Banho de mar

mar bravo
cavalgam-me as ondas
no dorso
nos ombros
enquanto nado

como uma tábua
debruada a branco
no ribombar contínuo da rebentação

espuma-mar
a entrar-me no corpo
em golfadas
que alegremente me enterrariam
se as deixasse

espuma-mar
a aguardar o fraquejo
do músculo que se entregaria
pra encontrar na massa líquida
a última morada

sou puxada
empurrada
virada e revirada
num volteio
que não vê chão

sou de água
transparente, fluida, molhada
em movimento oceânico que vai e vem

só pararia no fundo
se aceitasse engolir
o que com sofreguidão
engolir-me tenta

 

...

 

muda o mar entretanto
e em duas braçadas
dali saio e me levanto
viva, mas domada.

sexta-feira santa

empurra a máquina, Macário
que me importa
se não me abres a porta
se a ela não bato?

empurra-me daqui pra fora
contando as horas
mostrando os dentes
a quem vem a desoras
e nem sei bem
quantas vezes te pedi
que viesses

de perna ligeira
e olhar silvestre
sobe à Senhora do Monte
que me arranje o cordeiro
montado num andaime
desses que se desfazem ao cair da tarde
numa páscoa de santo jejum
à qual faltou sacrifício

ele que diga se eu vivo
eu que troquei o verde pasto
pelo deserto infinito.

Precisão

Trocou-lhe as voltas
a rapariga
ali deixada a meio
num corpo sem idade
a ir de novo pra velho
a ir de velho pra novo
sem espanto nem receio

a ir às compras como quem cobiça e quer
mesmo se depois não pode
como quem se atira e corre
afogueada
sem por isso chegar antes
ou mais depressa

Chega é tarde.

Com o pó da estrada a embaciar-lhe
os cabelos
lábios a gretar de sede
mãos pendentes
ripostando
que farão o que se lhes der a fazer

é uma questão de precisão
de palavra ouvida e dada
de trazer os pés
junto à cabeça
e de volta ao chão da estrada.