Dois poemas de Daniel Francoy

RAÇÃO MÍNIMA DE ESPANTO

 

Ração mínima de espanto
o dia vence com a sua parcimônia:
magra miséria, revolta
que é apenas raiva, ternura
nostálgica, degenerada.

Hoje reunimo-nos em assembleia
para decretar a morte dos escorpiões
e o amor fracassado pelos pássaros
rápidos como o fogo: dourados, sanguíneos,
uma mancha incendiada, um gorjeio
contra o silêncio morto da tarde.

Tenho a esperança do terror puro,
abismo de susto, mas o luar
é um delírio visto todas as noites;
algo como uma rouquidão desafinada
de uma voz que, veludo, é o breu noturno
e ainda há outras formulações possíveis:
o luar é o fracasso do céu
preso às minhas mandíbulas
e é a potência de meus dentes crispados
- vontade sonâmbula de mastigar -
abocanhando fiapos de tédio.

Fracasso em sonhar que sou Van Gogh.
Desconheço a metamorfose do fogo.
No espelho, o rosto é o rosto
que encarei antes de adormecer
enquanto escarrava sangue
contra o mármore da pia.
Em minhas mãos espalmadas, os dedos
alongados são franjas de espuma
e se fecho as mãos, retendo o vazio,
é como se eu sepultasse
um embrião que é vento e desespero
e se calo é porque estou órfão do horror
de exibir o meu rosto mutilado aos homens do meio-dia.

 

 

PÁSSAROS

 

As gaivotas não são brancas
como aquelas que aparecem em poemas: são
pássaros sujos em praias impróprias para o banho.
Disputam o que os turistas oferecem
e morrem nos canais onde a água poluída
com o mar se confunde – imundície
a espelhar o arrebol.
E há o abutre morto à margem da estrada.
Encontrei-o no amanhecer, indistinto
da terra e da relva massacradas.
Sei que o reencontrarei no entardecer
e talvez eu o nomeie melro.