"Produzo poesia, uma mercadoria inconsumível", Pier Paolo Pasolini

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Tradução: João Coles

Esta entrevista reproduz um trecho da intervenção de Pasolini na transmissão de um episódio do programa de Enzo Biagi “Terza B facciamo l'appello”, que deveria ter ido para o ar em Julho de 1971. Foi, contudo, suspenso graças a um processo judiciário que implicava Pasolini na qualidade de director responsável de “Luta Continua” (“instigação à desobediência” e “propaganda antinacional”). O episódio foi transmitido quatro anos mais tarde, no dia 3 de Novembro de 1975, no dia após o seu assassinato.

Entrevista:

O senhor escreveu: "No plano existencial eu sou um contestador global. A minha desesperada desconfiança em todas as sociedades históricas leva-me a uma forma de anarquia apocalíptica". Com que mundo sonha?

Durante um tempo, quando era jovem, acreditei na revolução como acreditam os jovens de hoje em dia. Hoje em dia acredito um bocado menos. Sou, neste momento, apocalíptico. Vejo defronte de mim um mundo doloroso, cada vez mais vil. Não tenho esperanças; portanto não esboço sequer um mundo futuro.


Quer parecer-me que já não acredita nos partidos.

Não. Se me diz que já não acredito nos partidos está a chamar-me qualunquista; eu, pelo contrário, não sou um qualunquista. Inclino-me mais para uma forma anárquica do que para uma escolha ideológica de algum partido, mas não significa que não acredite nos partidos.


Porque é que defende que a burguesia está a triunfar?

A burguesia está a triunfar porquanto a sociedade neocapitalista é a verdadeira revolução da burguesia. A civilização do consumo é a verdadeira revolução da burguesia. E não vejo outra alternativa, porque também no mundo soviético, na verdade, a característica do homem não é tanto a de ter feito a revolução e de a viver, mas a de ser um consumista. A revolução industrial nivela o mundo inteiro.


O senhor bate-se contra a hipocrisia, sempre. Quais os tabus que destruiria: as prevenções no sexo, o escapulir-se às realidades mais cruas, a falta de sinceridade nas relações sociais?

Dizia isto até dez anos atrás. Hoje já não digo estas coisas porque não acredito nelas. A palavra “esperança” foi apagada do meu vocabulário. Portanto, continuo a lutar por verdades parciais, de momento a momento, de hora em hora, de mês a mês, mas não perspectivo programas a longo prazo por já não acreditar nisso.


Já não tem esperança?

Não.


Esta sociedade que o senhor não ama deu-lhe, no fundo, sucesso e notoriedade...

O sucesso não é nada. O sucesso é a outra face da perseguição. E o sucesso é uma coisa péssima para um homem. Pode exaltar naquele momento, pode dar algumas satisfações e certas vaidades, mas na verdade, mal alcançado, compreende-se que é algo péssimo. Por exemplo, ter encontrado os meus amigos aqui, na televisão, não é bonito. Felizmente conseguimos ir além dos microfones e do vídeo e reconstruímos algo real e sincero; mas como posição é péssima e falsa.


Porquê? O que vê de tão anormal?

Porque a televisão é um meio de massa, que não faz senão alienar-nos.


Porém, fora os queijos e o resto, este meio leva a casa as suas palavras. Estamos todos a discutir com grande liberdade, sem qualquer inibição.

Não, não é verdade.


Sim, é verdade. Pode dizer tudo o que quiser.

Não, não posso dizer tudo o que quiser.


Pois diga.

Não, não posso, porque seria acusado de vilipêndio pelo código fascista italiano. Na verdade, não posso dizer tudo. E, objectivamente, perante a ingenuidade e desprevenção de alguns espectadores, eu próprio não quero dizer determinadas coisas. Mas posto isto de parte, é o meio de massa em si: a partir do momento em que alguém nos ouve desde um vídeo estabelece-se entre nós uma relação de inferior a superior, que é uma relação assustadoramente antidemocrática.


Julgo que em alguns casos também possa ser uma relação de igualdade: porque é que o não pode ser?

Alguns espectadores, por privilégio social, podem ser culturalmente semelhantes. Mas normalmente as palavras que caem do vídeo caem sempre de cima, até as mais democráticas, mesmo as mais sinceras. O conjunto da “coisa vista” em vídeo adquire sempre um ar autoritário, fatalmente, porque nos é sempre dada como uma cátedra. Falar desde o vídeo é falar sempre ex cathedra, mesmo quando isto é mascarado de democraticidade.


Foi, há muitos anos atrás, por Ragazzi di vita, um dos primeiros escritores italianos chamados a comparecer em tribunal sob a acusação de obscenidade: como encara alguns dos escritores eróticos de hoje e este alastramento do erotismo no cinema, nas livrarias e nas bancas?

Para mim, o erotismo na vida é uma coisa belíssima, mesmo na arte: é um elemento que tem direito de cidadania numa obra como qualquer outro. O importante é que não seja vulgar; mas por vulgaridade não pressuponho o que se entende geralmente, mas sim uma disposição racista ao observar o objecto do eros. Por exemplo, a mulher nos filmes ou nas bandas-desenhadas eróticas é vista de maneira racista como um ser inferior, logo é vista vulgarmente. Ora, neste caso o eros é puramente algo comercial, vulgar.


Como é que um marxista como o senhor extrai com tanta frequência inspiração de temas vindos do Evangelho ou dos testemunhos dos apóstolos de Cristo?

Obviamente que o meu olhar para as coisas do mundo, para os objectos, é um olhar natural, não laico: extraio as coisas como se fossem miraculosas. Cada objecto é para mim miraculoso: tenho uma visão – sempre de maneira informe, digamos assim – não confessional, em certa medida religiosa, do mundo. Eis porque dou uma investidura desta maneira de ver as coisas mesmo às minhas obras.


O Evangelho consola-o?

Não busco consolações. Busco de forma humana, de quando em vez, alguma pequena alegria, alguma pequena satisfação, mas as consolações são sempre retóricas, insinceras, irreais.. Disse o Evangelho de Cristo? Não, neste caso excluo completamente a palavra “consolação”: para mim, o Evangelho é uma mui grande obra intelectual, uma grande obra de reflexão que não consola: que preenche, que integra, que regenera... mas a consolação, que faço eu com a consolação? “Consolação” é uma palavra como “esperança”.


De acordo consigo, os intelectuais italianos comprometem-se demasiado: falemos de nomes, citemos casos...

O compromisso pode resumir-se a uma só questão: a de aceitar acriticamente – pois se fosse crítico, poder-se-ia admitir, aliás, creio que seria inevitável – a integração.


Tão-pouco a aceita?

Sim, mas de modo crítico (como vê, premuni-me). Isto é, claro que não posso não aceitá-la: tenho de ser consumista à força, porque também eu tenho de me vestir, tenho de viver; não só mas também tenho de escrever ou fazer filmes e, por isso, tenho de ter editores e produtores...


Portanto, também produz para o consumo.

A minha produção consiste em criticar a sociedade que num certo sentido consente, pelo menos por agora, que eu de algum modo produza.


A sociedade sempre amou imensamente quem produzia dizendo não amá-la.

Sim, é verdade. Pode ser que as senhoras da boa burguesia gostem, num certo sentido, de ser alvos. A sociedade procura assimilar, integrar, claro: é uma operação que tem de ser feita para se defender. Mas nem sempre consegue e às vezes há operações de rejeição. Tanto mais que não podemos falar de poesia como de mercadoria: eu produzo, mas não produzo uma mercadoria que na realidade seja consumável, e, portanto, cria-se uma relação entre mim e os consumidores. Imagine que a certa altura, na Lombardia, chega um sujeito que inventa um tipo de sapatos que não nunca se consumirá, e que seja uma indústria milanesa a produzir estes sapatos: pense na revolução que ocorreria na Valle Padana, pelo menos no sector do calçado. Eu produzo uma mercadoria, a poesia, que é inconsumível: morrerei eu, morrerá o meu editor, morremos todos nós, morrerá a nossa sociedade, morrerá o capitalismo, mas a poesia permanecerá inconsumpta.



Produco poesia, una merce inconsumabile

Pier Paolo Pasolini


Lei ha scritto: "Sul piano esistenziale io sono un contestatore globale. La mia disperata sfiducia in tutte le società storiche mi porta a una forma di anarchia apocalittica". Che mondo sogna?

Per un certo tempo, da ragazzo, ho creduto nella rivoluzione come ci credono i ragazzi di adesso. Adesso comincio a crederci un po’ meno. Sono, in questo momento, apocalittico. Vedo di fronte a me un mondo doloroso, sempre più brutto. Non ho speranze. Quindi non mi disegno nemmeno un mondo futuro.


Mi pare che lei non creda più ai partiti.

No. Se lei mi dice che non credo più ai partiti mi dà del qualunquista, invece io non sono qualunquista. Tendo più verso una forma anarchica che verso una scelta ideologica di qualche partito, ma non è che non creda ai partiti.


Perché lei sostiene che la borghesia sta trionfando?

La borghesia sta trionfando in quanto la società neocapitalistica è la vera rivoluzione della borghesia. La civiltà dei consumi è la vera rivoluzione della borghesia. E non vedo altre alternative, perché anche nel mondo sovietico, in realtà, la caratteristica dell’uomo non è tanto quella di aver fatto la rivoluzione e di viverla, ma quella di essere un consumista. La rivoluzione industriale livella tutto il mondo.


Lei si batte contro l’ipocrisia, sempre. Quali sono i tabù che lei distruggerebbe: le prevenzioni sul sesso, lo sfuggire alle realtà più crude, la mancanza di sincerità nei rapporti sociali?

Mah, questo l’ho detto fino a dieci anni fa. Adesso non dico più queste cose perché non ci credo. La parola "speranza" è cancellata dal mio vocabolario. Quindi continuo a lottare per verità parziali, momento per momento, ora per ora, mese per mese, ma non mi pongo programmi a lunga scadenza perché non ci credo più.


Lei non ha speranze?

No.


Questa società che lei non ama in fondo le ha dato il successo, la notorietà…

Il successo non è niente. Il successo è l’altra faccia della persecuzione. E poi il successo è sempre una cosa brutta per un uomo. Può esaltare, al momento, può dare delle piccole soddisfazioni a certe vanità, ma in realtà, appena ottenuto, si capisce che è una cosa brutta. Per esempio, il fatto di aver trovato i miei amici qui, alla televisione, non è bello. Per fortuna noi siamo riusciti ad andare al di là dei microfoni e del video, e a ricostruire qualcosa di reale e di sincero; ma come posizione è brutta, è falsa.


Perché? Che cosa ci trova di così anormale?

Perché la televisione è un medium di massa, che non può che alienarci.


Ma oltre ai formaggini e al resto, questo mezzo porta in casa adesso anche le sue parole. Noi stiamo discutendo tutti con grande libertà, senza alcuna inibizione.

No, non è vero.


Sì, è vero. Lei può dire tutto quello che vuole.

No, non posso dire tutto quello che voglio.


Lo dica.

No, non potrei, perché sarei accusato di vilipendio dal codice fascista italiano. In realtà non posso dire tutto. E poi, oggettivamente, di fronte all’ingenuità o alla sprovvedutezza di certi spettatori, io stesso non vorrei dire certe cose. Ma a parte questo, è il medium di massa in sé: nel momento in cui qualcuno ci ascolta dal video ha verso di noi un rapporto da inferiore a superiore, che è un rapporto spaventosamente antidemocratico.


Io penso che in certi casi sia anche un rapporto alla pari: perché non potrebbe esserlo?

Alcuni spettatori, per privilegio sociale, possono esserci culturalmente pari... Ma in genere le parole che cadono dal video cadono sempre dall’alto, anche le più democratiche, anche le più sincere. L’insieme della "cosa vista" sul video acquista sempre un’aria autoritaria, fatalmente, perché viene sempre data come una cattedra. Il parlare dal video è sempre parlare ex cathedra, anche quando questo è mascherato da democraticità.


Lei è stato, molti anni fa, per Ragazzi di vita, uno dei primi scrittori italiani chiamati a comparire in tribunale sotto l’accusa di oscenità: a distanza di tempo, come giudica certi scrittori erotici di oggi e questo dilagare dell’erotismo nel cinema, nelle librerie e nelle edicole?

Mah, per me l’erotismo nella vita è una cosa bellissima, e anche nell’arte: è un elemento che ha diritto di cittadinanza in un’opera come qualsiasi altro. L’importante è che non sia volgare; ma per volgarità non intendo quel che si intende generalmente, ma una disposizione razzistica nell’osservare l’oggetto dell’eros. Ad esempio, la donna nei film o nei fumetti erotici è vista razzisticamente come un essere inferiore, quindi è vista volgarmente. Allora, in questo caso, l’eros è puramente una cosa commerciale, volgare.


Come mai un marxista come lei trae tanto spesso ispirazione dai soggetti che escono dal Vangelo o dalle testimonianze dei seguaci di Cristo?

Evidentemente il mio sguardo verso le cose del mondo, verso gli oggetti, è uno sguardo non naturale, non laico: tratto le cose un po’ come miracolose. Ogni oggetto per me è miracoloso: ho una visione – in maniera sempre informe, diciamo così – non confessionale, in un certo qual modo religiosa, del mondo. Ecco perché investo di questo modo di vedere le cose anche le mie opere.


Il Vangelo la consola?

Mah, non cerco consolazioni. Cerco umanamente, ogni tanto, qualche piccola gioia, qualche piccola soddisfazione, ma le consolazioni sono sempre retoriche, insincere, irreali… Lei dice il Vangelo di Cristo? No, in questo caso escludo totalmente la parola "consolazione": per me il Vangelo è una grandissima opera intellettuale, una grandissima opera di pensiero che non consola: che riempie, che integra, che rigenera… ma la consolazione, che me ne faccio della consolazione? "Consolazione" è una parola come "speranza".


Secondo lei gli intellettuali italiani scendono a troppi compromessi: facciamo dei nomi, citiamo dei casi…

Il compromesso si può riassumere in un punto solo: quello di accettare in modo acritico – perché se fosse critico si potrebbe anche ammettere, anzi credo sarebbe inevitabile – l’integrazione.


Non l’accetta anche lei?

Sì, ma in modo critico (come vede, mi ero premunito). Cioè, certo non posso non accettarla: devo essere un consumista per forza, perché anche io mi devo vestire, devo vivere; non soltanto, devo scrivere o fare dei film e quindi devo avere degli editori, dei produttori…


Quindi anche lei produce per il consumo.

La mia produzione consiste nel criticare la società che in un certo senso mi consente, almeno per ora, di produrre in qualche modo.


La società ha sempre tremendamente amato chi produceva dicendo di non amarla.

Sì, è vero: può darsi che le signore della buona borghesia amino, in un certo senso, essere colpite. La società cerca di assimilare, di integrare, certo: è un’operazione che deve fare per difendersi. Però non sempre ci riesce, a volte ci sono delle operazioni di rigetto. Tanto più poi che non possiamo parlare di poesia come di merce: io produco, ma produco una merce che in realtà è inconsumabile, e quindi c’è un rapporto strano tra me e i consumatori. Immagini che a un certo punto, in Lombardia, arrivi uno che inventa un certo tipo di scarpe che non si consumeranno mai più, e che un industriale milanese costruisca queste scarpe: pensi alla rivoluzione che succederebbe nella Valle Padana, almeno nel settore dei calzaturifici. Io produco una merce, la poesia, che è inconsumabile: morirò io, morirà il mio editore, moriremo tutti noi, morirà tutta la nostra società, morirà il capitalismo ma la poesia resterà inconsumata.