Ghosting e Schadenfreude

A humorista francesa Nora Hamzawi declarou que, para ela, «ghoster é, muitas vezes, tato mal interpretado». Um modo de desconstruir a má fama do ghosting, essa maneira de, por mais de uma razão, com certeza, bruscamente ou brutalmente, deixar de falar a alguém sem explicar porquê. Geralmente, este comportamento é entendido como agressivo, não apenas porque quem desaparece deixa o outro em falta, mas também porque fica no ar que o abandonado teve alguma responsabilidade no desaparecimento. Acaba-se, pois, em falta e com culpa. Nesse sentido, falar de «tato mal interpretado» é um eufemismo monstruoso (dionisíaco descontrolado e descrente).

Ariane Nicolas num artigo para a revista Philosophie magazine, de 28 de outubro, resume bem o inferno do ghosting: «O ghosting é um mal da nossa época. Com as redes sociais e as mensagens instantâneas, esse fenómeno de “fantasmação” não pára de se espalhar — é inquietante. De acordo com um inquérito realizado pelo site de encontros Adopte, 72% dos participantes admitem já ter sido alvo de ghosting e 80% consideram essa atitude “atroz”. É preciso distinguir o ghosting do simples «bloqueio» online, que pode, por exemplo, resultar de uma situação de assédio. Deixar de falar com alguém é, evidentemente, um direito. Mas de quem nos protegemos quando praticamos ghosting sem aviso prévio? A pessoa que o faz dá a entender que foge de um incómodo ou de um perigo, quando, na verdade, é ela quem está a agir de forma agressiva. À cobardia inicial acrescenta-se uma culpabilização perniciosa do outro, forçado a perguntar-se repetidamente: o que fiz eu?» Uma passividade agressiva levada ao extremo.

Dir-me-ão que os sentimentos de culpa e de falta se desvanecerão rapidamente, como poderiam durar se se aplicam a um fantasma, a um não-ser? Nada de mais incerto. O evanescente perdura porque se defende muito bem dos ataques, esquiva-os tanto melhor quanto os deixa atravessar a sua ontologia rarefeita. Como se combate o que talvez não exista? Ou, existindo, esconde a sua condição de possibilidade, isto é, mantém secreto o seu modo de existir, que se pode situar num espectro que vai do inautêntico absoluto ao autêntico absoluto. Em resumo, o ghosting transforma o desaparecimento numa presença que assombra.

Estamos longe das boas espectrologias — da hantologia de Jacques Derrida à ausência social de Maurice Blanchot —, no primeiro caso um pensamento sobre a vitalidade escondida dos espectros de Marx, no segundo a autoproteção de uma personalidade extremamente tímida. Em ambos, nada os impedia de se parodiarem a si mesmos, enquanto nos davam coisas sérias a pensar. Pelo contrário, um praticante de ghosting nunca se rirá de si; no máximo, levar-nos-á a refletir sobre as nossas dependências, o peso e a extensão das alienações que nos habitam.

Mas, quando entramos no inferno, uma qualquer luz revela parte da face escondida dos que brindam connosco com copos cheios de veneno. Vislumbramos então o desejo desmedido dos que querem brilhar usando como combustível o sofrimento dos outros, militantes da Schadenfreude, que mais do que uma «alegria culpada», é a versão mais conseguida da «alegria pelo sofrimento de outrem». E quem assim age é porque se sente incapaz de se alegrar pelo que é e pelo que faz. É porque há muito se encontra em definhamento, talvez nunca tenha despontado, talvez nunca tenha verdadeiramente existido, num em-si indiferente ao inferno dos olhares de outrem.