[O coração], de Antonio Delfini
/Tradução: João Coles
O coração
o pensamento
estarão
um dia
tão
distantes
o coração será o cão
o pensamento será o gato
ão ato ão
ato ão ato
In, Poesie della fine del mondo, del prima e del dopo, Einaudi, 2013.
«Por intermédio das palavras que flutuam à nossa volta, alcançamos o pensamento»
Friedrich Nietzsche
Tradução: João Coles
O coração
o pensamento
estarão
um dia
tão
distantes
o coração será o cão
o pensamento será o gato
ão ato ão
ato ão ato
In, Poesie della fine del mondo, del prima e del dopo, Einaudi, 2013.
 
            Todi, 17 de Abril de 1947 ~~ Patrizia Cavalli ~~ Roma, 21 de Junho de 2022
Tradução de João Coles
Cientificamente me pergunto
como foi criado o meu cérebro,
que faço eu com este engano.
Finjo ter alma e pensamentos
para melhor circular entre os outros,
por vezes parece-me mesmo amar
rostos e palavras de pessoas, raras;
sendo tocada gostaria de poder tocar,
mas descubro sempre que todas as minhas emoções
dependem de um temporal que se avizinha.
Io scientificamente mi domando
come è stato creato il mio cervello,
cosa ci faccio io con questo sbaglio.
Fingo di avere anima e pensieri
per circolare melgio in mezzo agli altri,
qualche volta mi sembra anche di amare
facce e parole di persone, rare;
esser toccata vorrei poter toccare,
ma scopro sempre che ogni mia emozione
dipende da un vicino temporale.
 
            Do lado esquerdo, Casa de Keats e Shelley, Roma, ca. 1906
Jorie Graham 
”Sirocco,” de Erosion, 1983
Traduzido por Tatiana Faia  
Em Roma, no número 26
              da Piazza di Spagna,
 ao fundo de um longo 
             lance de
 escadas, estão os quartos
             alugados a Keats
em 1820,
             onde ele morreu. Agora
 podes visitá-los,
             o pequeno terraço,
 o quarto. Os pedaços
             de papel
em que ele escreveu
             versos
 são guardados atrás de vidro,
             alguns amarelecendo,
 alguns fotocopiados ou
             mimeografados... 
 Fora da sua janela
             podes ouvir o siroco
 trabalhando 
              o invisível.
 Cada folha seca de hera
             é tocada,
retocada. Quem é o
             o espírito nervoso
 deste mundo
             que tem de rever uma vez e outra
 aquilo que já sabe,
o que é tão quente e seco
             que olha através de nós
 por nós,
             para uma resposta?
 No porto,
             no terraço
as rígidas formas
             helénicas
 das uvas surgiram.
 
             Hão-de amolecer
 até serem fracas o suficente
             para penetrar
 este mundo, traduzindo
             desamparadamente
 do belo
             ao verdadeiro...
 Qualquer que seja o espírito,
             a densidade das uvas
  
 é parte do seu modo de olhar,
             e as mãos lentas
 que fizeram esta máscara 
             de Keats
 na sua outra vida,
             e a velha mulher,
a guardiã
             do memorial
 sentada no alpendre
             abaixo do porto
 a separar o grão
             de entre os seixos
lançando-os à sua caçarola
             de ferro forjado
 Vê o que as mãos dela
             sabem – 
 são o seu hálito
             a sua língua-
-mãe, dividindo
             descartando,
 Há uma luz brincando
             sobre as folhas,
 sobre o seu rosto,
             tornando-a 
abstracta, tornando-a
             rápida 
e estranha. Mas ela
             não se preocupa
 com o que a mancha
             mudando-a, 
ela está 
             a fazer o seu trabalho. Oh como queremos
 ser levados
             e mudados,
 ser emendados
             pelas coisas em que entramos.
É assim também
             com o mundo?
 Deseja ele que nós
             o emendemos,
 luz e escuridão,
             verde
e carne? Será 
             livre então?
 Penso que o mundo
             é um elemento
 desesperado. Se pudesse
             deixar-nos-ia acalmá-lo,
recebê-lo. Por isso eis 
             o que tenho 
 de te pedir
             que imagines: vento;
 o momento em que
             o vento
  se acalma; e as uvas,
             que nada são,
 que brotam
             nas tuas mãos.
 
            Tradução: João Coles
No sangue reside um som profundo
Assim soube quando as tuas mãos
tocaram as minhas pela primeira vez
Desde esse dia ouvimos
como que um vento levantando-se
com o mugido de um órgão
até que por fim domados
nos vergou, como maduras espigas, aquele vento
Eu estou em ti
como o amado cheiro do corpo
como o humor do olho
e a doce saliva
Eu estou dentro de ti
da misteriosa maneira
que a vida está dissolvida no sangue
e misturada na respiração
Ninguém pode derrubar-nos da alegria
a nossa alegria subterrânea
como água branda
como veio de rocha
 
            Pasolini na torre de chia.
Foto de Deborah beer
Nem povo árabe, nem povo balcânico, nem povo antigo,
mas nação viva, nação europeia:
que és tu? Terra de recém-nascidos, esfomeados, corruptos,
governantes empregados de latifundiários, prefeitos reaccionários,
advogadinhos besuntados com brilhantina e com pés sujos,
funcionários liberais, canalhas como os tios beatos,
uma caserna, um seminário, uma praia livre, uma confusão!
Milhões de pequeno-burgueses como milhões de porcos
pastam empurrando-se junto aos pequenos prédios ilesos,
entre casas coloniais degradadas já como igrejas
Precisamente por teres existido, já não existes,
precisamente por teres sido consciente, és inconsciente.
E só por seres católica, não podes pensar
que o teu mal é todo o mal: culpa de todos os males.
Afunda-te neste teu belo mar, liberta o mundo.
tradução: João Coles
“Alla mia nazione”, in La religione del mio tempo, Garzanti, Milano
ALLA MIA NAZIONE
Non popolo arabo, non popolo balcanico, non popolo antico,
ma nazione vivente, ma nazione europea:
e cosa sei? Terra di infanti, affamati, corrotti,
governanti impiegati di agrari, prefetti codini,
avvocatucci unti di brillantina e i piedi sporchi,
funzionari liberali carogne come gli zii bigotti,
una caserma, un seminario, una spiaggia libera, un casino!
Milioni di piccoli borghesi come milioni di porci
pascolano sospingendosi sotto gli illesi palazzotti,
tra case coloniali scrostate ormai come chiese.
Proprio perché tu sei esistita, ora non esisti,
proprio perché fosti cosciente, sei incosciente.
E solo perché sei cattolica, non puoi pensare
che il tuo male è tutto il male: colpa di ogni male.
Sprofonda in questo tuo bel mare, libera il mondo.
“Alla mia nazione”, in La religione del mio tempo, Garzanti, Milano
Livros, filmes, ideias.