A uma mulher na Praça de Londres

Já a cidade boceja quando o meu olhar oblíquo tropeça em ti. Não o fiz com ternura, antes com a ridícula curiosidade de examinar os teus contornos, como o comprador que analisa a mercadoria. Observo-te a perfurar a calçada com saltos agulha, num espernear desengonçado de cansaço e derrota; formosa, mas pouco segura. Terás sido bonita antes de te venderes ao desbarato. Casaco leopardino, saia de napa, meias de rede de malha larga são o teu fiel uniforme. Infiel a ti mesma, varres a rua com olhos de lince. Esbarras no meu interesse por ti. Encurtas os passos na esperança de rentabilizar a longifria madrugada da tua puída condição de vida. Vida? Existência. Tenho-te a dez passos, a seis, a três. Passo ao teu lado e olho-te. O pálido verde dos teus olhos, humedecidos de frialdade, choca com o meu espanto. Ainda há poucos anos eras uma criança. Mulher amadurecida em cascos de miséria e violência, as marcas na cara são as tuas divisas, o teu sexo é o sabre com que fazes harakiri quotidianamente. Sopras-me um convite como se ao ouvido e eu, consciente de que só te conquistaria com o aceno de valiosos rectângulos de papel colorido, finjo que não ouço e sigo o meu caminho, com passada segura, junto da igreja caiada pelo primeiro sol. Se parasse, seria para emoldurar o teu rosto com as minhas mãos e, com um olhar de Charlot, gesticular um cravo que depositaria no teu cabelo.