capítulo 12 de Te amo um pouco


ernesto estava tão admirado com o piso, tão feliz com o resultado. – ernesto, um dia sua cabeça explode de tanto que engole o brilho do piso. – a mão pesada de ernesto no meu ombro. impressionantes desdobraduras que faço para impressionar ernesto. me custou três vestidos e meio. lâminas de mogno para agradar ernesto, a esplendorosa solenidade dos rapazes aplicadores de piso mogno, seus uniformes dum cinza gasto, bonés francamente alaranjados, o cheiro psicodélico da cola: três cisnes bastante calados e um pouco aflitos. tatiana, sobrinha de ernesto, tropeçou no antigo tapete, ralou a gigantesca testa e luxou um braço. está bem, com toda razão, mogno será. ernesto disse que se sente mais vivo agora. colírio, pilhas palito, aspirinas e enxaguante bucal. anotei e fui buscar na farmacinha enquanto os rapazes do mogno faziam piso. só no balcão me dei conta de que estava sem sutiã. isso é pecado mortal, passível de multa na cidade de ernesto. saí do local abraçada com a sacolinha que cobria exatamente undécimo do meu dorso – essa é a calçada que mais agrada a bexiga dos cães – pensamentos para enxaguar suspensão – “fique com o troco” que idiotice – nunca há poeira nas maçanetas dessa cidade. chego em casa e, de novo, me dou conta dos olhares. que inferno é esse que enxergam onde não há nada para ser encarado? devo amamentar todos os mamíferos adultos da sua cidade? a criatura que encara os bustos desassutianados é quem deveria ser punida. cedo. contrariada e faminta, cedo. vou ao quarto, tiro a blusa, sacudo os peitos antes de vestir meu nude color instrumento de tortura, visto a blusa e estou descente para o povo de ernesto. – tudo isso, senhor juiz, tudo isso por conta de uma testa que deveria ganhar seu próprio código postal! – nesse espaço, entre imposta mácula, indignação e ranger de dentes, o piso ficou pronto. agora era preciso arranjar um hotelzinho por perto, porque dormir com aquela química, ah, certamente afetaria os brônquios de ernesto. a nós nos reservei uma suíte no sidebyside, mas que surpresa, ernesto preferiu ficar, noitear com a química. ficamos. ficamos muito loucos. obviamente. os olhos espiralados de ernesto que come uma maçã verde como quem come vidro temperado. de costas, me arrasto pelo mogno, balbucio coisas sobre os balconistas da farmácia, sobre os dois laços nos cabelos azulados da mocinha que ficou com meu troco – qual é o plural de xadrez, ernerto? – tiro a blusa, brinco com meus pés, jogo o sutiã na rua. e o poste foi premiado. e lá estará meu sutiã, meu ódio e minha liberdade provisória, numa exposição, lembrancinha minha, para que cada um dos passantes tenha seu quinhão de assombro – cheguei para satisfazer sua cidade, ernesto! – a essa altura do campeonato, minha voz é um boto descontroladamente risonho, tento – dio, come ti amo, tento, non é possibile – tento – entortaram a tampa do nosso escaninho, querido. ernesto sabrim de azevedo!, venha ver a obra, venha ver a instalação artística – a artista pretende com isso chamar a atenção à coibição sulista, à libertação da mulher distraída – ernesto! – agora a artista irá chamar a ambulância, porque os brônquios de ernesto che odorano di vento, noi due innamorati, come nessuno al mondo –