APONTAMENTOS (they say) DE UM CAIXEIRO (they say) & outras "POÉTIQUICES".

COLECIONAR & OUTROS BOCEJOS

A faca não corta o fogo

A foca não corta o queijo

A fava não corta o cão

A vaca não corta o rio

A pedra não parte a nuvem

A sola não parte o barco

A sala não parte o pé

A mala não corta o sono

A fada não corta a cinza

A mama não corta a unha

                  (…)

     (fazendo Download)

   Etc e tal. Ad infinitum…

AGUARELA DE MILTON AVERY

O cético está convencido que cinco

árvores sobre uma planície lilás

não é um assunto digno de criação

poética. O cético não acredita em

nada que não viva dentro da

palavra ou pela palavra. O cético

exige que ao lado deste poema esteja

a aguarela que o poema descreve

para verificar se a poesia aqui existe

ou não existe. O cético está seguro

de que tudo está contra ele que

isto não é um poema porque vamos

lá ver ninguém o ensinou a aceitar

aguarelas como sendo um poema.

O cético é convenhamos um chato

aquele que está disposto a abrir o

peito a autoflagelar-se a mutilar-se

para reviver nas entranhas a voz da

velha poesia. O cético bem sabemos

é um desconfiado desconfia de tudo

e acha que todos estão a tentar tramá-lo

a engana-lo porque ora lá está não

consegue ver aqui nenhuma poesia.

O cético além de chato é aborrecido

aborrece-se por não ver aqui a dita

aguarela nem imaginar o dito Avery

- o que realmente deve ser aborrecido!

O cético é um ser aflitivo e por isso

facilmente veste a pele de censor não

está para pensar é prático e se este

corpo não se encaixa no já conhecido

então isto não é uma aguarela muito

menos um poema digno de nota. No

fundo (aqui no fundo) bem sabemos

(o poeta sabe-o) que um cético é um

verdadeiro cego e que não há cura para

tamanha e tacanha insensibilidade.

Convenhamos (há que repeti-lo) cada

um vê aquilo que merece ou tão só

aquilo que consegue ver. E sobre as

copas das árvores amarelas o vento

pressionava-as a concordar comigo.

DA DIFERENÇA

                                                                          (Deve entrar aqui uma epígrafe

                                                                           sobre la Differance de Derrida )

I

PRIMEIRO VÃO

Atacar a Academia Fora da Academia.

PARA ALÉM DA BARRICADA A

Alguma irritação & borbulhas vermelhas. Leves Suspiros.

II

SEGUNDO VÃO

Atacar a Academia Dentro da Academia.

PARA ALÉM DA BARRICADA B

Muita irritação. Faces vermelhas. Engolir a seco I. Olhos

 de lado e sobrancelhas soerguidas. Figas e rezas para que o 

acusador caia de frente no pátio principal. Engolir a seco II. 

Muitos e longos suspiros.

POÉTIQUICES

O poeta A odeia o poeta B

que odeia o poeta C. O poeta D

repete mil vezes a palavra furor

enquanto o poeta E repete mil

vezes a palavra tesão. Para o

poeta F a poesia só pode existir

na resistência ou seja no uso da

palavra de alto teor calórico.

Ao passo que para o poeta G

a resistência deve ser o ato

de negar a uniformização do

que deve ser a poesia. Para o

poeta H a poesia é vermelha

e para o Poeta I ela só pode

ser verde. O poeta J fala mal

do poeta K e esse do poeta L.

Já os poetas M N O P vão todos

à tasca do Zeca – um desenha

outro escreve outro copia e o

outro rasga. São tipos esquisitos.

O poeta Q ama o poeta R que

o trai com o poeta S e T. Já o

poeta U e o poeta V lutam

entre si para saberem quem chega

primeiro ao Camões e ao Pessoa.

O poeta W só escreve em

Inglês e o o poeta Y em francês

não querem saber de poesia

portuguesa. Dizem que tem

demasiada tradição e pouca

recriação. Já o poeta X não só

lê toda a tradição como copia

a tradição linha a linha. Tudo

nele é uma enorme colagem

sem um único verso seu.

Por último o meu preferido

o poeta Z lê todos os poetas

e não é amigo de nenhum:

“São todos quase bons mas

todos uma cambada de ocos.

Muita palavra pouco ombro”.

Um desenho de Etel Adnan