vergonha

velhas palavras de doces à mesa, curtos
abraços apertados, tanto afeto. roseira
enlaçando paredes com tinta velha e musgo vivo:
nós nos damos aos outros liqüidamente. 

nós nos entregamos em pele, no pulso do peito,
nos espinhos que coroam a cabeça torta,
no olhar que penetra indiscreto ― e sem escolha
sobre ser indiscreto. composto equilíbrio, 

desvelo, coerência, nos custa o ser inteiro,
e não poroso, o ser um rosto e não disfarce:
mãos sem a perícia do cristal, mãos inexpertas,
de partir, da iminência cinza desse medo, 

desse mundo que não queima e vira pó
(e outro mundo após), desse mundo sempre
aquecido de constância e de saber, onde o terror
é o acrobata em risco de cair, é o raio cego 

que corta em dois o azul, com nuvens fechando
o semblante do céu, esse assassino de segredos.
nós temos joelhos e visão interna, temos amor
entornado do jarro delicado que se quebra.

temos vergonha. temos um dia que se encerra.