"Olhem bem como poisou a tinta"

Olhem bem como poisou a tinta
Saturno é senão a vítima castigada por um
génio pior que aquele que por ele espalha
o motivo do nosso horror precipitado

É verdade que os seus filhos
não podendo sequer sufocar o
primeiro choro escorrem-lhe já
desbordados pela beiça apavorada
mas a sorte é principal nesse sangue
juvenil e primordial sangue de onde
pende a cabeça miúda decepada
sangue vertendo finamente até aos
cavados feitos pelo gigante na carne
alva terna e maculada de inocência

Saturno curva-se ante uma pena eterna
o crime escorregadio da moral e do poder
cometido pelos homens todos do mundo
será justa a absolvição para um infanticídio
perdão para a fatalidade absoluta?

Olhando para o meneio do olhar lutuoso
salgando a carne húmida com as lágrimas
ferventes fala-nos do caos da tormenta
feita em seu rosto e esgota-se a divindade
nessa poluída fabulação de virtude

Vai sem castigo porque tu és só a pequenez
semeada nos homens e inevitavelmente
Júpiter dará a sua volta professa no céu infinito
vindo salvar essa tua tirania da já seca imortalidade