Crítico de sensações

O teu mijo deve saber a mel, suspirava ele, vermelhusco, atarracado, meio a sufocar dentro do colarinho apertado. Vendia-lhe pelo eBay as minhas cuecas usadas, ruçadas. Quanto mais encardidas, melhor. Cobrava vinte euros pelos portes de envio, mais trinta ou quarenta pelo produto vendido, uma fartura ao fim do mês. Que importava o dinheiro se as cuecas conservassem uma fragrância ou uma emanação da essência orgástica feminina, como soprava ele, iluminado por omnipresente gravata dourada com a sigla T.A.N.G.A estampada na diagonal, totem exibido pelo mais destacado vendedor de seguros associado a firma sediada em Vila Franca de sei lá quantos. A internet constituiu trampolim para faustosos jantares, mariscadas, gambas de meio metro salpicadas de alho frito, pratadas de borrego regadas com jarras de vinho tinto fino, para mim aguarrás, mistela. Narciso, agente de seguros vip, garantia de apólice barata, pau para toda a obra, assim se apresentava este romântico envergonhado, a estender cartão da firma e a corar cada vez mais, quase a explodir. Submisso até mais não, gaguejava sem levantar as pestanas da mesa ou do volante ou da linha contínua a dividir a estrada. Superlativa astúcia e meticulosa planificação requereu arrancar um primeiro beijo. Perguntei se tinha réstias de bacalhau no queixo e, quando o Narciso Valdemar, eis o nome do pitosga, se aproximou para milimétrico exame, estiquei a língua e paralisei com os dentes aquele bigode fujão, a esbanjar pujança. Nasci astuta. A avó Clementina, que deus a guarde ou prenda para sempre, bem dizia que esta menininha aqui nada valia, e eu acolhia as suas palavras aparentemente insultuosas como um canudo académico. Nada valer é sinónimo de esperteza. Valdemar fugia de contactos físicos desses de fundir bocas e fluidos e de apalpar nádegas e de puxar cabelos e de gemer à custa de tanto entrelaçar pernas e de galopar e de truca, truca. As camisas azul bebé impecavelmente engomadas não se lhe desfraldavam. Aquela braguilha de aço intransponível era como um templo sagrado que apenas o credenciado sacerdote manejava. Narciso Valdemar era uma espécie de crítico literário ou artístico ou de esteta vocacionado para a contemplação e para as mais puras sensações. Trincava-me o salto dos sapatos e tinha erecções se o apodasse ao telefone de focinho de porco, pança de estrume ou testículo de rato, e morria de prazer se o filmasse vestido de mulher a limpar o pó. Ensinam os desgostos amorosos que tendemos, seres humanos, a desvalorizar uma felicidade que, não sendo absoluta, é tão real quanto as nossas tão queridas depressões. O velhote era doente por mim. Queria que o tratasse por pila pequena, pila murcha. Oferecia-me vibradores prateados. E eu adorava as prendas e a sua aversão ao ritual de acasalamento, e ainda mais o adoro depois de termos tropeçado um no outro em plena rua Augusta, encobertos por um céu cinzento de Novembro. Ele, condicionado pela mulher e pelos netos, pedia desculpa pelo encontrão e fingia não me conhecer. E eu, tratada na terceira pessoa e por senhora, perdão, cara senhora, de repente excitada e apaixonada e perdida, corria para os meus vibradores ou para os meus sonhos, chorava pelo Valdemar, o poeta, o Van Gogh dos prazeres sexuais, o homem da minha vida. O homem que não voltei a ver.