve pode ser um pequeno catálogo de um momento. Mantenho há algum tempo uma antologia de poemas e versos de poemas que podiam ser sobre o verão, que revisito muitas vezes no inverno, um tempo impaciente para mim, que não tem grande coisa a ver com a minha natureza, muito embora ame o chiaroscuro das ruas da cidade onde vivo nessa estação, um tempo para torres cobertas de neve e noites longas, que começam a meio da tarde, e salas de pubs demasiado aquecidas, interrompidas amiúde por uma corrente de ar de uma porta deixada aberta, que alguém, irritado, constantemente se levanta para fechar. O inverno enquanto porta que se fecha e o verão enquanto uma que se abre. Lentamente, ao longo do inverno, chega a nostalgia do verão (cada um ama aquilo que não tem?). Certa vez, numas férias de verão, o amigo com quem tinha ido até à praia começou a acelerar loucamente no carro, porque um guia turístico que ele tinha lido garantia que o melhor pôr-do-sol podia ser visto numa praia a alguns quilómetros de onde estávamos. O meu amigo de repente teve pressa para ir ver o sol desaparecer, algo que não é suposto, reclamei eu, stressar uma pessoa quando ela está de férias. Mas a verdade é que valeu a pena a corrida. Um pôr-do-sol como uma orquestra, como uma aurora quase e não como um ocaso. Laranja até chegar ao púrpura e púrpura até chegar a um azul ardente, inexplicável sobre o mar. A minha antologia de versos sobre o verão inclui aquele que se pode ler em epígrafe este mês na Enfermaria (mas é discutível que esse verso de Sylvia Plath seja sobre o verão).

Alguma coisa do espírito que vai animando esta minha colecção deve ter animado Elena Medel, editora de La Bella Varsovia, por volta de Julho de 2022, quando esta casa editorial espanhola compilou e disponibilizou gratuitamente no seu site o pdf de La Canción del Verano: Algunos poemas para viajar leyendo. É uma pequena antologia que reúne doze poetas do catálogo da editora, de Andrés Neuman a Amalia Bautista, passando por Luna Miguel, Ismael Ramos e Berta García Faet, para nomear alguns. O subtítulo, que reenvia para Emily Dickinson, é um tema: nos poemas cruzam-se as efémeras viagens do verão, os seus momentos de estase e aceleração, ele é visto do ponto de vista do permanente e do efémero. Os poemas levam-nos de volta ao sal do mar e ao cloro das piscinas, a jardins que rodeiam praias e à letargia de estradas e cidades em dias de calor. Algo neste pequeno panfleto faz pensar, claro, nas canções de verão do título, mas também em filmes sobre o verão, remete para eles visualmente, algures no espectro de Call me by your name (Luna Miguel?) até Aftersun (Andrés Neuman?), ou talvez filmes mais recuados, Le rayon vert, La Piscine, L’Avventura.

La Canción del Verano acaba por ser também uma pequena amostra do catálogo desta editora. Não há nenhuma preocupação com qualquer nexo temático, as vozes são discrepantes, há poemas de uma concisão quase epigramática e outros predominantemente narrativos, a única coisa que os une é uma ideia (muito solta – difusa talvez como um tempo de férias) do verão, um pouco ao contrário de um projecto semelhante, mantido pela Poetry Foundation, a sua colecção Summer Poems, também ela uma amostra dos nomes que foram passando pela revista, mas esta organizada por secções (dias de verão, amores de verão, insectos, etc.).

Oxford, 6 de Agosto de 2023

(debaixo de chuva)