As meninas revolucionárias

Uma mecha de cabelo fora do véu e Mahsa Amini, que visitava Teerão com os pais, é abordada pela «polícia da moralidade» (zeladores dos «bons costumes», ditados por Maomé no recente século VII e reeditados ontem, 1979, pela revolução islâmica anti-iluminista da República — a sério? — Islâmica do Irão) no dia 13 de setembro, abordada e detida. Ao fim de três dias, foi levada em coma profundo para um hospital, morreu pouco depois.

O país, uma parte significativa dele, entrou, entretanto, em ebulição, efervescência combatida com mão de ferro pelos velhos sábios do autoritarismo islâmico, detentores do monopólio da violência legal (mistura de leis positivas e religiosas, com muita corrupção institucional à mistura). Apesar do controlo mortífero — atirar a matar contra as manifestantes, penas de prisão arbitrárias e massivas, prepotência da justiça institucional (cada vez mais ideológica) —, as manifestações continuam, pagas com cerca de 300 mortes e 15 000 detenções. Em geral, protagonizadas por jovens, sobretudo adolescentes, que querem, de acordo com o slogan, «Mulher. Vida. Liberdade.», um futuro com sentido, futuro imaginado sem o fanatismo patriarcal. No jornal online Jadaliyya.com, uma jovem iraniana refere que as manifestações são feitas arriscando a própria vida, inscrevem no corpo a possibilidade real de uma morte incrível e absurdamente prematura. Mas diz mais, as pessoas vão para a rua também com o corpo que desejam ter, com um imaginário próprio, incarnam o ato revolucionário com esta imaginação.

A luta, que parece influenciada por valores ocidentais (os mais compatíveis com uma vida humana digna, já agora), opõe-se à cartilha de «bons» costumes de um país que se transformou, depois da revolução de 1979, rapidamente numa ditadura militar, que responde às objeções com aquilo que conhece: violência e morte. É por isso que o politólogo Farhad Khosrokhavar fala de «tanatocracia», um regime que governa «pela morte e pelo medo da condenação à morte». Isto tem, é bem claro, o propósito de manter o país relativamente isolado, o ódio ao Ocidente, especialmente aos USA, é a forma de consolidar um statu quo que privilegia exponencialmente a classe dirigente: militares e religiosos. Khamenei necessita de se confrontar quase permanentemente com o Ocidente, é esse inimigo que facilita a narrativa do nacionalismo e do contínuo estado de exceção, esse inimigo é o seguro de vida da teocracia, ou tanatocracia iraniana (cujos modelos foram o fascismo e o estalinismo). A integração do Irão no mundo global, pela multiplicação de influências que quase de certeza conduziriam à reforma do atual regime, continuará a ser adiada enquanto prevalecer um poder patriarcal sustentado numa ditadura militar.

Era bom que regressássemos mais vezes a Pierre Bourdieu, La domination masculine (Paris, Seuil, 1998), para percebermos melhor por que razão, na sequência do que acabei de escrever, por trás da violência física, dos castigos sobre o corpo, vive uma violência simbólica que «constitui o essencial da dominação masculina». A obrigatoriedade do uso do véu pelo sexo feminino, instaurada pouco depois da revolução de 1979 (a tal que iria libertar os e as iranianas), é uma parte importante dessa violência, responsável por um apartheid de género, de facto e de jure. Ora, é contra esta primeira, e primordial, usurpação da liberdade feminina que hoje se levantam muitas mulheres iranianas (também alguns homens, é verdade). Sobretudo jovens, algumas ainda na primeira fase da adolescência. Com a audácia e a coragem que falta aos acomodados no «para mal já basta assim» (sim, porque só os alucinados ou os oportunistas do regime julgam viver bem no Irão). E que nos falta a nós também. Quem detém o monopólio do protesto em Portugal (partidos políticos e produtores de opinião) pouco fez, não houve qualquer gritaria e os artigos nos meios de comunicação social contaram-se pelos dedos de uma mão.

Mas se há uma revolução, larvar, que hoje importa, é a do Irão. Pela inteligência e a coragem (de me fazer corar de vergonha) que demonstram as meninas iranianas (é uma expressão de carinho com sociologia e demografia à mistura). Não vejo outra que contenha tanta esperança num mundo melhor, não vejo outra que contenha tão poucas forças revanchistas, tão pouca apetência para se metamorfosear em ditadura. Isto deve-se, tenho esta convicção profunda, à motivação feminina que informa os protestos, é contra a sacralização das descriminações e violências sexistas da ordem islâmica que o feminino lidera as manifestações, nas quais muitas tiram o véu, nas quais muitas arriscam a prisão ou a morte. Se vencerem, o Irão será mais justo, livre e igual, porque elas querem ser livres e iguais, não superiores, arrumadoras e castradoras.

Se pensarmos que o Irão é, na realidade, um estado «zombie» (conceito de Zygmunt Bauman), porque estamos enganados quando julgamos que o país tem uma burocracia funcional, com linhas vermelhas claras, que as elites inspiram, medo e confiança, que as instituições têm um real poder. Tudo, ou quase, está moribundo. Mesmo que dure ainda algum tempo (que será sempre tempo a mais), acabará por morrer, desaparecer, fará parte da história espúria do país. Em Homo Sacer, Giorgio Agamben usa a noção «resto» para designar uma parte do real que escapa ao poder. Será deste «resto», do que escapou à tentativa de monopolização das ideias, narrativas, imaginário… que, a partir da indignação justa, se fará o novo Irão.  Os «restos» são, hoje, mais vitais do que os sentidos que permitem a alguns dizer: «a República Islâmica do Irão é a nossa casa e vamos lutar por ela, tal como está, petrificada numa sagração pífia». Estes poucos que ainda dominam não percebem que são prisioneiros dessa mesma dominação, que o medo de abrirem as suas próprias celas os aliena e apodrece aquilo que julgam ser salvífico. Por isso, cairão. E as meninas sem véu serão professoras, médicas, políticas, mães, amantes, músicas, engenheiras... Livres, justas e inteligentes, com esse pleno de vida que por vezes nos cabe em sorte e que nelas será a conquista mais exemplar da história.

Annie Ernaux, uma entrevista

Na Enfermaria gostamos muito de Annie Ernaux, foi, pois, com grande felicidade que soubemos do Nobel da Literatura, prémio que não desdenhamos, como agora é de bom tom fazer-se nos círculos restritos da mais alta inteligência literária. Há sempre «uvas verdes».

Depois de uma brevíssima introdução, deixamos-vos com uma entrevista ao jornal Le Monde, da jornalista Sandrine Blanchard, com cerca de 6 anos, julgamos que é uma boa maneira de ficarmos um pouco juntos dela, de partículas da sua realidade. A tradução é de Victor Gonçalves

Elena Medel, poeta e romancista, refere, num artigo ao El País (8/10/2022), que Annie Ernaux «transcende as etiquetas de “autobiografia” ou “autoficção”», ela própria recorreu, antes, ao conceito de «auto-socio-biografia», ela que gosta tanto de Bourdieu. Gosta também, o seu feminismo não é secreto , de Simone de Beauvoir, e, por razões agora ligadas às questões de mobilidade social e vergonha de classe, de Dédier Éribon, do seu magnífico Retours à Reims. A própria autora disse, numa entrevista a Mará Sonia Cristoff, Clarín, que «classe de origem e feminismo são dois eixos cruciais na hora de escrever, atravessam tudo o que escrevo.»

Há muito onde ir buscar na sua obra uma frase síntese, que, como é habitual em situações semelhantes, relevará tanto quanto esconderá, gostamos e optamos por esta: «Et je crains toujours de laisser échapper quelque chose d’essentiel. L’écriture, en somme, jalousie du réel.» [Temo sempre deixar escapar alguma coisa de essencial. A escrita, em suma, ciúme do real.] (Annie Ernaux, L’occupation)

 Je ne serais pas arrivée là si… [não teria chegado aqui se…],
… Se a minha mãe! E é sem hesitação possível! Foi fundamental. Pela sua personalidade, a sua força, a sua visão do mundo e em particular do mundo social. Tudo isso me suportou, e também me levou à revolta. Ela queria traçar o meu próprio destino. É largamente responsável por ele.

Esta mãe sempre a empurrou para a frente. Ela queria dar-lhe aquilo que não tinha tido?
Acima de tudo, ela queria dar-me uma vida interessante, uma vida independente — este termo era muito importante. Era menos o sucesso material do que o sucesso intelectual que importava para ela. Quando percebe que a escola está a resultar, fará tudo para me facilitar esse percurso e nomeadamente — o que era bastante excecional para as raparigas da época — impedir-me literalmente de me entregar a uma ocupação feminina. Ela tinha uma espécie de condescendência, quase desprezo, pelas mulheres que ficavam em casa porque os maridos podiam sustentá-las. Fui criada nessa imagem negativa do lar. Quando o meu pai morreu, disse-me, pouco depois, uma frase que achei terrível: «Vou limpar-te a casa». Era para me libertar desses afazeres. Isto significava «ainda estou aqui». É enorme.

Quando pensa na sua mãe, qual é a primeira imagem que aparece?
Materialmente, é a imagem do fogo. É uma mulher que, como dizia, nunca se deixou pisar. O meu feminismo vem dela. A minha mãe não tinha medo de nada. Estava sempre revoltada. Com espantosos excessos de violência. Não vivíamos na doçura na família Duchesne! Recebi muitas chapadas. Neste campo, eu sou a lenda da família!

Porquê?
Porque era fresca! Opus-me rapidamente à autoridade. Só pensava em desobedecer. Estava bastante inclinada para as questões sexuais. A minha mãe achava que eu continha todas as possibilidades do mal, e eu também estava convencida disso.

A sua excelência escolar foi para agradar à sua mãe ou porque gostava da escola?
A escola fazia-me feliz. Como filha única, encontrei finalmente colegas de turma. Era uma faladora inveterada. E adorava ler. Mas separava as minhas leituras, os livros comprados pela minha mãe e os das aulas de francês.

Quais são as suas primeiras memórias marcantes de leitura?
E Tudo o Vento Levou
[Gone with the wind] de Margaret Mitchell, que li quando tinha nove anos. A minha mãe tinha-o comprado para ela. Acho que foi a maneira como ela falava dele com os clientes na mercearia que me fez querer lê-lo. Porque eu adorava estar debaixo do balcão a ouvi-los discutir. Este livro representava um mundo para mim. Acreditava na realidade dessa história. Eu até procurei o nome Scarlett O’Hara no dicionário! Queria saber mais do que o livro! Jane Eyre, de Charlotte Brontë, também me marcou muito. Este livro na primeira pessoa é como um fio condutor da existência. Trata-se, também aqui, de viver uma vida de independência, sem dominação. Estes modelos estruturaram-me.

Quais são os seus sonhos de jovem?
Em criança, não tinha nenhum desejo específico, o futuro estava em aberto. Com os meus amigos, os meus primos, havia o imaginário do amor. Nas cartas que escrevi aos dezasseis anos sentia repugnância pelo casamento. Na época, não podíamos imaginar outra maneira de estar com um homem. Tenho a sensação, desde muito cedo, de que o casamento nada mais é do que quase o fim da vida. Talvez tenha sido a influência da leitura de Une vie de Maupassant que me abalou. Li-o aos treze anos às escondidas e fiquei completamente alterada.

Desenhava-se um desejo profissional?
Eu sabia que ia fazer alguma coisa. A minha mãe sempre me recordou de que na escola primária uma freira lhe disse: «Annie é uma futura professora.» Não falhou! Nos trânsfugas sociais, os milagrosos passam por aí; por uma profissão na qual não há necessidade de ter uma herança económica.

Desde quando tem essa consciência de classe?
Nunca foi totalmente formulada. Mesmo no meu diário íntimo. Vem da sensação e da certeza: pertenço a um meio modesto. Tenho essa consciência de classe na escolha dos amigos, na diferença que sinto perante outrem. Sei tudo o que me separa de alguns deles e ao mesmo tempo tenho essa vontade de os conhecer. É um mundo que me parece maravilhoso, porque há a música clássica, aquela que eu ignoro. A música é realmente, na época da adolescência, o signo de exclusão. É dela que eu mais me quero apropriar.

De que sente mais falta?
Muitas coisas! Mas nunca é ciúme social. É a sensação de uma falta, de uma imperfeição. A ideia de injustiça vem muito depois.

Chega quando?
Eu não sentia isso em mim, mas nas situações. Quando fiz a minha comunhão no internato católico de Yvetot, perguntei se a minha prima — que estava na escola pública — podia vir. Chega o dia, estamos em maio, ela levou o vestido mais bonito que tinha e um casaco de pele de coelho. A diretora chega ao pé de mim: «Onde está a sua prima, não a vejo?» Respondo-lhe: «Está ali.» Então, o rosto da diretora... era desprezo. Nunca me esqueci. Histórias assim, tenho toneladas delas. É a força dos trânsfugas quando admitem que o são: eles sabem muito mais sobre o mundo social, pela posição que ocupam, do que aqueles que estão naturalmente no mundo dominante.

Em que momento teve a sensação de ter mudado de classe social?
Principalmente ao morar longe dos meus pais e ao casar com um rapaz que era de classe média burguesa de direita.

O que mudou então na vida diária?
Temas de conversa; o facto de sentir a condescendência do meu companheiro pelos meus pais e meio social; as famosas maneiras à mesa e, o que imediatamente me impressionou muito, essa segurança no mundo, da qual eu estava completamente privada. Tem-se a impressão de que o mundo é feito para essa classe dominante e que lhe pertence de direito e de facto. Também está ligada ao corpo: essa estranheza de ter um corpo plebeu, um lado «campónio».

Qual foi a primeira pessoa a quem falou sobre o seu desejo de escrever?
A uma nova amiga, que encontrei quando me matriculo na faculdade de letras. Em junho, quando fui aceite na propedêutica, lembro-me de escrever inventando um nome para mim: «Anne Saint-Claire vai publicar o seu primeiro romance.» É muito estranho. Posteriormente, sofri recusas justificadas. As coisas não aconteceram de forma linear. A consequência dessas recusas é a fuga em busca de um relacionamento com um homem. Depois, uma série de coisas um tanto dramáticas, como o meu aborto. Finalmente, vejo-me casada e depois mãe. Não consigo escrever, mas nunca paro de pensar nisso. O meu marido, Philippe Ernaux, leu o meu primeiro texto, com comentários pouco agradáveis. Depois disso, nunca mais pedi a ninguém para me ler. Muito rapidamente, questiono-me sobre a escrita: não há história para contar. Não é a história que conta, mas o que estava em jogo na história. No que vivenciamos, há algo que faz avançar o conhecimento. Há mais no escrever do que no recordar.

Tinha «o desejo de visitar o planeta». Fê-lo?
Este desejo foi rapidamente canalizado pelas necessidades da vida. Finalmente, viajei principalmente por causa dos meus livros. Mas fiz uma viagem extremamente importante com o meu marido em 1972. Tinha 31 anos. Foi organizado pelo Le Nouvel Observateur (antepassado de L'Obs) para conhecer Salvador Allende no Chile. Essa viagem durou duas semanas. Graças ao contacto com as poblaciones fiz uma viagem de regresso extraordinária à minha infância.

Porquê?
Porque percebo o quanto vivi num mundo próximo do que às vezes via nas poblaciones: o bairro operário, a família da minha mãe no qual o álcool era devastador, etc. Tenho a sensação de ter coisas para dizer. E depois, a acompanhar o grupo, havia um jornalista literário do Nouvel Obs, Jean-François Josselin. Conversávamos muito com ele. Não sei como nem porquê, revelei-lhe o meu segredo: já havia escrito um texto. Além do meu marido, ninguém sabia. Jean-François Josselin queria que lho enviasse. Prometi fazê-lo. Mas não mantive a promessa. Esse primeiro texto de 1962 era muito extravagante. Eu não contava a realidade, não tinha nada de social, era uma forma que procurava. Finalmente, comecei a escrever um mês depois dessa viagem ao fim do mundo.

A política sempre lhe interessou...
Pertenço a essa geração que se alimentou das histórias das guerras do século xx. Na família, mas também na aula, na qual o meu professor de história nos leu Os Sinos de Nagasaki [Takashi Nagai, 1949]. E depois, desde a infância que ouvi falar de política, à maneira das conversas de café. No café do meu pai. E a minha mãe sempre votou. Acompanhei-a pela primeira vez a uma urna em 1945. Ela ia assistir até à contagem. Continuo à espera de uma mudança profunda. Constato há várias décadas um movimento irreprimível da sociedade em direção a uma espécie de isolamento. Não há uma real aceitação dos outros. Dei aulas em Pontoise entre 1975 e 1977. Lembro-me de uma turma difícil do 9.º ano, agitada. Debatemos. Ainda tenho em mente os discursos já populistas dos estudantes que me diziam: «A minha irmã não teve um uma habitação social enquanto os árabes tiveram.» Arrastamos a questão do racismo há muito.

Quando teve o sentimento pleno e completo de ser escritora?
Tenho antes a consciência de um privilégio, uma oportunidade de poder fazer algo que é — talvez como a minha mãe teria dito — o que há de mais belo. Não procurei fazer carreira, mas preservar a possibilidade de escrever. Aliás, é muito difícil. Perante cada livro a ser escrito, não sou nada, de cada vez é uma luta. Realizei esse sonho de escrever e ser publicada. Mas não é o nirvana, a felicidade, não é nada do que eu imaginava.

Quer dizer?
Nunca imaginei que seria um compromisso tão grande; a forma quase mística que a escrita tomaria. É preciso sacrificar muitas coisas: vida sentimental, um pouco a família também. Eu não sou uma avó muito disponível! Quando agarramos a dobra, acabou. A existência é informe e vazia sem a escrita. Não se trata de dizer «nem um dia sem uma linha», mas de procurar, de ter um projeto e de que tudo esteja centrado em torno dele. Viver com um livro que terá de ser escrito. Mémoire de fille, teria sentido uma grande culpa se não o tivesse feito. La Place, também.

«É assim que vivem os homens»: Sempre se colocou esta pergunta...
Sim. Imergi desde muito cedo numa comunidade de pessoas. Conviver de manhã à noite com os fregueses de uma mercearia-café, com pouca ou nenhuma intimidade familiar, tinha a sensação de ser atravessada, desde muito cedo, por todo o tipo de conversas e linguagens. Depois, mudar de classe social, ou seja, mudar de mundo, dispõe para a observação, a fazer perguntas. As clivagens sociais continuam muito fortes. A sociedade francesa permanece uma espécie de aristocracia com os seus fastos, o seu cerimonial, as suas categorizações...

Que lugar teve a religião na sua vida?
Um grande lugar. No internato havia todos os dias história sagrada e orações. Para a minha mãe, o importante era haver religião: acreditar em Deus e comportar-se de acordo com uma regra moral. Ela acreditava na eficácia da oração. Mas quando a minha irmã morreu de difteria, a oração não fez muita coisa. Fiquei realmente marcada pelos sacrifícios a fazer e pela culpa sexual da minha primeira confissão aos sete anos: acusei-me de ter tido gestos indecentes e recebi uma saraivada de vergastadas do confessor. Portanto, entendi que era praticamente maldita.

O que sobrou?
Resta o que poderia chamar-se hipotexto. É também como um primeiro mundo [a religião]. Mesmo estando convencida de que o nada [néant] nos espera, ajo como se houvesse algo que deve ser salvo e do qual sou a guardiã. Não é a minha alma, é o que faço. É muito diferente. Pode dizer-se que a literatura ou a escrita substituíram, de certa forma, Deus. Ou que escrever é a missão que me foi dada.

Como experimentou os ataques? [ao aeroporto Zaventem, por islamistas, 32 vítimas]
Esta manhã, no rádio, fiquei impressionada com o que um rapaz muito composto e calmo disse na France Inter: sim, há violência, mas não tanto quanto nas grandes guerras anteriores ou na Síria. Não foi dito por passividade, mas como uma espécie de sentimento do que é o curso da história. O mais difícil é tentar entender e saber que não seremos capazes de o perceber no momento presente; será mais tarde. O que também chama a atenção — e é terrível dizê-lo — é a facilidade com que integramos o que acontece. No dia seguinte aos atentados de Bruxelas, no RER [comboio suburbano] entre Paris e Cergy, um homem e uma mulher usavam apenas boatos sobre o que havia acontecido em Bruxelas. «Parece-me que algo aconteceu», dizia a mulher. Foi só isso. Esta vida que continua impressionou-me. Só falavam de trabalho, férias, filhos... Era um dia como outro.

Roger Federer a persona tenística

 Roger Federer anunciou há poucos dias que se retirava do ténis. Não é bem assim, pelo que fez, 20 títulos do grand slam, 6 títulos em Masters, 28 títulos de ATP 1000, 24 títulos em ATP 500, 25 em ATP 250 (incluindo o Estoril Open), 237 semanas como número 1 mundial, 103 títulos no total, ele é, se não o ténis, uma grande parte do ténis (ia dizer «moderno», mas o ténis é todo ele moderno, jogado, em qualquer época, é sempre veloz e mutante, traços da modernidade baudelairiana). E agora que não pode voltar a perder ou a jogar mal (raramente), alcançou o estatuto de lenda (todos o dizem, basta isso). E como acontece na economia do lendário, o protagonista torna-se eterno.

Roger apareceu depois de me ter iniciado nas artes da raqueta, mas na altura jogava tão espontaneamente mal que não identifiquei o cometa que entrava no mundo do ténis. Reparei, sem dúvida, na beleza dos gestos, e na vasta gama de recursos técnicos, Roger jogava, e isso percebi imediatamente, um ténis total, usava todas as pancadas, movia-se fantasticamente, era taticamente brilhante e, igualmente importante, não parecia lutar contra ninguém, jogava e ganhava porque aproveitava o momento certo (tinha um kairós exemplar) para superar as circunstâncias (adversário, lei da gravidade, limitações biomecânicas, público, chuva, vento…).

Mas daí a projetar a carreira que viria a ter ia um grande passo. Limitações da minha análise e imaginação, com certeza. Mas faltavam também referências superlativas. Havia Björn Borg, John McEnroe, Andre Agassi, Pete Sampras, Mats Wilander, Ivan Lendl, Rod Laver, depois Novak Djokovic e Rafael Nadal…, mas faltava uma ideia de génio que enquadrasse Roger Federer. E tinha de faltar, o génio é precisamente aquele que não pode ser enquadrado, que está fora das regras conhecidas, que cria (a partir do quê?) as suas próprias regras.

 Essa genialidade foi revelando alguns dos fios com que se tecia, nas pancadas, seguramente, nos pontos e encontros ganhos, ainda mais claro, mas igualmente na beleza dos gestos (o belo, apesar da modernidade tardia o descartar, continua a fazer-nos felizes) e na personagem que Roger criou, meio real meio ficção, na sua persona tenística. Pouco a pouco, mesmo depois de terem surgido tenistas mais performativos, Djokovic e Rafael Nadal (Federer não tem um registo positivo com eles), a persona Federer continuou a ser a mais reconhecida (apesar dos 14 títulos de Roland Garros de Nadal, épico). Uma persona tangível, obviamente, mas também celestial, feita de uma metafísica que nos toca sem nos esclarecer, uma admiração sem conceitos. Talvez se trate de uma «experiência religiosa», como a descreveu David Foster Wallace. Ou de uma plenitude mais secular. O certo é que basta um nível mínimo de iniciação ao ténis para nos prostrarmos perante a sua enorme persona tenística. Não é por acaso que a vedeta emergente, vencedor do US open deste ano, Carlos Alcaraz, o tem como modelo (inimitável, sabe-o bem).

Assim, confundindo-se o ténis com Federer, mais o ideal, no sentido platónico, do que o real (onde pontua demasiada imperfeição), o anúncio da sua retirada significa apenas que vai deixar de competir no terreno de jogo. Quer queira quer não (e parece querer), ficará incrustado nesse mundo, no qual é impossível brilhar sem lhe pedir emprestados alguns raios de luz, é o que significa dizer que tal ou tal jogador se «compara a Roger Federer». Encostou a raqueta, mas a sua persona está em todo o lado, bem viva.

Nietzsche e a moral

Podem passar desde já ao ponto II, escrito com um discurso mais direto, mas nunca literal, ecos da voz de Nietzsche, fios de Ariadne que nos podem levar, não sem riscos, a uma sala do seu labirinto. No ponto I coloco em perspetiva a sua economia do bem e do mal, ou melhor, do bom e do mau. Em modo síntese, é preciso não esquecer.

I

Tenho a sensação que demasiadas coisas trabalham em mim, há um balanço generalizado de fim de século (talvez termine agora o século xx). Estamos exaustos, procuramos o bem e o mal e não os encontramos. Nada é claro, apagaram-se os focos que iluminavam prodigiosamente alguns trilhos da vida, vivemos na obscuridade, do presente, mas sobretudo do futuro.

Nietzsche disse coisas semelhantes, a sua genealogia do niilismo e da decadência fizeram-no desconfiar da pujança ocidental, reino de uma moral «hostil à vida», pedra de toque do cristianismo (por crença teológica e desonestidade filológica) e da ciência, cada uma à sua maneira preocupadas com verdades metafísicas e a produção de boas-consciências (auto-satisfeitas por seguirem o bem da época). Pelo contrário, os magníficos gregos valorizavam a aparência, a arte, a ilusão, o perspetivismo e o erro. A crítica axiológica nietzschiana acentua-se em Aurora (1881), na Gaia Ciência e Zaratustra (1882-1885), com a forte convicção de que a morte de Deus (processo de secularização) dará origem ao sobre-homem, um pós-humanismo assente no devir, no individual, na liberdade e na interpretação. O projeto de uma vasta crítica da moral prossegue em 1886 com Para lá Bem e Mal, Para a Genealogia da Moral no ano seguinte e os Crepúsculo dos Ídolos e Anticristo (ou Anticristão) em 1888. Nestas investigações antropológico-axiológicas, destaco a ideia de que «a vida é algo de essencialmente amoral», apesar de ser a possibilidade de todos os valores. O combate à moralidade cristã consagra a vida (é sintomático que a única composição musical publicada por Nietzsche tenha sido o Hino à Vida (Hymnus an das Leben), para coro e orquestra, em 1887 (Leipzig: E.W. Fritzsch). Retomou parte de o Hino à Amizade (Hymnus auf die Freundschaft) de 1873/74, a letra é de um poema de Lou von Salomé, Oração à Vida). Nietzsche recupera uma mundivisão antiga: «Enquanto filólogo e homem de palavras, batizei-a, não sem alguma liberdade — pois quem saberia verdadeiramente o nome do anticristo? — com o nome de um deus grego: chamei-lhe dionisíaca.» («Ensaio de Autocrítica», 1886).

Dioniso funciona para ele como uma divindade contraditória: geração e corrupção, vida e morte, bem e mal..., sem querer superar a tensão agónica que contém, retomando o princípio pré-reflexivo do agon pré-clássico. Temos, então, a figuração do anticristo em Dioniso, e decerto que ele pode representar esse papel de vida espontaneamente plena para além bem e mal. Mas esta função só emerge na nova interpretação mais de dez anos após a publicação do livro cujo pano de fundo é a da recuperação de uma cultura apolínea-dionisíaca, O Nascimento da Tragédia (1872). Quando escreveu este livro não teve a clarividência nem a coragem, diz ele no §6 do «Ensaio de Autocrítica», para opor o dionisíaco ao cristianismo (estava enfeitiçado por Wagner e Schopenhauer), e por isso usou fórmulas kantianas e schopenhauerianas [um pouco hegelianas, também]. Mas aquilo que mais critica, auto-critica, é a esperança infundada no renascimento do trágico grego, principalmente na música alemã (leia-se, Wagner), afinal a menos grega e a mais romântica de todas. Deste modo, revogando a falsa solução dos últimos §§ de O Nascimento da Tragédia (centralidade da música wagneriana), mantém-se viva a pergunta sobre como seria uma nova música dionisíaca. Sem responder cabalmente, termina numa espécie de liturgia anticristã onde o dançarino Zaratustra consagra o riso como comportamento superlativo.

Excerto do quarto livro de Assim Falava Zaratustra, «Do homem superior», final do §20: «Das Lachen sprach ich heilig: ihr höheren Menschen, lernt mir – lachen!». No §294 de Para lá Bem e Mal, escolhendo neste caso confrontar-se com Thomas Hobbes, confessa que gostaria de estabelecer uma classificação dos filósofos de acordo com o seu riso, que também os novos deuses, na medida em que filosofam, saberão rir, de modo «sobre-humano» (übermenschliche). François Warin tem em Nietzsche et Bataille (P.U.F., 1994) um bom capítulo sobre o riso na filosofia (destaca Nietzsche e Bataille, mas atravessa igualmente o pensamento de outros filósofos: Platão, Aristóteles, Descartes, Espinosa...). Para Warin «O riso é essa janela de luz que se abre para a noite, para o abismo do não-saber. Todo o mundo sabe que quem se deixou levar uma vez pela convulsão do riso, do riso “louco”, a angústia de rir “do que está fora de lugar... redobra o riso”; quem ri perde o equilíbrio e abandona-se a um deslizamento vertiginoso, a um movimento que o destrói.» (p. 96).

Como refere no centro do debate sobre a revolução moral, o homem nobre (der vornehme Mensch) determina os valores sem qualquer aprovação extrínseca, dignifica as coisas por si, «é criador de valores», e para isso é fundamental que não seja um homem do ressentimento (ódio e inveja que não se exterioriza), que seja um homem, um sobre-homem que queira e saiba rir. Valores de contexto, presos à história, cúmplices das circunstâncias. Por isso, como muito bem viu Gilles Deleuze, a ética nietzschiana não se tornará anacrónica, os «novos» valores do sobre-homem serão eternamente juvenis, na medida em que valem somente para acontecimentos singulares, concentram o princípio e o fim axiológicos que definem uma porção de vida. Não podendo ulteriormente cristalizar-se numa tábua de valores aspirando à universalidade. O sobre-homem cria valores para cada circunstância, com a única condição de não se oporem à vida, uma moral assente na criação festiva e permanente de valores que sublimem a vontade de viver. Se for caso disso, viver uma e outra vez a mesma coisa, divinizando cada instante e cada acontecimento dentro do tempo do eterno retorno do mesmo.

II

É, pois, indiscutível que a moral nietzschiana tem um pendor individual, retornando ao ễthos grego, a formação do carácter pessoal, que concorria e muitas vezes se sobrepunha às leis da cidade (Antígona, Sócrates…). Como justificação, não esquecendo algumas das coisas que disse anteriormente, escolhi dois textos de Nietzsche, escolhi-os como prova filosófica (sempre em perspetiva), mas também porque me acompanham no dia a dia, através deles resolvo muitas dúvidas sociais. Nietzsche vive em mim.

1- Numa nota póstuma de 1880, 6[203], diz que «buscamos aqueles cuja existência é para nós uma alegria e encorajamo-los, enquanto debandamos dos outros — eis a verdadeira moralidade

2- No §304 de A Gaia Ciência: «No fundo, repugna-me toda a moralidade que diz: “não faças isso! Diz que não! Vence-te!”. Estou, inversamente, disposto a aceitar aquela moral que me impele a fazer algo e a repeti-lo e a sonhar com isso de manhã à noite e durante a noite, e a não pensar absolutamente em nada senão em fazer isso bem, tão bem como só a mim é possível!»

Num e no outro caso, a centralidade do bem e mal, ou do bom e mau, está no indivíduo, nas escolhas que faz. Escolhe aproximar-se e afastar-se de outrem, escolhe ser perfeito (orgulho em vez de humildade, Dioniso em vez de Cristo). Se se trata de um individualismo exaltado? Não, trata-se de transformar o acaso do nosso nascimento numa necessidade. Viver, diz Nietzsche no § 3 do prefácio à Gaia Ciência é incandescer: «Viver — isso para nós quer dizer metamorfosear constantemente tudo o que somos em luz e chama». (Leben — das heisst für uns Alles, was wir sind, beständig in Licht und Flamme verwandeln).

Fleabag

Atenção, contém spoilers.

Estou e não estou inscrito na economia da atenção. Tenho assinaturas digitais nos jornais Público, El País, Le Monde e The Guardian, na revista Philosophie magazine, Netflix, HBO, Amazon Prime e Spotify, uso, embora com uma certa sobriedade, o Facebook e mantenho contactos presenciais e à distância com pessoas muito informadas que vão preenchendo algumas das minhas lacunas . Parece, a mim parece-me, pletórico. Mas com uma certa disciplina do esquecimento e leituras lentas, não me sinto afogado na atualidade e no efémero. Demonstra-o só há pouco ter descoberto uma série, Fleabag, cómica à sua maneira, com duas temporadas entre 2016-19. Em boa verdade, já havia sido informado dos seis Emmys maiores que ganhou e visto uma entrevista da criadora / produtora / escritora / atriz principal Phoebe Waller-Bridge, com um sentido de humor arrebatador. Foi esta entrevista, aliás, que me despertou o interesse, mas como tinha presente alguns episódios do Killing Eve, é ela a argumentista e produtora, mantive a moratória. Não digo que Killing Eve seja má, o talento de Phoebe para narrar histórias possíveis e impossíveis é invejável, mas há demasiados deus ex machina.

Finalmente, até porque tem 8,7 no IMDb (embora o rating desta plataforma digital deva ser contextualizado, há séries e filmes francamente maus que ultrapassam os oito pontos em dez), e, menos importante, apeteceu-me justificar o que pago pela Amazon Prime (na realidade, os portes grátis dos livros e de algum material de ténis compensam bem a anuidade), vi o primeiro episódio (o on demand é incrivelmente tentador, uma quantidade enorme de mundo está permanentemente ao nosso dispor; por outro lado, ficamos mais caprichosos, uma cronologia que depende somente de nós torna-nos reféns dos impulsos).

E foi então que a pequena promessa de felicidade inicial se amplificou até um incondicional deslumbramento.

Phoebe Waller-Bridge compõe uma personagem, Fleabag, que torna risível, e sobretudo auto-risível, situações, diálogos e poses individuais, sem cair nos clichés gastos da comédia mainstream. E faz tudo isso mantendo um realismo só ligeiramente extravagante.

Fleabag gere um restaurante (durante parte das duas temporadas da série sem muito sucesso económico), cuja sócia morreu atropelada quando tentou ter um pequeno acidente para simular um suicídio, queria mais atenção do namorado. A desatenção resultou, numa ironia quase trágica, de ter dormido com a cogerente e melhor amiga, Fleabag. Esta desenvolve então um sentimento de culpa que a lança, muitas vezes sem critério, à procura de redenções. O acontecimento, que nunca ultrapassa o quase-trágico, serve também para expor o apetite sexual um pouco discricionário de Fleabag, incompatibilizando-a com um namorado demasiado straight, pelo menos na cama. E em parte com uma irmã neurótica, mas financeiramente bem-sucedida. Há também um cunhado infantil e libidinoso, um pai que raramente completa as frases, contrastando com a agilidade nos diálogos da filha, e uma madrasta que tem o melhor cinismo que vi nos últimos tempos (interpretada pela magnífica Olivia Colman). A mãe, essa morreu, mas só assombra em pequenas doses a economia das peripécias.

Destaco o aparecimento de um padre, Andrew Scott, na segunda, e última, temporada (o primeiro episódio, em torno de um jantar cheio de mal-entendidos e com uma vertiginosa economia de réplicas, é divinal). Os diálogos à volta da fé, das razões que a podem sustentar, a libido, espiritual e carnal, os prazeres mundanos, puros e impuros, o significado das práticas religiosas, a hesitação entre namorar com Deus ou com Fleabag, tornam a segunda temporada ainda melhor do que a primeira. O padre permite melhorar a complexidade dos diálogos, introduzir mais ambiguidade nas personagens (um aspeto essencial para a qualidade da série, parece, aliás, que a autora se exercita a surpreender-nos com uma dose extra de ambiguidade sempre que uma ou outra personagem consolida um traço de personalidade, é assim sobretudo com a madrasta e com o pai). Ambiguidade que emerge também no jogo que estabelece com os espectadores; o espetador estético, de que falava Nietzsche, é surpreendido pelos apartes que Fleabag, ou Phoebe Waller-Bridge, não sabemos, estabelece diretamente (bom, há sempre mediações) com ele, desviando o olhar da ação ficcional para o confrontar em modo metaficcional. Um achado que sofre uma torção quando o padre julga que essa cumplicidade com os espetadores é, afinal, um vislumbre de uma metacomunicação, talvez com o divino. De igual modo, num momento específico Fleabag, ou Phoebe Waller-Bridge, também não sabemos, tem um gesto pudico (contrariando o seu natural despudor) relativamente à equipa técnica, lembrando-nos de que há uma realidade real, chamemos-lhe assim, a par da realidade ficção. Isto serve também para não normalizar a extravagância, nenhuma personagem se acomoda na caricatura.

Finalmente, em jeito de aviso, reafirmo que Fleabag não tem nenhuma linha de fuga para a tragédia, e isso é voluntário, a autora mostra-nos bem onde tal poderia ter acontecido (na morte da amiga ou quando o padre diz que quer continuar a estar casado com Deus), para deixar claro que o compromisso é exclusivamente com a comédia. Se quiserem uma comédia a cair bastante para o trágico (das pequenas coisas, da vidinha, com personagens comoventes), vejam a excelentíssima The Rehearsal da HBO.