Da superficialidade

Passamos o tempo a pensar no nosso destino, como se não existisse mais mundo para além da Lusitânia. Há uma obsessão com o passado, um passado mítico e glorioso, e há ao mesmo tempo uma obsessão pela catástrofe. Somos o país da crise, o país que passou pela glória, que degenerou e que agora (desde o século XVI) não tem mais futuro, nem capacidade de se regenerar. Pensamos sobre o nosso próprio destino sem chegarmos a qualquer tipo de pensamento aproveitável para uma regeneração futura. Temos mil diagnósticos e nenhuma solução para o presente. Vivemos o passado e o futuro sem passarmos pelo imediato. Pensamo-nos mas, como dizia Pascoaes, nem filósofos temos, pensamo-nos sofrendo, poetizando, sendo taciturnos e contemplando a catástrofe. Somos a glória de Camões e a desgraça cantada por Diogo do Couto. Perdemos a dignidade em Alcácer-Quibir para ganhar heróis feitos de promessas e de barro. Queremos ser tudo aquilo que já fomos, ou que imaginamos ter sido, e não queremos ser nada, uma vez que nem sabemos quem foram e o que fizeram aqueles portugueses que partiram para o mundo. Temos os mares e encolhemo-nos. Temos a Espanha e preferimos o medo. Explicamos o presente com cinquenta anos de ditadura, qualquer sinal de recalcamento é explicável a partir do célebre ditador. Queremos ser Europa mas preferimos ser um Portugal que ressurgirá das trevas para ser novamente Ceuta. Perdemos tanto tempo a pensar em nós mesmos que não temos tempo para pensar numa relação com o outro. Temos a originalidade portuguesa, somos completamente diferentes do outro, e acabamos sendo nada, caminhando no vazio, esbracejando no nevoeiro, esperando que um Costa ou um Zé nos guie de volta para o ouro e para as especiarias. Ambicionamos a riqueza mas escolhemos a pobreza. Para crescer, cortamos, como se para melhorar fosse necessário sofrer a penitência. Ir de joelhos a Fátima para que um dia um governo baixe os impostos de quem consumiu mais do que devia. Somos o povo com maior número de especialistas por metro quadrado e com a geração melhor preparada de sempre. Infelizmente, nem os especialistas nem a geração melhor preparada são capazes de produzir reflexão e de transformar essa reflexão para a acção, para a transformação da realidade. Falamos acerca da originalidade portuguesa, olhando com fascínio para o que é estrangeiro. Hollande seria o novo Messias, Piketty é o Marx nunca lido. Chegamos ao poder e queremos ser como os ingleses, mas sem deixarmos de ser os portugueses que que cortam não cortando nada. Adoptamos a economia de mercado mas à nossa maneira, criando uma espécie de capitalismo soviético, um mercado que não deixa de pertencer ao estado. Queremos modernizar o ensino, chamamos avaliadores estrangeiros mas não conseguimos sair da bolha, ouvimos sem ouvir, copiamos mal copiado. E todas estas aparentes contradições, todo este egocentrismo resulta numa superficialidade que nos afasta daquilo que é realmente importante: a realidade.