Electra (revista)

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Saudemos o aparecimento da nova revista Electra, com saída trimestral. É editada (português e inglês) pela Fundação EDP e vai no número 2. Ao diretor José Manuel dos Santos junta-se o editor António Guerreiro.

O número de lançamento (“Nesta Grande Época”) elucidava(-se) assim: “ELECTRA é a nova revista da Fundação EDP. É uma publicação editada em português e inglês, de crítica, pesquisa, ensaio e reflexão cultural, social e política, que aborda todas as áreas da cultura, promovendo diálogos e oscilações de fronteiras entre saberes humanísticos e ciências, entre disciplinas artísticas, entre teorias e práticas culturais diferentes.” Trata-se, portanto, de um dispositivo que pretende pensar criticamente os múltiplos fios que cosem a actualidade, tantas vezes uma indigente manta de retalhos.

Entretanto, em Junho saiu o número 2, dedicado em grande parte à estupidez. Os ensaístas são de primeira linha, de Yves Michaud a Avita Ronell, passando por José Gil ou João Pinharanda. É por isso um prazer lê-la, mesmo que o tema da estupidez, mais inabalável do que alguns pensam, nos desarme, ou enoje mesmo.

Destaco certas ideias: António Guerreiro faz uma espécie de genealogia curta da estupidez, tomando Flaubert, Musil, Broch ou Barthes por lúcidos profetas. Fala também da “tortura empática” ministrada pela televisão, concretizando a “ditadura do coração” de que falava Kundera. Termina o seu ensaio escrevendo: “Não sabemos, e é impossível saber, se o caudal de estupidez é hoje proporcionalmente maior do que foi noutros tempos, mas é possível dizer com certeza que ela flui no nosso tempo com menos resistências críticas e por vias que permitem um deslizar tranquilo.”

Yves Michaud insiste no paradoxo da quantidade incomensurável de informação disponível reverter em iliteracia. Não tanto porque prevalece um caos informativo indomável, mas porque motores de busca, “dos quais ignoramos em grande parte os princípios de funcionamento, de selecção e de hierarquização.”, estabilizam um pensamento redutor e orientado para o consumo de massas.

Avita Ronell reflecte sobre “A tentação da imaturidade”, o espírito adolescente que invadiu grande parte do planeta, incapaz de gerir bem a hesitação, agindo em permanente, alegre e frenética, cegueira. Além disso, o “horizonte de promessa segura” que durante muito tempo veio da América foi aniquilado à machadada por Trump, que na verdade não passa de um adolescente mimado e ousado.

Mas há muito mais, por exemplo: sobre “O que fazer dos textos infames?”, relacionado com a possível publicação dos panfletos anti-semitas de Céline, à “A sobrevivência da abjecção” de André Dias, onde se discute algum do cinema da crueldade, tomando como referências maiores Pasolini e Haneke, articulando-o com a biopolítica.

Longa vida à Electra!