Tacto

Tonia Tzirita Zacharatou
Tradução do grego de José Luís Costa

Os meus dedos conhecem duas texturas
a pele e a terra
embora nem sempre consigam
distingui-las.
É o tacto aquilo que perde
um foragido que tenha queimado
as pontas dos dedos
tendo decidido passar a viver
sem impressões digitais.
Talvez até me sentisse eu melhor
se pudesse tocar
a pele seca, a terra
sequiosa que foi a tua
uma pele que eu não sentia
com os dedos mas que se estendia
e transbordava por todos os lados
quando o mundo era ainda
uma casca de laranja
enroscada em torno do meu pulso.


O poema anterior nesta série, bem como um texto introdutório de Androniki Tasioula ao livro de que ele faz parte, Segunda Juventude, pode ser lido aqui.

Um poema de Tonia Tzirita Zacharatou

Ao longo do mês de Janeiro e Fevereiro daremos destaque na Enfermaria 6 ao trabalho de duas poetas gregas contemporâneas em traduções de José Luís Costa. Começamos com um texto da crítica literária grega Androniki Tasioula sobre o livro Segunda Juventude de Tonia Tzirita Zacharatou, um livro publicado pelas edições Thraka em 2020 e multiplamente premiado na Grécia, seguido de um poema da Tonia.


A propósito de Segunda Juventude de Tonia Tzirita Zacharatou

por Androniki Tasioula
tradução de Tatiana Faia

Do título “Segunda Juventude” percebemos já o tema dominante do livro: tempo. Numa entrevista a poetisa disse que queria registar a primeira juventude não como memória, i.e. muito tempo depois de ter terminado, mas que queria escrever o evento de tempos que se seguem uns aos outros em proximidade. Algo como uma reflexão em close-up, como se quisesse criar, paradoxalmente, uma sincronia entre a observação da experiência da sua primeira juventude e a sua experiência na carne.

No ensaio “O tempo das mulheres,” Julia Kristeva distingue o tempo das mulheres do tempo linear do calendário. Ela atribuiu ao tempo das mulheres as qualidades do cíclico e do eterno, num contraste com o tempo como nos foi conferido numa sociedade culturalmente patriarcal: como projecto, teleologia, perspectiva, progresso, frase gramatical: sujeito – verbo, predicado – comentários, princípio e fim. A forma como a poetisa procede à sabotagem de um tempo linear – masculino segundo Kristeva –, portanto, é não o deixando passar. No poema “Para lá do rio, um rio” ela escreve que “Eu/ todos os meus rios/ são/ imaginários./ Falar/como?” E, contudo, no mesmo poema ela escreve o seguinte sobre os rios: “Eles tentam escapar à metáfora/ que vê neles tempo que flui./ Rios querem ser rios/ para lá do cimento, para lá da metáfora.” Enquanto os rios poéticos reclamam a sua literalidade, enquanto recusam a metáfora do tempo que passa que tradicionalmente lhes é atribuída, eles procuram ser o que são.

A poetisa na sua “Segunda Juventude” metaboliza a primeira juventude na escrita poética, mesmo antes de esta se poder tornar uma coisa do passado. Ela retira a primeira juventude da sua casca linear, a que quer passar e terminar. A poetisa cria um enclave para a segunda juventude preservar em si a primeira. E por isso no poema “Dendrologio” (“Arboreto”) ela torna a idade humana semelhante à idade das árvores. De facto, o tempo que rodeia o tronco da árvore que cresce com mais uma camada de casca, incluindo todas as outras até ao primeiro rebento, é o tempo eterno e circular, certo?


DEMASIADO CEDO FOI TARDE DEMAIS

Tradução de José Luís Costa

Creio
que me falaram desse
safanão que o tempo por vezes nos dá
quando nos encontramos ainda na mais jovem
na mais gloriosa idade da vida.
Vi-o
arrancar-me os traços distintivos um a um
mudar a relação entre eles
tornar
maiores os olhos
mais triste o olhar
mais determinada a boca
marcar-me a testa com vincos fundos.
Não tive medo: observei-o
enquanto trabalhava o meu rosto
com o mesmo interesse que despertaria em mim
uma leitura em que eu avançava.