Anne Sexton, "O peito"

Tradução: João Coles

O peito

É esta a chave.
É esta a chave para tudo.
Preciosamente.

Sou pior do que o encarregado das crianças
na apanha do pó e do pão.
E cá estou eu a angariar perfume.

Deixa que me deite no teu tapete,
no teu colchão de palha – o que estiver à mão –
porque a criança dentro de mim está a morrer, a morrer.

Não que eu seja gado para ser comido.
Não que eu seja uma espécie qualquer de rua.
Mas as tuas mãos encontram-me qual arquitecto.

Uma jarra cheia de leite! Era tua anos atrás
quando vivia no vale dos meus ossos,
ossos torpes no pântano. Pequenos brinquedos.

Talvez um xilofone com pele
em cima esticada desajeitadamente.
Apenas mais tarde se tornou em algo real.

Mais tarde medi-me com as estrelas de cinema.
Não tinha medidas. Havia alguma coisa
entre os meus ombros. Mas nunca o suficiente.

Sim, havia um campo,
mas nenhum jovem cantando a verdade.
Nada que cantasse a verdade.

Desconhecendo os homens quedo-me ao lado de minhas irmãs
e ao erguer-me das cinzas bradei
o meu sexo será trespassado!

Agora sou tua mãe, tua filha,
o teu brinquedo novinho em folha – um caracol, um ninho
Estou viva quando os teus dedos estão.

Visto seda – um véu para desvelar –
pois é em seda que quero que penses.
Mas não gosto do tecido. É demasiado austero.

Diz o que quiseres mas trepa-me como um alpinista
pois eis o olho, eis a jóia,
eis a excitação que o mamilo aprende.

Sou desequilibrada – mas não estou louca de neve.
Estou louca da mesma maneira que as jovens são loucas
com uma oferenda, uma oferenda...

Ardo como o dinheiro arde.


The breast

This is the key to it.
This is the key to everything.
Preciously.

I am worse than the gamekeeper's children
picking for dust and bread.
Here I am drumming up perfume.

Let me go down on your carpet,
your straw mattress - whatever's at hand
because the child in me is dying, dying.

It is not that I am cattle to be eaten.
It is not that I am some sort of street.
But your hands found me like an architect.

Jugful of milk! It was yours years ago
when I lived in the valley of my bones,
bones dumb in the swamp. Little playthings.

A xylophone maybe with skin
stretched over it awkwardly.
Only later did it become something real.

Later I measured my size against movie stars.
I didn't measure up. Something between
my shoulders was there. But never enough.

Sure, there was a meadow,
but no young men singing the truth.
Nothing to tell truth by.

Ignorant of men I lay next to my sisters
and rising out of the ashes I cried
my sex will be transfixed!

Now I am your mother, your daughter,
your brand new thing - a snail, a nest.
I am alive when your fingers are.

I wear silk - the cover to uncover -
because silk is what I want you to think of.
But I dislike the cloth. It is too stern.

So tell me anything but track me like a climber
for here is the eye, here is the jewel,
here is the excitement the nipple learns.

I am unbalanced - but I am not mad with snow.
I am mad the way young girls are mad,
with an offering, an offering…

I burn the way money burns.

E. E. Cummings - poema nº 24, in "No thanks"

tradução: João Coles

24.

“vamos inaugurar uma revista
que se lixe a literatura
queremos algo tinto de sangue

reles de pureza
tresandando de crueza
e destemidamente obscena

mas muito limpa
estão a perceber
não a estraguemos
tornemo-la séria

algo autêntico e delirante
sabem, algo genuíno como uma borrada
na sanita

agraciada com as vísceras e visceralmente
graciosa”

aperta os tomates e dá a cara

― E.E. Cummings, poema nº 24, in No Thanks


24.

“let's start a magazine
to hell with literature
we want something redblooded

lousy with pure
reeking with stark
and fearlessly obscene

but really clean
get what I mean
let’s not spoil it
let’s make it serious

something authentic and delirious
you know something genuine like a mark
in a toilet

graced with guts and gutted
with grace”

squezze your nuts and open your face

― E.E. Cummings, poema nº 24, in No Thanks


Eftychia Panayiotou, «Pouco antes de te levantares»

Tradução de Michel Kabalan

Pouco antes de te levantares

 Não me digas que não quiseste penas de pavão,
um vestido a arrastar pela pista da valsa.
E se o palpitar do coração te roubasse a coroa
quando o mais ousado te olhou nos olhos,
Não digas que foi ele o conquistador

Ele estava já ajoelhado.


Λίγο πριν σηκωθείς

 Μην πεις πως δεν πόθησες τα φτερά του παγονιού,
ένα φόρεμα να σκουπίζει την πίστα με βαλς.
Κι αν την κορόνα σού έκλεψε τελικά το καρδιοχτύπι
όταν σε κοίταξε στα μάτια ο τολμηρότερος,
μην πεις πως ήτανε κατακτητής·

στα γόνατα είχε πέσει.



Sobre a autora

Eftychia Panayiotou (Chipre, 1980) é uma poeta e tradutora de poesia (Anne Sexton, Anne Carson, Lord Byron, William Blake, Percy Bysshe Shelley). Já publicou 3 livros de poesia: μέγας κηπουρός, 2007(O grande jardineiro), Μαύρη Μωραλίνα 2010 ( Moralina Negra),e Χορευτές 2014 (Dançerinos). Ela também trabalha com poesia visual (videopoetry) e poesia sonora (soundpoetry).

"Poema" de Frank O'Hara

schifano-with-art.jpg

Poema

Luz claridade salada de abacate de manhã

depois de todas as coisas terríveis que faço quão maravilhoso é

encontrar perdão e amor, nem sequer perdão

já que o que está feito está feito e perdão não é amor

e já que amor é amor nada pode dar errado

embora as coisas possam tornar-se irritantes aborrecidas e prescindíveis

(na imaginação) mas nunca de verdade para o amor

embora a um quarteirão de distância te sintas longínquo a simples presença

muda tudo como um químico entornado num papel

e todos os pensamentos desaparecem num estranho e calmo entusiasmo,

Eu não estou certo de nada para além disto, intensificado pela respiração

*

Poem

Light clarity avocado salad in the morning

after all the terrible things I do how amazing it is

to find forgiveness and love, not even forgiveness

since what is done is done and forgiveness isn’t love

and love is love nothing can ever go wrong

though things can get irritating boring and dispensable

(in the imagination) but not really for love

though a block away you feel distant the mere presence

changes everything like a chemical dropped on a paper

and all thoughts disappear in a strange quiet excitement

I am sure of nothing but this, intensified by breathing

"A Tempestade" de Georg Trakl

Georg-Trakl.jpg

Tradução: J. Carlos Teixeira

A Tempestade

Vós, selvagens montanhas, das águias
Sublime luto.
Nuvens douradas
Fumegam sobre desertos de pedra.
Paciente silêncio respiram os pinheiros,
Os cordeiros negros no abismo,
Onde subitamente o azul
Estranhamente silencia,
O doce zunir do abelhão.
Ó, verde flor -
Ó, silêncio. 

Oníricos agitam sombrios espíritos
Do ribeiro bravio o coração,
Escuridão
Que desaba dos desfiladeiros.
Vozes brancas,
Errantes pelos pátios lúgubres,
Terraços despedaçados,
A violenta ira dos pais, o lamento
Das mães,
Do menino, o dourado grito de guerra,
Dos não-nascidos,
O gemido de olhos cegos. 

Ó dor, tu, flamejante visão
Da grande alma!
Estremece no negro tumulto
Dos cavalos e vagões
Um raio rosa e horrendo
No abeto ressonante.
Frio magnético
Paira em volta desta altiva cabeça,
Brilhante melancolia
De um Deus enraivecido. 

Medo, ó venenosa serpente,
Negra, morre na pedra!
Lá, caem das lágrimas
Correntes bravias,
Tempestade-compaixão,
Ecos em trovões ameaçadores
Os cumes em neve rodeiam.
Fogo
Purifica noite destroçada. 

in Der Brenner, 1914


Das Gewitter

Ihr wilden Gebirge, der Adler
Erhabene Trauer.
Goldnes Gewölk
Raucht über steinerner Öde.
Geduldige Stille odmen die Föhren,
Die schwarzen Lämmer am Abgrund
Wo plötzlich die Bläue
Seltsam verstummt,
Das sanfte Summen der Hummeln.
O grüne Blume -
O Schweigen.

Traumhaft erschüttern des Wildbachs
Dunkle Geister das Herz,
Finsternis,
Die über die Schluchten hereinbricht!
Weiße Stimmen
Irrend durch schaurige Vorhöfe,
Zerrißne Terrassen,
Der Väter gewaltiger Groll, die Klage
Der Mütter,
Des Knaben goldener Kriegsschrei
Und Ungebornes
Seufzend aus blinden Augen.

O Schmerz, du flammendes Anschaun
Der großen Seele!
Schon zuckt im schwarzen Gewühl
Der Rosse und Wagen
Ein rosenschauriger Blitz
In die tönende Fichte.
Magnetische Kühle
Umschwebt dies stolze Haupt,
Glühende Schwermut
Eines zürnenden Gottes.

Angst, du giftige Schlange,
Schwarze, stirb im Gestein!
Da stürzen der Tränen
Wilde Ströme herab,
Sturm-Erbarmen,
Hallen in drohenden Donnern
Die schneeigen Gipfel rings.
Feuer
Läutert zerrissene Nacht.

in Der Brenner, 1914