7 poemas de Marta Pais de Oliveira
/EMERGENCY USE ONLY
Vou na saída de emergência 
vendo as nuvens rasgadas por nós 
quando estico a mão para receber 
a informação que diz: se não se sentir 
capaz de ser responsável pela evacuação 
de emergência, peça outro lugar. 
Mantenho-me imóvel e olho 
a porta ao meu lado 
pull, exit 
– parece ser fácil 
salvar um pouco de 
humanidade
PUPILA
Dilatou a minha pupila e eu olhei-me no vidro para 
vê-la crescer como um poço negro para o interior de mim e 
a íris desapareceu, eu desapareci num círculo que cresceu tanto. 
E houve primeiro o susto de ver tudo desfocado 
depois o prazer de ser uma névoa entre todas as névoas 
foi o que pensei quando me chamaram ao consultório – 
mediu a pressão do meu olho, avaliou a pupila dilatada 
apertou-me a mão – apertou-me a névoa de mão. 
E levei na carteira a receita e no olho a alegria de tudo ser 
bonito quando é um borrão que imaginamos 
poder desenhar melhor. 
NECESSIDADES
É necessário algum caos como 
gavetas abertas, um garfo entre as colheres 
despentear o mundo com toda a certeza 
também beijar os olhos logo ao nascer 
falo de todos aqueles que for possível, sim 
esquecer o que esperar se tudo são 
lírios e delírios 
e o que há mais? 
É necessária a fúria de uma onda enorme 
olha como transforma quem a vê da praia 
ou do farol ou do carro 
podem ser crianças besuntadas de gelado 
podemos ser nós a secar lembranças na pele, somos 
e apesar do medo do abismo 
queremos vê-lo para contar a todos como é 
mas a nós não. 
São necessárias palmeiras altas para subirmos 
a essa ideia que se escondeu no fim de tudo 
num sonho dentro de um sonho e outro 
onde pedimos licença mas somos selvagens 
animais cheios de dúvidas, tantas 
– não arrumes o garfo 
– não? 
– sim 
ESTENDAL
Tens sempre os lábios gretados de café 
- essa é a regra de todos os dias 
e de todas as noites redondas. 
Melhor pensar nisso e não em ti 
nem quando subimos à rocha quente 
para logo mergulhar 
ou quando apontaste o dedo à lua 
nasceu uma verruga 
e eu ri muito alto 
demasiado alto 
talvez nervos meus de saber 
teres defeitos grandes e lábios gretados 
que apetecem sempre beijar. 
Melhor pensar no cardume de melros 
olha lá, são imensos 
e eu ri muito alto, demasiado alto 
espantando o horror de 
melhor pensar nos pés e não em ti 
caminhar sem sapatos 
estupidamente encharcados do temporal 
e eu que nem reparei que choveu 
apesar do estrondo de tudo 
e de tu a gritares coisas de silêncio 
nos meus ouvidos molhados: 
como a trazer-me à tona 
só um sussurro azul. 
Enfim vim à tona e como não lembrar 
a onda que era fria 
ou estalo de amor 
e eu em perigo que corri logo, logo 
pendurei-me no estendal 
a secar – pareceu-me que sequei 
de olhos sempre abertos como os teus 
não cair nos teus olhos, não 
melhor pensar 
que toda a gente nasce 
mas tu nasceste mais 
e como não pensar em ti? 
Toda a gente nasce 
mas tu nasceste mais 
e contigo eu 
que ainda pingo dos sapatos. 
TAXISTA
Ensinou-me hoje um taxista 
que por vezes basta abrir 
a janela do carro 
– Para quê? 
abrir os olhos contra o vento 
não, foi a favor 
– Abrir a favor do vento.   
VOLTO JÁ
Olho uma nuvem disforme  
toda branca e fúria. 
Ou outra coisa qualquer.  
Ponho o dedo no mel,  
mas eu já não sou eu  
quando finalmente é noite  
alta e há um vulto no jardim.  
Posso ser este quarto 
minguante envolto  
em ciprestes altos e esguios  
de medo mais do que a noite 
e tu ou o próprio poema.  
Talvez um gato a lamber flores,  
a caçar grilos e luares gordos 
e eu que só encontro raízes, 
cicatrizes, máquinas de costura  
velhas cosendo pontos absurdos  
e crus. Devia haver janelas.  
Mas eu não lavei o sono dos olhos,  
esqueci-me de acordar. 
Possa talvez ir à mercearia  
comprar meio quilo de tempo. 
Espera um pouco, poema.  
Volto já e trago mel. 
ERGUER
Como erguer terramotos e inundações. Pó, guindastes, ferro 
e alguém que diz: mais devagar, por favor. 
Como erguer da barafunda atenção para abrir de noite a janela 
sabendo que epopeias e libélulas têm a mesma grandeza. 
Quando nascemos começamos logo a morrer, 
depois há o abismo da imaginação. 
Como aprender a apalpar o fundo das coisas 
da sílaba ao clarão. Enfrentar com a mesma esperança 
o sublime e o terror. O amor. 
Como fazer crescer o silêncio maior do que uma bomba 
e alimentar a hora das corujas que falam dessa 
alucinação ou pasmo da escuridão 
e como rir do riso porque sim. 
Como erguer da maré a baleia, o osso medido a régua 
e esquadro ao compasso da luz da lua. 
Subitamente percebi: não sei se saberei perder o medo de escavar. 
Intrigar-me-á até ao fim dos dias quem dá maiúsculas a 
terra mar céu deus 
sinal de importância quando o que de maior têm é o quotidiano. 
Dizem que se a ele sobrevivem é tudo 
– posso eu? 

 
                     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
      
      
    
  
  
    
    
     
                 
                 
                 
                