Pais e filhos
/Ontem meu filho fez três anos;
e minha filha de cinco é a flor do meu quintal. 
A impossível maçã dos rostos
os olhinhos de cão, de quem olha e crê,
o mundo táctil mobilíssimo tão dado ao artesanato: 
“Um urubu, papai”
           É, um urubu, pois é
“O seu avô, papai”
          É, o meu avô, pois é
– e a coisa rígida
tão pouco dada
que quebra o dente e me resfria a tripa. 
Tu sabes bem o que é, Senhor, – perfeitamente bem:
teu filho lá
quarenta chibatadas
teu filho aí
“É Barrabás, cacete!”
– e a história toda, a intolerável história
de um cabrito sem pai. 
Só a sombra interessa, jumentinhos, só.
Que ao desenhinho mais asnal
mais jumentício
que se possa conceber
dá um contorno inteligente
e dimensões e estofo insólitos,
e algum contraste – denso, escuro – à brancura cerebral. 
As matemáticas, canções, a analgesia – sombra;
sombra a ternura indestrutível nas carinhas de cachorro
e todo o resto – o câmbio, o chipe, o deeneá
e o meu avô. 
“Que é que cê tem, papai”
                      O que tenho eu, pois é 
“Anoiteceu, papai”
            Anoiteceu, pois é
– é o artesanato, eu acho,
mobilíssimo
e a sombra asnal que me deixa inteligente. 
Três aninhos.
Minha flor.

 
                     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
                 
                 
                 
                