UM FILÓSOFO

O filósofo
costumava falar
da vida justa e recta; dizia
que todas as manhãs
tomava um café, fumava um cigarro
e tinha o seu
momento escatológico:
«Eis o culminar da cultura,
o rigor das palavras equívocas,
um trocadilho barato.
Muito lá ao longe, existe um mar
e nele um barco que vai e vem
sem parar,
movido por uma força íntima,
no perfeito silêncio,
um mundo para lá das palavras,
da minha língua,
um mundo que não tenho,
mas me tem. Não quero
falar nem calar. Por mim,
apenas ambiciono ser
uma nuvem azul no céu limpo,
uma gota de água no rio calmo.»
Quando morreu, deixou testamento.
Duas frases:
Ǥ1. Quero ser cremado nu.
§2. A vantagem de morrer
é que posso deixar a louça por lavar.»

 

Panta rei

(Poemas de Makki Ahtisaari)

Não não é por amor nem por compaixão
nem sequer por indiferença
que este sol pousa na pedra e no meu corpo
e os aquece a ambos
mas apenas porque
há uma abertura no dossel das árvores
e o planeta está assim alinhado
daqui a pouco a China a Rússia a Carélia
e todas as cidades do mundo e todas as aldeias e
as pessoas que há nessas aldeias
e todas as criaturas da terra em geral
rodarão imperceptivelmente no espaço
e a sombra também
cairá aqui
e portanto tudo procede
com a mesma indistinta
falta de vontade