GRAVURA ANTIGA: CRIANÇAS COM GIRINO APRISIONADO

Foram parar a uma gravura antiga
não sabem que as nuvens felizes sobre o mar
iluminação, devaneio, dia aberto
são cúmulos de um século passado

De um século passado, o olhar que suspende
o salto da rã para o charco primitivo
e o coaxar que promete um mundo de aventuras
abelhas industriosas, os louva-a-deus irrequietos
A vida fica mesmo à frente, estirada na relva
o odor inequívoco, a flagrante actualidade

Não sabem da inocente ferrugem liquefeita
que avança nas pupilas ainda surpreendidas
não sabem da ascensão pueril dos incêndios
porque eles já consomem prados viçosos
e passos decididos, enquanto, inspiradas
inventam jogos mortais
não pisar pauzinhos, saltar de pedra em pedra
e correm tantas nuvens felizes sobre o mar
como perfeitos desenhos do desejo

Algum desconhecido do lugar
marcou a data no granito em que se sentam
e depois o pintor e, enfim, o fiel gravador
O preciso, exacto dia
em que vive cada um a sua vida
o girino aprisionado pelos olhos infantis
e os exactos, precisos olhos
que agora se escrevem
e que tu, leitor, fecharás nas tuas pálpebras
enquanto correm, olha apenas em volta
as tuas nuvens felizes sobre o mar

in Música de Anónimo (recentemente publicado pela Companhia das Ilhas)