Nietzsche, Entre Amigos

Entre 1882 e 1884, Nietzsche redigiu um dos seus mais belos poemas. trata-se de um hino à felicidade e à amizade, à vida que vale a pena ser vivida como um incêndio que consome as paixões tristes.
A tradução é de Victor Gonçalves e integra a nova edição de Humano, demasiado Humano, a publicar em breve pelas Edições 70.

ENTRE AMIGOS
UM EPÍLOGO

1.

Belo é calar-se juntos,
Mais belo ainda rir juntos,
Debaixo do pano sedoso do céu,
Encostados ao musgo e à faia,
Amavelmente rindo com os amigos
E mostrar os dentes brancos.

Se o fiz bem, então calemo-nos;
Se o fiz mal — então riamos
E façamos sempre pior,
Fazer pior, rir pior,
Até ao fundo do poço.

Amigos! Sim! Assim será?
Ámen! E adeus!

2.

Nada de desculpas! Nada de perdão!
Concedei, vós os felizes, de coração livre,
A este livro irrazoável,
Orelha e coração e abrigo!
Acreditai-me, amigos, a minha desrazão
Não foi maldição!

O que eu encontro, o que eu procuro —
Esteve alguma vez num livro?
Honrai em mim o grémio de dementes!
Aprendei com este livro demencial,
Como a razão vem — «para a razão»!

Então, amigos, assim será?
Ámen! E adeus!