3 poemas de "carvão :: capim" de Guilherme Gontijo Flores

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Pra que lado isso poderia não ser uma
talvez pergunta? feito afirmar-se faca cega
como quem segue seu destino numa via de mão única
como amar seria correr sem descanso
todas as linhas de metrô pulando por todo o dia à noite
escondido nalgum vagão
fincar-se numa cabine qualquer por anos a fio
(quem sabe horas) a metros e metros
de uma possível química solar
a pele se descora & se descola aos poucos
da sua ossada a coluna arqueando
os pés tirados pra balanço
os olhos revirados crânio adentro
na esperança de encontrá-la
eldorado concretada
sob os escombros do trianon

*

Balada para Roque Dalton

ao saber que você
foi morto nalgum canto
pouco antes de ver
os teus quarenta anos

como que executado
bem no dia das mães
(como ardia o champanhe
bem nos olhos da esquerda!)

besta eu me perguntei
se foi pela política
ou por mera loucura
do que chamamos vida

mas vamos e venhamos
não estava nos meus planos
supor que por suporem
na tua ERP

o teu envolvimento
(e quem o suporia
lá em 75?)
com agentes da CIA


os teus salvadorenhos
te encontrarão no fogo
talvez franzindo o cenho
no seu próprio naufrágio

(a maior ironia
vai na lei dos homônimos
pra morrer em guerrilha
por um tal villalobos)

lá vão quarenta anos
nem sei se responderam
se ao menos te acertaram
pelos motivos certos


seria essa loucura
(me diga agora roque)
a mera desta vida
ou sua pedra de toque?

*

The Multitudinous Seas Incarnadine


Cruzemos os braços assim cruzando a rua o teu no meu como um cordão que pisoteie as avenidas até migalhas qual é o teu partido alguém pergunta eles não sabem nada enquanto toma parte da situação quantos são os teus nomes ou são sorrisos um olho arde a noite explode na cidade ao fim dos rasgos teu olho arde é verde ou preto contra um céu cinzento & sem catástrofes meu olho arde contra o teu o olho arde é um cordão eles só sabem medo quantos centavos são eles & quem são eles ou quantos somos eles só sabem medo porque não cuidamos não cuidamos de saber hoje eu te beijaria você tem nomes alguém pergunta a noite explode nas cidades causando um pânico incendiário dos telejornais os braços dados não será televisionada os braços dados quem vai prender as nossas gargalhadas os braços quem contaria as balas de borracha quem vai prender as nossas gargalhadas os braços dados as nossas gargalhadas por entre evolações de gás lacrimogêneo


carvão :: capim de que fazem parte estes textos foi publicado pelas Edições Artefacto em Setembro de 2017. Este é o quarto livro de poemas de Guilherme Gontijo Flores e o primeiro publicado em Portugal. Mais informações aqui