3 poemas de Pentti Saarikoski

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Cresci, que tristeza,

                não aprendi a patinar, tinha medo das raparigas, de manhã,

quando penso,

que tristeza, ter deixado tanto

para trás.

 

 

 

Fiz o meu trabalho, agora estou aqui, sentindo-me mal,

                               que tristeza,

                nos meus olhos a conversa fiada da gente.          

Tenho vivido, longamente, deste momento à morte

                a viagem não é longa, quando estico as minhas costas,

                                                                               dos meus ombros

                                                               caem, esvoaçantes

folhas inúteis.

 

 

 

Tenho muitas vezes chorado, tenho-me enfurecido, bati no fundo da noite,

                seguindo o meu caminho, conseguindo,

                               fracassando,

                                               gritei até ser ouvido e vim

                                                               e fui,

                               agora estou aqui.

 

Pentti Saarikoski, Ääneen (1966)

 

Traduzido do Finlandês por João Bosco da Silva

Quatro poemas de "Ancestrale", de Goliarda Sapienza



Goliarda Sapienza

Goliarda Sapienza

Tradução: João Coles



Certo dia duvidei
e em plena luz
comecei
a ver a árvore
o pão
a faca e a tesoura
a madeira
o cobre.


As flores crescem
pelos mortos.
Rego-as à noite
com cuidado.
Espio-as na alvorada
da tua lembrança.


Escuta não há palavras para isto
não há palavras para sepultar uma voz
já fria no seu sudário
de cetim e de jasmim.


Separar juntar
espargir no ar
encerrar no punho
conter
nos lábios o sabor
dividir
os segundos dos minutos
discernir ao cair
da noite
esta noite de ontem
de amanhã

In Ancestrale

DJ Enright, O Rebelde

Tradução de Ricardo Marques

Quando toda a gente tem cabelo curto,
O rebelde deixa o seu cabelo crescer.

Quando toda a gente tem cabelo comprido,
O rebelde usa o cabelo curto.

Quando todos falam na sala de aula,
O rebelde não diz uma palavra.

Quando ninguém fala na sala de aula,
O rebelde cria um motim.

Quando toda a gente usa um uniforme,
O rebelde veste-se com roupas exóticas.

Quando toda a gente usa roupas exóticas,
O rebelde veste-se com sobriedade.

Na companhia de amantes de cães,
O rebelde expressa preferência por gatos.

Na companhia de amantes de gatos,
O rebelde fala bem dos cães.

Quando toda a gente elogia o sol,
O rebelde discute a necessidade de chuva.

Quando todos estão a saudar a chuva,
O rebelde lamenta a ausência de sol.

Quando todos vão para uma reunião,
O rebelde fica em casa e lê um livro.

Quando toda a gente fica em casa e lê um livro,
O rebelde vai para uma reunião.

Quando todos dizem, sim, por favor,
O rebelde diz: Não, obrigado.

Quando toda a gente diz, não, obrigado,
O rebelde diz: Sim, por favor.

É muito bom existirem rebeldes.
Ser um deles pode não ser muito bom.


THE REBEL

When everybody has short hair,
The rebel lets his hair grow long.

When everybody has long hair,
The rebel cuts his hair short.

When everybody talks during the lesson,
The rebel doesn’t say a word.

When nobody talks during the lesson,
The rebel creates a disturbance.

When everybody wears a uniform,
The rebel dresses in fantastic clothes.

When everybody wears fantastic clothes,
The rebel dresses soberly.

In the company of dog lovers,
The rebel expresses a preference for cats.

In the company of cat lovers,
The rebel puts in a good word for dogs.

When everybody is praising the sun,
The rebel remarks on the need for rain.

When everybody is greeting the rain,
The rebel regrets the absence of sun.

When everybody goes to the meeting,
The rebel stays at home and reads a book.

When everybody stays at home and reads a book,
The rebel goes to the meeting.

When everybody says, Yes please,
The rebel says, No thank you.

When everybody says, No thank you,
The rebel says, Yes please.

It is very good that we have rebels.
You may not find it very good to be one.

D. J. Enright (1974, s.l.)

2 poemas de Pentti Saarikoski

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amo-te

como um país estrangeiro

                penhascos e ponte

como uma noite solitária que cheira a livros

         caminho até ti no mundo

    sob a atmosfera

entre duas luzes

o meu pensamento que é esculpido e tu.

 

 

 

está um belo dia

mulher com olhos dourados

e vento que anuncia a primavera à humanidade

 

sob as pálpebras um lugar fresco

o vento sopra através

da retina dourada

 

as maçãs crescem grandes

crianças atiram-nas contra a árvore

depois de Setembro vem Maio pela segunda vez neste ano.

 

 

Pentti Saarikosko, Mitä Tapahtuu Todella? (1962)

 

 Traduzido do finlandês por João Bosco da Silva

D.J. Enright, "Poeta pensando no que faz"

Tradução de Ricardo Marques

- Uma espécie de fome extra,
menos fácil de apaziguar que outras
- Ou então uma orelha extra

Ouvindo um telefone,
que pode ou não tocar
numa sala distante

- Ou então o medo de fantasmas
e medo que os fantasmas não apareçam,
Superstição dupla, medo duplo

- Perder, perder e perder
e logo ter, e ainda saber
que se deve perder e perder de novo

- Quase soa como o amor,
o amor numa fase inicial,
Essa coisa de que falas

- (mas a Beleza - não,
Problemas de lazer - não,
a Maturidade - dificilmente)

- E isto? Apenas metáforas
descrevendo metáforas descrevendo - o quê?
O círculo excêntrico dos teus anos.


POET WONDERING WHAT HE IS UP TO

- A sort of extra hunger,
Less easy to assuage than some
- Or else an extra ear

Listening for a telephone,
which might or might not ring
In a distant room

- Or else a fear of ghosts
And fear lest ghosts might not appear,
Double superstition, double fear

- To miss and miss and miss,
And then to have, and still to know
That you must miss and miss anew

- It almost sounds like love,
Love in an early stage,
The thing you're talking of

- (but Beauty - no,
Problems of Leisure - no,
Maturity - hardly so)

- And this? Just metaphors
Describing metaphors describing - what?
The eccentric circle of your years.

(in The Old Adam, 1965)