3 poemas de Pedro Valera

(untitled)

beijo-lhe a face
suave frio pálida
cotão de flor de algodão
e escorrego a mão sob o vestido
o seu seio de fora
a descansar na minha palma
“estou feia...” diz,
e num tremer retrai-se
“estou feia” sugere
“ninguém nos vê” esqueço a face e
beijo-lhe os lábios
“estou mesmo mesmo feia...” e vira a cara
a sorrir, tapa o seio já sujo de areia
o seu cabelo curto chicoteia suavemente o meu olho
“certo” deixo a mão sobre a sua perna,
afago o veludo natural da
sua pele enquanto solto o outro seio
paira no ar o ronquejar insone da
prenuncia da aurora
as esplanadas estão perto de abrir
ao longe um camião de esteira varre e
alisa a areia.
“porquê aqui?” mas ela não responde,
sorri apenas e esconde a face...
parece tão nova... as suas pernas e
corpo escanzelado... e então,
subo-lhe o vestido e começo –
e eventualmente
acabamos.
senti-me vaidoso mas culpado
como se tivesse partido o brinquedo duma criança
assim muito discretamente e sem contexto.
mas ela sorri,
“tenho de me limpar” diz
e num arranque rápido, aperalta-se,
desce a tropeçar até à margem “não desapareças com
a minha mala!” onde se debruça ligeiramente
e à distância vejo
a salpicar a água do mar manso
com a palma da sua mão. está vermelha e
labuta na sua limpeza. subitamente
rompe-se uma pequena ondulação,
ela derrapa
desequilibra-se e cai de costas,
as suas pernas erguem-se, intocáveis
e ela começa a sacudi-las
no ar delicadamente a brincar
como uma modelo na
sua photoshoot
uma ligeira brisa
o sal e sangue marinado a escorrer das
suas ancas
e ambos nos rimos.
ela
ao longe
e eu
ao longe.
um pouco em contraluz,
ela levanta-se num
segundo
regressa a cambalear e
a sorrir
com a graciosidade pouco subtil
de um cisne perdido no
deserto.

 

a despesa do poeta

ia sendo descoberto
no outro dia.

escritos uns poemas
entremeei-os com documentos jurídicos
e uns textos da wikipédia
e levei-os à papelaria da esquina
para imprimir.

era a melhor forma de imprimir
e evitar ser apanhado.

mas quando cheguei
ele inseriu aquilo no seu pc
fez scroll, parou um segundo e
olhou-me

“imprime poemas com a sua
declaração de rendimentos?”

ele deveria ter uns 30 e poucos anos.

“a minha namorada estuda literatura
pós-modernista, pós-guerra e queria
imprimir, percebe?”

escusado será dizer
que era mentira:
não tenho namorada.

carregou num botão e esperou.
“escreves poesia, não escreves”

“não, não mesmo” paguei o
que devia e deu-me as páginas.
“eu escrevo.” e assim do nada
escapuliu-se para
as traseiras
como uma criança incontinente.

quando saí
guardei os meus poemas e
deitei o resto fora,
todas a páginas que arranjara como
desculpa.

reli-os a voltar para
casa; pareciam-me dedos amputados
dum coração inválido
a alcançar o nada.

acontece muita vez.
seja qual vagabundo vasculhar aquele
lixo,
sabe mais da minha vida que
vocês com estes
poemas.

talvez deva investir
nessa vertente: edição de autor,
capa dura
as Declarações dum Poeta e
seus rendimentos,
mais impostos, contratos, recibos verdes
e comprovativos assinados de um
belo e recomendado trabalho comunitário
imposto a prazo pelo tribunal e instância
de pequena criminalidade…

“ei!”
ouvi um grito atrás de
mim “ei, ei!”
e um homem corria na minha
direcção ao longo da rua
com um conjunto de folhas na mão.

“alguns poemas meus”
eram umas 5 ou 6 páginas
“depois diga o que achou
ou fale até com a sua namorada!”

fiquei com as folhas, parado
a vê-lo ir.

isso mesmo:
as Declarações dum Poeta e
seus rendimentos etc…

pelo menos, vinha
com um carimbo oficial do estado:
as pessoas costumam dar valor
a esse tipo de coisas.

e era de maneira
que deixava de pagar 2€
pela impressão de 4 folhas e
trabalho de 20 cêntimos

como este
que ele me deixou nas
mãos.

 

O que diria Freud?

que muito se fala de
DEUS
quando pouco se fode

e muito menos de
amor
quando muito se reza.

jesus
maomé,
estas caras jovens e
morenas
na televisão,

a protestar
a falar de DEUS
do PROFETA;

BAN CHARLIE HEBDO
dizem os cartazes.

(até eu,
que escrevi um conto sobre
DEUS,
ainda virgem)

WE CURSE THE PROHET
CARTOON MAKERS

DOWN WITH THE FRENCH
GOVERNAMENT

talvez seja razoável.

talvez o divino seja a moralidade dos
fracos
num mundo onde estes se
vêm incapazes
de fazer frente à competição.

ou talvez estejam só picados
com o roubo do obelisco

pouco me interessa,
nunca ouvi falar duma
religião fundada
por uma mulher

elas escondem-No
por entre as virilhas

agora mesmo

entre as suas ancas
cobertas
por um lençol fino,

um éden
ciano turquesa
quase infantil,

a dormir placidamente

no meio desta
escuridão.

o seu cabelo
cor de lenha

desfeito
por uma pequena almofada
e refeito num reflexo do
ecrã ligado;

beijei DEUS nos lábios
esta noite

e foi mais radiante que
todos os
jihads
e
cruzadas
deste
mundo.