Interior, apontamentos para um ficção

É um vilarejo cujo o calcário do caminhos
obriga os homens a um andar curvado,
ensimesmado, de uma inata errância –
o andar de um homem de algum modo
exilado, embora seja a mesma
a aldeia e mesma a hóstia mascada
e a distância é um abismo que se escava
em busca de seu incólume azul.

Em meio à violência, a melancolia
degenerou para uma suavidade acalanto.
Branco frêmito de chuva entrecortado
pelo guincho de porcos no abatedouro
e a desesperança, crescente, condensa-se
nas manhãs de céu baixo e na neblina
que faz arder a memória e a carne.

Nas esquinas, pick ups enferrujadas
e fios de eletricidade que se cruzam
e engaiolam o infinito. Há obras
interrompidas: montes de areia,
tijolos empilhados, pedras em britas,
a chuva de ontem que ainda goteja
de uma laje inacabada.

De súbito, dois pierrots
(ágeis como acrobatas de um circo
mambembe, inúteis como bailarinos
que encenam uma sonata ao luar
para uma plateia de crianças cegas) –

Dois pierrots, enfim, empertigados
desembainham espadas e duelam.
São homens  - igualmente
tristes brutos vingativos.

O que morre, crucifixa o azul com os olhos
e não consegue delimitar uma única fronteira:
o que é nuvem, o que é chuva,
o que é sol, o que é abutre,
o que é a vida que se desenlaça.

Duelaram pela miséria de uma mulher
de vestidos esgarçados:
grávida, mas que ao sentir
o que gera em suas entranhas, pressente
o arpejo de um mar que não conhece,
mas que traz na fissura dos ossos.

O mar de um país de assassinos.