Autocensura

James Joyce.jpg

Quando se deve dar um texto, ou um livro, por terminado? “Nunca!” disse-me o amigo B há uns tempos, creio que parafraseando Joyce: “um texto nunca está pronto, às vezes precisa de alterações profundas, outras apenas de mudar uma vírgula, que na revisão seguinte voltará ao lugar original, mas esta correcção falhada é essencial.” Depois, há esse trágico apelo dos contrários: audácia (ninguém sabia que necessitava disso até o ler) ou mercado (que pode ser o dos likes no facebook, a grande câmara de ecos da actualidade).

É preciso sobretudo afastar a mais ínfima possibilidade de publicarmos alguma coisa de que nos arrependamos o resto da vida. Certo, mas isso pode tonar-se um purgatório infinito, um verdadeiro autocensor nunca está satisfeito.

O que fazer então? Em primeiro lugar, não nos levemos muito a sério, um pouco de história e de cultura geral relativizam facilmente a auto-imagem (nos dois sentidos: “nem tão bons, nem tão maus”). Em segundo lugar, domesticar esta economia da censura, orientando-a para a mais-valia. Um pouco como se faz com os recalcamentos na psicanálise. A autocensura como condição de possibilidade da obra, poderíamos dizer.

Finalmente, depois de nos vencermos, ainda devemos preparar-nos para os silêncios do mundo, dos vários mundos que compõem a recepção: leitores, críticos e amigos (que sempre nos dirão algo, mas muitas vezes cifrado e outras tantas edulcorado). E, sim, assumirmos que somos desgraçados, mas sem querer ser outra coisa. Nem sequer, ao contrário dos obsessivos musicais, sonharmos com uma versão mais intensa de nós mesmos.