Hoje é dia 31 de julho

Céus. Nada mais que um vácuo apesar da individual conjuntura – não desvenda-se nada além de uma camada de seda branca que cobre todas as relações e o espaço entre minhas mãos e as palavras brotando; uma música, poderíamos chamar. Que por entre os poros ecoa. Um sussurro na sala. Será que uma certa escritora também se preocupa em contar histórias, como eu? Se algum dia, o que é improvável, ela disse consigo mesma que estaria disposta a perder o tempo e entrar numa gandaia ficcional? Ele vai às ruas, acende um cigarro acreditando em espíritos, toma um ônibus para o litoral, acredita na revolução and so on. Ou alguém perdido no outro lado do continente que nem se sabe se está vivo, mas de repente recebe essa mensagem de voz, tarde, de qualquer modo perguntando o que você está fazendo, sem nenhuma pretenção ou intenção-de. Mas tarde de mais, pensam os últimos pregadores de praças públicas, pois que tipos de frutos seriam possíveis hoje derivados de sermões? O fim só pode estar quase. 

Recebi a resposta de um amigo que fazia anos, falando de uma maconha disponível. Não sei quando chegou a minha mensagem, já é julho, e muito menos quando foi enviada, pois pode ter havido um delay de algumas semanas – que por sua vez trouxeram um delay de quase meio ano considerando o tempo de uma pessoa que fuma e lê Maiakóvski. Pensei que era engano, a mensagem, e talvez realmente o fora, pois ele viu na possível caixa de entrada o meu nome, separando para em algum instante de sua vida responder qualquer coisa, mas a outra pessoa da qual ele gostaria de ver e ficar conversando-de-fato e talvez namorar depois, era outra pessoa. Uma linguagem calma de suas dedadas no teclado compatíveis com quem sempre foi. A sua casa tinha muitos vidros, enquanto a minha, apenas concreto e breves janelas – cozinha, lavanderia, sala, quarto, quarto. Ele como que teve um espanto. 

Não havia nexo meu corpo aparecer depois de corridos anos. Mas eis-me ali, fumando até semana passada depois de terminar a tradução de cinco contratos normativos de uma multinacional voltada para soluções do mercado. No futuro estarão terminados, é o que penso enquanto fumo e ouço Satie e escrevo no morro; os detalhes ao meu entorno tornam o enredo impossível. Estava sem camiseta concertando algum utensílio quebrado, rodava um disco de minimal e parecia um machão quando cheguei – ele de costas e de cócoras, quando se virou teve o espanto calmo de quem fuma. As perguntas básicas da vida. O instinto silencioso da retina na outra, cortada pelo fósforo riscando incendiado até a ponta do tabaco preso nos seus lábios. Que embaraço aquele corpo por trás da fumaça – flashes da vida mesquinha se nos passaram em vãos da memória. Eu chegaria em casa e talvez colocaria todas as fotos, cadernos e roupas num cesto de latão pegando fogo. 

Já se queimou toda a erva restante em oposição ao calendário, –  escrevi no diário quando acabou o verde – dia trinta e um – aluguel e tradução – resistiremos a mais essa, seres inúteis. 

Eu necessitei de uma pergunta, algum afago linguístico entre nosso campo de atração – os poucos centímetros por onde se nos abria uma utopia, uma mínima piada que compartilhávamos. 

Me ofereceu um cigarro e fumamos gastando palavras no sofá preto. De que revoluções precisávamos?